Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Vozes Presentes durante e após a Epidemia de Zika no Brasil
Berenice de Freitas Diniz, Rose Ferraz Carmo, Zélia Maria Profeta da Luz

Última alteração: 2022-01-23

Resumo


Apresentação

 

A emergência sanitária marcada pela epidemia de Zika no Brasil, trouxe várias questões para o centro do debate no campo das políticas públicas incluindo: direitos sociais, humanos, sexuais e reprodutivos, direito à saúde, direito das pessoas com deficiência, ao acesso à informação, saneamento, bem como questões relacionadas às responsabilidades individuais e coletivas, decisões sobre as desigualdades sociais, comunicação, dentre outras.

No âmbito desses debates várias instituições, organizações, organismos nacionais e internacionais, mídias, entidades e organizações da sociedade civil promoveram discussões sobre o tema Zika e direitos, e elaboraram propostas nos mais diversos campos, propuseram ações, organizaram discussões sobre o direito à assistência à saúde das crianças com microcefalia, as garantias sociais para as famílias e apresentaram o problema da Zika como uma questão de direitos humanos, portanto podemos dizer que várias vozes estiveram presentes nesse contexto

Nesse trabalho nomeamos de vozes especificamente as interlocuções promovidas pelas entidades e organizações não governamentais (ONG) que atuaram durante a emergência sanitária. Nosso pressuposto é de que a participação social tem potencial para atuar de forma propositiva em contextos de crise e que a voz coletiva daí advinda possa ecoar de forma solidária e produzir ressonâncias pela garantia de direitos.

 

Desenvolvimento do trabalho: descrição da experiência ou método do estudo

 

Realizamos um levantamento de entidades e organizações não governamentais (ONG) que atuaram, de alguma forma, na emergência sanitária e posteriormente atuaram a partir das necessidades e demandas das crianças com a Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZ) e das suas famílias, principalmente na luta pela garantia de direitos.

Foi realizado um levantamento por meio de sites de busca na internet e Facebook e, foram identificados grupos de mães, Organizações Não Governamentais (ONG) que atuaram nas questões relativas ao Zika, aos direitos das crianças com microcefalia e de suas famílias, que disponibilizaram as ações realizadas em meio eletrônico, como o Facebook, sites, blogs entre outros, a busca foi realizada no período de 2019 a 2020.

Esse levantamento foi feito com busca eletrônica por meio do Google. As palavras utilizadas para essa busca foram: “Zika e microcefalia”, “Zika e direitos humanos”, Zika e direitos reprodutivos”, “Zika e mulheres”, “mobilização social e Zika”, “Zika no Brasil” e “mães de crianças com microcefalia”.

 

 

Resultados/Impactos:

 

Após leitura sobre a atuação dessas entidades e organizações da sociedade civil, identificamos temas que se aproximavam e os classificamos em quatro categorias de organização:

a)      De comunicação e direitos - Atuavam na identificação de matérias jornalísticas que foram e estão sendo divulgadas sobre o Zika vírus, SCZ, a microcefalia e as suas consequências na vida das mulheres e das suas crianças.

b)      De direitos humanos (DH) - Atuavam na perspectiva de defesa dos DH, realizando levantamento e denúncias das suas violações a fim proporem ações para garantia desses direitos.

c)      De direitos sexuais e reprodutivos – Abordavam a temática da Zika sob a perspectiva dos direitos reprodutivos e sexuais e atuavam em frentes de trabalho elaborando materiais para públicos diversos, realizando pesquisas nesse campo.

d)      De solidariedade, assistência e direitos – São organizações compostas predominantemente pelas mulheres mães de crianças, familiares e outras pessoas que foram afetadas pela SCZ e microcefalia em consequência do Zika vírus. Atuavam junto aos órgãos do poder público para requerer direitos, articulavam a solidariedade entre os membros do grupo e também da sociedade em geral. Algumas trabalhavam com a assistência direta às crianças com SCZ e microcefalia e suas famílias, oferecendo serviços principalmente de advocacia, atendimento em terapia ocupacional e psicologia.

Importante destacar que essas organizações, na sua maioria, foram criadas a partir do fenômeno Zika vírus e a sua associação à microcefalia, ou seja, a partir das consequências que as crianças e suas famílias vivenciaram. A maioria se concentrava na região Nordeste do Brasil, mas verificamos que havia associações nas Regiões Centro Oeste, Norte e Sudeste do país.

Elas atuavam com diversas estratégias nos territórios onde tinham sede, nos municípios e estados, dialogando com a sociedade, governos, parlamentares e realizando ações de solidariedade.

Para uma articulação mais organizada em todo o território brasileiro, a fim de discutir as políticas públicas de saúde, pesquisa e assistência em SCZ, em julho de 2017, a partir da organização e mobilização de várias associações e grupos, foi criada a Frente Nacional de Direitos da Pessoa com a Síndrome Congênita Associada à Infecção pelo vírus Zika (FNDPSCZV), que congrega várias associações de pais e familiares de crianças com microcefalia.

As principais áreas de atuação da FNDPSCZV são a reparação do Estado com projetos de leis cujo objeto seja de indenização para as famílias afetadas pela SCZ e também sobre questões éticas sobre pesquisas realizadas com as crianças afetadas pela SCZ.

Com a mobilização da FNDPSCZV, foi assinada a Medida Provisória (MP) Nº 894/2019 pelo presidente da República, concedendo pensão vitalícia às crianças com microcefalia devido ao ZIKV. Mas essa MP foi considerada injusta e restritiva pela FNDPSCZV, pois não garantia a universalidade de acesso ao benefício. Dessa forma, a Frente continuou se organizando, mobilizando, dialogando com a sociedade, com o poder legislativo, buscando referências principalmente em pesquisas e boletins epidemiológicos e, a partir disso, propondo novas redações para a referida MP. Após essas mobilizações, em 2020, o presidente da República sancionou a Lei Federal Nº 13.985, que institui a pensão especial destinada a crianças em SCZ, que nasceram entre 1º de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2019, mas as lutas continuam, pois, essa MP desconsidera as crianças nascidas com SCZ após ano de 2020.

 

Considerações finais

Passado o período da Emergência Sanitária de Zika, observamos que o tema não é um eixo central das políticas de saúde e quase não é noticiado nas mídias. No entanto, a epidemia do Zika e suas consequências permanecem, o medo é vivenciado cotidianamente pelas mulheres, principalmente as que tiveram filhos com complicações mais severas da SCZ. Faz parte da rotina dessas mulheres o desafio de cuidar integralmente dessas crianças, muitas vezes sem apoio das famílias, da sociedade e sem as garantias dos direitos.

A importância dessas mulheres mães e familiares se organizarem em grupos a fim de compartilhar vivências nos parece fundamental. A organização em grupos e a constituição de redes que dê suporte para o cuidado das crianças e suas famílias tornam-se uma estratégia de sobrevivência, com compartilhamento de experiências, de apoio mútuo, trocas e solidariedade.

Além disso, oferece possibilidade de lutas sociais coletivas para garantia e conquista de direitos e de visibilidade às causas.

Confirmamos dessa forma nosso pressuposto, as vozes emitidas pelas entidades e organizações identificadas ocuparam um lugar de destaque no contexto de emergência sanitária e continuam atuando para que suas vozes tenham repercussão na sociedade para a solidariedade e garantia de direitos.