Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Reflexões sobre o cuidado a partir de práticas decoloniais
Marcela de Lima Silva, Leiliana Maria Santos, Daniel Emílio da Silva Almeida, Maria Paula Cerqueira Gomes

Última alteração: 2022-01-17

Resumo


Apresentação: do que trata o trabalho e o objetivo;

Este trabalho propõe refletir sobre o cuidado a partir de práticas decoloniais no campo da saúde no cuidado de si e com outro. Pensar nesta perspectiva traz elementos a tensionar nos encontros nos serviços de saúde, visto que esse pensamento contrapõe-se ao modelo hegemônico vigente. O cuidado passa a ser um espaço de negociação o tempo todo.

Partimos da premissa que colonizamos o sentido de cuidar quando chegamos na posição de quem sabe o que o outro precisa, negando assim o conhecimento que outrem trazem de si sobre seu corpo e sobre sua história (Ferreira; Sampaio; Oliveira; Souza; Batista, Gomes; Marinho & Ferraz, 2016). Nessa perspectiva continuamos assujeitando o indivíduo na medida em que o colocamos em nossa caixinha de práticas de cuidado homogeneizantes com propostas restritas e pré-concebidas de se fazer o cuidado em saúde.

Enquanto processo inventivo, o cuidado deve se afirmar como uma experiência radical de (re)invenção da saúde que considera as apostas dos sujeitos sobre suas existências. O cuidado deve, portanto, estar a serviço do viver individual e coletivo, de tal maneira que a vida de qualquer um possa valer a pena (MERHY, 2002 apud  Ferreira et al, 2016 ).

Nesse sentido, o presente trabalho propõe fazer um  diálogo,  a partir de diferentes autores, sobre os processos de decolonização com os processos de cuidado em saúde. Este se dá a partir do diálogo e problematizações de autores do campo, assim como experiências e pensamentos des própries autores. A(o)s autores utilizaram na redação do texto tanto o masculino, feminino e a linguagem inclusiva, por julgarem que a produção deva se abrir a maior pluralidade de linguagens, respeitando as perspectivas singulares de todo(a)s participantes na produção do trabalho.

Desenvolvimento do trabalho: descrição da experiência ou método do estudo;

A todo momento es autores passam pelo desafio de se colocarem em análise, avaliando a partir de que espaço falam e como falam, se não estão repetindo formas de submeter e silenciar. Julgamos que nos processos de cuidado, e mais especificamente no campo da saúde, de onde es autores são oriundes, a decolonização passa por abrir-se às mais diferentes formas de se produzir às vidas, em suas respectivas formas de se viver autonomamente.

Assim, o cuidado com e outre não vem antes do encontro. A produção se dá nesse momento, no estar junto. Não está preestabelecida. Não está dada. E o “ele não sabe de si mesmo” ou “Ele não responde por si mesmo” passam a ser pontos a se problematizar por seu grande potencial colonizador. Na teoria das afecções apresentada por Spinoza e Gilles Deleuze, notamos que dependendo de como são esses encontros, ocorrem variações de aumento ou de diminuição da nossa potência de agir (Gilles Deleuze, 2002).  São nesses encontros que produzimos algo com o outro. Surge aí essa abertura e o pedido vem através desse momento, instante ou instantes. É na micropolítica dos processos de trabalho, no encontro entre trabalhadores e usuários, que se constroem os atos de cuidado (MERHY, 2013).

O cuidado de si não trata de um recolhimento em si mesmo ou de uma prática individual e desinteressada no outro; ao contrário, é uma prática social, é a maneira pela qual os sujeitos se relacionam consigo mesmos e tornam possível a relação com o outro (FOUCAULT, 2014).

Cuidar em liberdade, cuidar em rede, requer movimento, encontro, coletivo (Franco, 2013). É estabelecer outras relações menos hierárquicas, outros afetos, produzir uma atitude “de avizinhar”, e assim, múltiplas conexões. Guattari (1993) nos lembra que lidar com a diferença é mais difícil que lidar com o igual.

Com base no reconhecimento dessa multiplicidade também podemos levar em consideração o pensamento do Boaventura Souza Santos, em seu livro intitulado “Ecologia dos saberes” , dentre outros. Boaventura nos faz pensar que cada saber só existe dentro de uma pluralidade de saberes, nenhum deles pode compreender-se a si próprio sem se referir aos outros saberes. Assim, a ecologia de saberes nos capacita a uma visão mais abrangente tanto daquilo que conhecemos como daquilo que desconhecemos, e, também, nos previne de modo a reconhecermos que aquilo que não sabemos é ignorância nossa, e não ignorância em geral (SANTOS, 2007).

Temos muitas dificuldades em operar em lógicas que não conhecemos e dominamos. E assim tendemos a governar o outro nos nossos modos de agir. E isso nos faz pensar no campo da saúde o quanto necessitamos encontrar respostas decoloniais para que de fato possamos produzir um cuidado e uma formação na perspectiva decolonizadora. E assim descolonizar nossos corpos, nossos modos de estar no mundo, nossos olhares sobre o outro e sobre nós mesmos, nossos modos de agir, enfim de produzir a vida.

Resultados e/ou impactos: os efeitos percebidos decorrentes da experiência ou resultados encontrados na pesquisa;

Reconhecemos, como autores e cuidadores, que constituir processos de cuidado decolonizadores passam pela desconstrução de práticas, mas também de nós mesmos e do que reconhecemos como um encontro.

Desconstrução de práticas no sentido de nos abrirmos à dúvida e quebra de ações e algoritmos/protocolos prévios a partir do encontro, dos desejos e próprias materialidades de vidas diversas com as quais nos defrontamos.

Desconstrução também em nossas próprias formas de exercermos o cuidado de nós mesmos, vinculada, como dito acima, com a forma que nos portamos e exercemos nossas formas de viver em nosso cotidianos. Até que ponto não reproduzimos práticas, nos cerceamos, desconsideramos ancestralidades, nos colocamos como autênticos produtores de saber e de fala, mesmo que minoritárias, por nós e coletivos?

Considerações finais;

Reconhecemos, a partir de estudos, processamentos coletivos, processos de cuidado cotidianos, que fomentar processos de cuidado decolonizadores é um desafio importante em diversas esferas, que abrangem tanto o cuidado de nós mesmos, em nossas formas de nos portarmos e constituirmos práticas por nossas partes, quanto no atravessamento do cuidado dos outros, e nas nossas respectivas aberturas às diversas formas de se levar e viver a vida.

Reconhecermos a voz que se dá por nós, pelos outros, pelas ancestralidades e diferenças, é algo que desconstrói e reconhece outras práticas, perspectivas de mundos, outras formas de se operar perante a vida e em defesa de todas as vidas, e como tal é um processo profundamente singular, imprevisto e em ato, e coletivo, que se dá no encontro.