Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-01-30
Resumo
Apresentação: A farmacoterapia da tuberculose (TB) e HIV/aids bem como o estigma causado por ambas as doenças são complexos. A experiência subjetiva do paciente seja com a doença ou com o uso de medicamentos é de extrema importância para o atendimento farmacêutico. Existem estudos abrangentes sobre o tema relacionado ao processo de adoecimento, porém poucas pesquisas foram desenvolvidas em relação à experiência de utilização de medicamentos. Esse relato busca conhecer a prática de cuidado farmacêutico e as especificidades dos pacientes coinfectados. Desenvolvimento: No período de setembro de 2015 a dezembro de 2016 foi realizada uma pesquisa intitulada “Cuidado Farmacêutico aplicado aos pacientes que vivem com tuberculose e HIV/aids em um hospital de referência, Belo Horizonte” aprovada pelo comitê de ética e pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE:23692713.3.0000.5149) e Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais no Hospital Eduardo de Menezes (CAAE: 23692713.2.3001.5124), que presta assistência especializada em infectologia e dermatologia sanitária, atuando também na pesquisa, formação e capacitação profissional. Oitenta e um pacientes coinfectados com TB e HIV/aids foram entrevistados e acompanhados por farmacêutico em um estudo de mundo real. Em setembro de 2021, o trabalho de acompanhamento a esses pacientes por meio de consultas ao prontuário foi retomado e foi possível avaliar o desfecho que esses pacientes apresentaram, após acompanhamento de cinco anos do início do tratamento da TB. O processo de cuidado proposto pelo método Pharmacotherapy Workup preconizado por Cipolle, Strand e Morley foi utilizado para acompanhamento dos pacientes. Realizou-se também uma pesquisa interpretativa que buscou entender a experiência do paciente com o uso dos seus medicamentos, com amostragem intencional buscando exatamente aqueles pacientes que não foram elegíveis nos critérios para a análise estatística. Resultados: Dos 81 pacientes entrevistados, 62 (77%) eram do sexo masculino e 39 (52%) com idade maior que 40 anos. Durante o acompanhamento foram identificados pacientes com importantes vulnerabilidades sociais, tais como: pessoas em situação de rua (n=7, 8%), privados de liberdade (n= 2, 2%) e usuários de drogas ilícitas (n= 18, 22%). Com relação aos Problemas relacionados ao uso de Medicamentos (PRM) na data da entrevista, 65 pacientes (80,0%) tinham pelo menos um PRM, sendo que 46 (57%) apresentaram PRM de necessidade, 39 (48%) de adesão ao tratamento, 5 (6%) de efetividade e 3 (4%) de segurança. Ao todo, foram identificados 110 PRM. Dentre os PRM que eram relacionados à necessidade de farmacoterapia adicional (n=57, 52%), 20 (35%) eram devido a condições não tratadas e 37 (65%) à necessidade de profilaxia. A necessidade de suplementação da piridoxina devido ao risco de neuropatia periférica foi classificada como PRM de necessidade de profilaxia. Observou-se 39 PRM de não adesão ao tratamento (35%). As causas para a não adesão foram: preferir não tomar os medicamentos (53,8%), esquecer de tomar os medicamentos (33%), medicamento não disponível (8%) e não entender as instruções (5%). Os aspectos que levam a não adesão são diversos e envolvem o próprio paciente, com todas as suas especificidades clínicas e sociais. Dos pacientes avaliados 29/81 (35,8%) alcançaram a cura da TB, 28/81 (34,6%) foram transferidos, 14/81(17%) foram a óbito, 5/81 (6,2%) abandonaram o tratamento e 4/81 (4,9%) tiveram mudança de diagnóstico da TB. Por se tratar de um hospital de referência terciária, alguns pacientes são acompanhados apenas durante a internação e depois são transferidos para serviços mais próximos de suas residências, o que explica a alta taxa de transferência. Entretanto, observou-se também que grande parte dos paciente evoluiu a óbito e que a taxa de cura da TB está bem abaixo da média nacional de 53,4%, em 2018. A partir desses desfechos, observa-se que o acompanhamento farmacoterapêutico aos pacientes coinfectados é um grande desafio, que perpassa por várias situações relacionadas aos PRM, que a pesquisa quantitativa não é capaz de mensurar. Durante as entrevistas foi possível ouvir várias experiências, como a descrição de reações adversas que levaram à interrupção do tratamento. Um paciente descreveu que parou de usar os antirretrovirais porque trabalhava à noite e o uso do efavirenz o deixava com insônia, que o atrapalhava no trabalho. Quando retornou ao serviço de saúde, sua condição clínica estava agravada pela coinfecção com TB. Pode-se também desvendar a experiência de pacientes que já vivenciaram tratamentos que não eram indicados para a sua condição clínica até descobrir o tratamento adequado ou que, após um tempo tiveram mudança de diagnóstico da TB, depois de enfrentar reações adversas causadas pelo tratamento. Outro aspecto relacionado ao PRM é aquele em que os pacientes não aderem ao tratamento e isso pode ter vários motivos que não são mensuráveis na pesquisa quantitativa. Isso inclui a necessidade de um paciente ter alguém que cuide dele, depois de ser abandonado pela família. Por vezes, o motivo de abandono ao tratamento é que ser internado significa a oportunidade de receber as refeições na hora certa, ter um lugar limpo e confortável para descansar de suas mazelas. Por outro lado, há os indivíduos que optam por evadir da internação. A evasão do hospital ocorreu em indivíduos que utilizam drogas ilícitas e vivem em trajetória de rua. O uso de drogas ilícitas e viver em situação de rua interferem na adesão ao tratamento e seguimento a esses pacientes, já que muitas vezes não permite o estabelecimento de uma rotina e esses indivíduos perdem o vínculo com o serviço de saúde. Em relação ao serviço de saúde, houveram relatos em que os pacientes requeriam o atendimento pelo mesmo profissional de saúde em todas as consultas, mas isso não era possível por questões de logística. O sentimento de carência e impotência diante da coinfecção TB e HIV/aids é muito difícil para quem vivencia e requer resiliência. O conceito de resiliência envolve a superação do indivíduo frente a situações consideradas de vulnerabilidade ou adversas, resultando numa modificação positiva em sua vida ou comportamento. Deste modo, promover a resiliência seria benéfico para o paciente, influenciando assim numa melhor qualidade de vida e maior adesão à terapia medicamentosa. Durante o acompanhamento foi possível aprender sobre as potencialidades do Sistema Único de Saúde com a atuação da equipe multiprofissional, os serviços como o de atenção domiciliar, consultório de rua e voltados para o combate às drogas. Considerações Finais: Os desafios encontrados refletem a necessidade de acompanhamento desses pacientes de forma holística e considerando todos os aspectos sociais, humanísticos e em relação ao sistema de saúde.