Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Desafios da prática do cuidado farmacêutico em pacientes coinfectados com tuberculose e HIV/aids: seguimento, experiências e desfechos
Natalia Helena de Resende, Adriano Max Moreira Reis, Silvana Spíndola de Miranda, Simone de Araújo Medina Mendonça, Dirce Inês da Silva, Ursula Carolina de Morais Martins, Wânia da Silva Carvalho

Última alteração: 2022-01-30

Resumo


Apresentação: A farmacoterapia da tuberculose (TB) e HIV/aids bem como o estigma causado por ambas as doenças são complexos. A experiência subjetiva do paciente seja com a doença ou com o uso de medicamentos é de extrema importância para o atendimento farmacêutico. Existem estudos abrangentes sobre o tema relacionado ao processo de adoecimento, porém poucas pesquisas foram desenvolvidas em relação à experiência de utilização de medicamentos.  Esse relato busca conhecer a prática de cuidado farmacêutico e as especificidades dos pacientes coinfectados. Desenvolvimento: No período de setembro de 2015 a dezembro de 2016 foi realizada uma pesquisa intitulada “Cuidado Farmacêutico aplicado aos pacientes que vivem com tuberculose e HIV/aids em um hospital de referência, Belo Horizonte” aprovada pelo comitê de ética e pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE:23692713.3.0000.5149) e Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais no Hospital Eduardo de Menezes (CAAE: 23692713.2.3001.5124), que presta assistência especializada em infectologia e dermatologia sanitária, atuando também na pesquisa, formação e capacitação profissional. Oitenta e um pacientes coinfectados com TB e HIV/aids foram entrevistados e acompanhados por farmacêutico em um estudo de mundo real. Em setembro de 2021, o trabalho de acompanhamento a esses pacientes por meio de consultas ao prontuário foi retomado e foi possível avaliar o desfecho que esses pacientes apresentaram, após acompanhamento de cinco anos do início do tratamento da TB. O processo de cuidado proposto pelo método Pharmacotherapy Workup preconizado por Cipolle, Strand e Morley foi utilizado para acompanhamento dos pacientes. Realizou-se também uma pesquisa interpretativa que buscou entender a experiência do paciente com o uso dos seus medicamentos, com amostragem intencional buscando exatamente aqueles pacientes que não foram elegíveis nos critérios para a análise estatística. Resultados: Dos 81 pacientes entrevistados, 62 (77%) eram do sexo masculino e 39 (52%) com idade maior que 40 anos. Durante o acompanhamento foram identificados pacientes com importantes vulnerabilidades sociais, tais como: pessoas em situação de rua (n=7, 8%), privados de liberdade (n= 2, 2%) e usuários de drogas ilícitas (n= 18, 22%). Com relação aos Problemas relacionados ao uso de Medicamentos (PRM) na data da entrevista, 65 pacientes (80,0%) tinham pelo menos um PRM, sendo que 46 (57%) apresentaram PRM de necessidade, 39 (48%) de adesão ao tratamento, 5 (6%) de efetividade e 3 (4%) de segurança. Ao todo, foram identificados 110 PRM. Dentre os PRM que eram relacionados à necessidade de farmacoterapia adicional (n=57, 52%), 20 (35%) eram devido a condições não tratadas e 37 (65%) à necessidade de profilaxia. A necessidade de suplementação da piridoxina devido ao risco de neuropatia periférica foi classificada como PRM de necessidade de profilaxia. Observou-se 39 PRM de não adesão ao tratamento (35%). As causas para a não adesão foram: preferir não tomar os medicamentos (53,8%), esquecer de tomar os medicamentos (33%), medicamento não disponível (8%) e não entender as instruções (5%). Os aspectos que levam a não adesão são diversos e envolvem o próprio paciente, com todas as suas especificidades clínicas e sociais.  Dos pacientes avaliados 29/81 (35,8%) alcançaram a cura da TB, 28/81 (34,6%) foram transferidos, 14/81(17%) foram a óbito, 5/81 (6,2%) abandonaram o tratamento e 4/81 (4,9%) tiveram mudança de diagnóstico da TB. Por se tratar de um hospital de referência terciária, alguns pacientes são acompanhados apenas durante a internação e depois são transferidos para serviços mais próximos de suas residências, o que explica a alta taxa de transferência. Entretanto, observou-se também que grande parte dos paciente evoluiu a óbito e que a taxa de cura da TB está bem abaixo da média nacional de 53,4%, em 2018. A partir desses desfechos, observa-se que o acompanhamento farmacoterapêutico aos pacientes coinfectados é um grande desafio, que perpassa por várias situações relacionadas aos PRM, que a pesquisa quantitativa não é capaz de mensurar. Durante as entrevistas foi possível ouvir várias experiências, como a descrição de reações adversas que levaram à interrupção do tratamento. Um paciente descreveu que parou de usar os antirretrovirais porque trabalhava à noite e o uso do efavirenz o deixava com insônia, que o atrapalhava no trabalho. Quando retornou ao serviço de saúde, sua condição clínica estava agravada pela coinfecção com TB. Pode-se também desvendar a experiência de pacientes que já vivenciaram tratamentos que não eram indicados para a sua condição clínica até descobrir o tratamento adequado ou que, após um tempo tiveram mudança de diagnóstico da TB, depois de enfrentar reações adversas causadas pelo tratamento. Outro aspecto relacionado ao PRM é aquele em que os pacientes não aderem ao tratamento e isso pode ter vários motivos que não são mensuráveis na pesquisa quantitativa. Isso inclui a necessidade de um paciente ter alguém que cuide dele, depois de ser abandonado pela família. Por vezes, o motivo de abandono ao tratamento é que ser internado significa a oportunidade de receber as refeições na hora certa, ter um lugar limpo e confortável para descansar de suas mazelas. Por outro lado, há os indivíduos que optam por evadir da internação. A evasão do hospital ocorreu em indivíduos que utilizam drogas ilícitas e vivem em trajetória de rua.  O uso de drogas ilícitas e viver em situação de rua interferem na adesão ao tratamento e seguimento a esses pacientes, já que muitas vezes não permite o estabelecimento de uma rotina e esses indivíduos perdem o vínculo com o serviço de saúde. Em relação ao serviço de saúde, houveram relatos em que os pacientes requeriam o atendimento pelo mesmo profissional de saúde em todas as consultas, mas isso não era possível por questões de logística. O sentimento de carência e impotência diante da coinfecção TB e HIV/aids é muito difícil para quem vivencia e requer resiliência. O conceito de resiliência envolve a superação do indivíduo frente a situações consideradas de vulnerabilidade ou adversas, resultando numa modificação positiva em sua vida ou comportamento. Deste modo, promover a resiliência seria benéfico para o paciente, influenciando assim numa melhor qualidade de vida e maior adesão à terapia medicamentosa. Durante o acompanhamento foi possível aprender sobre as potencialidades do Sistema Único de Saúde com a atuação da equipe multiprofissional, os serviços como o de atenção domiciliar, consultório de rua e voltados para o combate às drogas. Considerações Finais: Os desafios encontrados refletem a necessidade de acompanhamento desses pacientes de forma holística e considerando todos os aspectos sociais, humanísticos e em relação ao sistema de saúde.