Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Sistemas de transporte em saúde em municípios rurais remotos do Brasil: por água, terra e ar
Patty Fidelis de Almeida, Adriano Maia dos Santos, Lucas Manoel da Silva Cabral, Eduarda Ferreira dos Anjos, Márcia Cristina Rodrigues Fausto, Aylene Bousquat

Última alteração: 2022-01-17

Resumo


Apresentação. As dificuldades de acesso aos serviços de saúde se expressam sob diversos aspectos, atingem de forma desigual os diferentes grupos populacionais e exigem, além de medidas direcionadas à oferta, políticas e ações voltadas às necessidades e demandas dos usuários, entre as quais o transporte aos pontos de atenção. A garantia de meios de locomoção adequados e seguros é essencial para a manutenção e melhoria da saúde e bem-estar de residentes de comunidades rurais em todo o mundo e pode ser um atenuador das grandes distâncias, reconhecidas como um dos principais determinantes do uso dos serviços de saúde. Os subsistemas de transporte em saúde são transversais às Redes de Atenção à Saúde (RAS) e buscam viabilizar fluxos e contrafluxos de pessoas e produtos. Este subsistema opera com ações primárias – cujo transporte se faz da residência ou local do adoecimento até um serviço de saúde, e secundárias – que envolve o transporte entre os serviços de saúde. O subsistema opera também a partir de dois módulos: a) transporte eletivo relacionado a eventos conhecidos e programados e b) transporte de urgência e emergência, que lida com eventos clínicos imprevistos. Este trabalho tem como foco as ações primárias do subsistema de transporte e os dois módulos. O objetivo principal é mapear custos, distâncias, tempos e meios/tipos de transporte eletivo e de urgência/emergência em Municípios Rurais Remotos brasileiros (MRR) e analisar as políticas e ações implementadas. Argumenta-se que os efeitos deletérios na saúde das populações mais vulneráveis, decorrentes da insuficiente e inadequada provisão de transporte sanitário, não têm sido enfrentados pelas políticas públicas de saúde. Métodos. Foram realizados estudos de casos múltiplos em 27 MRR, com abordagem qualitativa a partir de 178 entrevistas com informantes-chave (gestores, médicos e enfermeiros). Para compreensão das particularidades intramunicipais dos 27 municípios, adotou-se a classificação do território em duas áreas: a sede do MRR, identificada como o núcleo urbano, onde se concentram os equipamentos públicos, comércio e serviços em geral; e a zona rural, área do “interior” do município que corresponde aos pequenos e dispersos agrupamentos populacionais localizados em regiões distantes da sede. Também, foram analisados dados secundários de sistemas nacionais de informação para caracterização socioeconômica dos MRR e para identificação dos custos, distâncias, tempos para deslocamento. Por meio da análise de conteúdo temática das entrevistas, identificou-se os meios/tipos de transporte eletivo e de urgência/emergência e as políticas e estratégias desenvolvidas por gestores e usuários para sua provisão. Resultados. Os resultados do estudo destacam que as políticas nacionais de saúde não abarcam arranjos e financiamento para garantia do transporte sanitário eletivo, ou seja, não contemplam o vasto território, as assimetrias municipais e as inúmeras áreas remotas do país. Foram identificadas variadas modalidades de transporte – aéreos, fluviais e terrestres – utilizados, muitas vezes, de forma complementar em um mesmo trajeto. Alguns deslocamentos ultrapassam 1000 km, com tempos de viagem superiores a 20 horas, sobretudo na região amazônica. Múltiplos são os arranjos das gestões municipais ou dos próprios usuários para viabilizar o deslocamento para cuidados em saúde, nem sempre seguros, contínuos e oportunos. A insuficiência do transporte sanitário eletivo, bem como a restrição de dias, horários e rotas condicionam a seleção de beneficiários por critérios socioeconômicos em locais cuja vulnerabilidade, quase sempre, é a regra. Outra alternativa para os residentes nas zonas rurais era seguir a pé ou por condução própria com recursos próprios – veicular, fluvial, animal –, carona com vizinhos e familiares e até mesmo carregados em redes com deslocamentos que poderiam chegar a dois dias. Visando custo único de deslocamento, era comum que os usuários da zona rural buscassem os serviços de saúde quando iam à sede para outras atividades (ir ao banco, lotéricas, mercado). Desta forma, otimizam o tempo e os recursos. Outro desfecho é o não acesso, mesmo com agendamento programado (absenteísmo) e, consequentemente, tratamento postergado e perda de cuidado oportuno. A ausência de políticas para a provisão de transporte em áreas rurais torna seu provimento dependente dos insuficientes recursos municipais e dos gastos out-of-pocket, que podem ser muito altos conforme aponta este estudo. Se por um lado, viabiliza-se parte dos deslocamentos em saúde, por outro, a gestão municipal sem critérios previamente estabelecidos, torna este recurso estratégico um artifício ao clientelismo. Nessa mesma direção, embora os recursos de emendas parlamentares sejam relevantes para aquisição de transportes nos municípios, e representem, indiretamente uma forma de financiamento federal/estadual, trata-se de um recurso político, sujeito a interesses eleitoreiros e clientelistas, nem sempre submetido à lógica do planejamento local e de redução de desigualdades no SUS. Nos MRR estudados, o deslocamento envolve, com frequência, o trânsito para os serviços especializados e hospitalares localizados em outros municípios (fluxos intermunicipais), mas, também, o deslocamento interno (fluxos intramunicipais), para que os moradores da zona rural acessem a sede. De toda forma, as condições viárias e as distâncias são barreiras geográficas e econômicas que implicam em desfechos sanitários desfavoráveis e iniquidades aos residentes em áreas remotas. As demandas por transporte de urgência e emergência são parcialmente atendidas pelo SAMU, importante política nacional. Ainda assim, permanecem, paralelamente, discrepâncias entre os entes federados nas regiões brasileiras. Em MRR, diante da diversidade dos territórios, há necessidade de disponibilidade não apenas de ambulâncias para deslocamento (terrestre ou fluvial), mas de vias em condições adequadas de trafegabilidade, meios comunicacionais (rede de telefone e internet), ou seja, necessitam-se de políticas intersetoriais que integrem as áreas rurais e rarefeitas do Brasil. Os custos para deslocamento entre os municípios rurais remotos e a sede das regiões de saúde ou capitais dos estados, que concentram a maior parte da oferta de serviços especializados e hospitalares, pode comprometer expressiva parte da renda das famílias. Representam gastos catastróficos, caso não providos por recursos públicos. Identifica-se a impossibilidade de provisão de transporte sanitário sob responsabilidade exclusiva dos municípios. Considerações Finais. Este estudo reforça os nexos entre a acessibilidade ao transporte sanitário e a mitigação do direito à saúde. A incorporação da equidade social no planejamento do transporte frente à inegável relação entre mobilidade e riscos de exclusão social pela diminuição da capacidade de realizar as atividades cotidianas em níveis normais passa também pela disponibilidade de informações sobre a localização (latitude e longitude) de famílias mais vulneráveis, cuja mobilidade, muitas vezes, acontece por estradas vicinais não pavimentadas ou caminhos que sequer são conhecidos pelas autoridades públicas e plataformas de mapeamento como encontrado neste estudo. Argumenta-se que, sobretudo para as populações que habitam os MRR, a ausência de políticas para provisão suficiente, contínua e oportuna de transporte sanitário alimenta o ciclo de iniquidades e compromete a assunção ao direito universal à saúde.