Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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SAÚDE BUCAL, GESTAÇÃO E A INTEGRALIDADE DA ATENÇÃO: O QUE NOS DIZEM AS GESTANTES DE ALVORADA/RS
ROSE Mari FERREIRA, ALCINDO Antonio FERLA

Última alteração: 2022-01-18

Resumo


Introdução

Os cuidados com a saúde bucal durante a gestação influenciam na saúde da gestante, tem repercussões na saúde do bebê e constituem parte integrante dos cuidados com a saúde durante o acompanhamento do pré-natal. Toda gestante tem direito ao acesso a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério (BRASIL, 2014). E que também  atenda às suas necessidades, para compor a diretriz de integralidade da atenção. O direito à saúde traduz uma conquista e, ao mesmo tempo, uma possibilidade de vida mais justa e mais digna.

A atenção à saúde bucal da gestante é um momento próprio para analisar as dimensões do cuidado que expressam integralidade e envolvem a capacidade de absorver planos da técnica, ética, relacional e humanos do cuidado. Não se trata aqui de idealizar os profissionais e serviços, apenas que compreender como se organiza a dimensão tecnoassistencial do cuidado, como nos apresenta Émerson Merhy. É oportuno que o cuidado em saúde bucal à mulher no período gestacional se deixe atravessar por questões que são fortemente marcadoras da condição da mulher (as diferentes formas da constituição do feminino em cada uma, das condições étnico-raciais, das condições de acesso e uso dos equipamentos sociais na periferia de um município metropolitano, das situações de violência que está exposta no cotidiano, entre outras). Estranhar o que nos é natural, inclusive nos serviços de saúde, também é colocar em questão o efeito das lógicas que embasaram os conhecimentos e práticas, mas sobretudo, dar passagem para outras epistemologias e metodologias, nesse caso com enfoque antirracista e decolonial. Afinal, o trabalho em saúde é complexo e precisa ser produzido como travessia de fronteiras entre o sabido e o ainda não sabido, como aprendizagem significativa para gerar deslocamentos na integralidade.

Há, portanto, a necessidade de um melhor entendimento a respeito de crenças, medos e mitos relatados por gestantes sobre a possibilidade de realizar consultas e procedimentos odontológicos durante a gestação, dos modos como elas vivenciaram esse atendimento e dos demais “ruídos” que estão associados a esse cuidado na atenção básica ou em outros serviços que realizam acompanhamento do pré-natal.

Diante disso, o presente estudo teve como objetivo geral analisar a dimensão da integralidade da atenção no cuidado em saúde bucal das gestantes atendidas no acompanhamento do pré-natal, a partir das informações sobre o cuidado relatadas pelas próprias mulheres. Os objetivos específicos foram de analisar como os marcadores sociais raça, cor, classe social, escolaridade influenciam o cuidado integral da gestante em atendimento no pré-natal; identificar quais os fatores dificultam o acesso ao cuidado odontológico durante o pré-natal; identificar se as gestantes em pré-natal recebem orientações de saúde bucal para ela e para o seu bebê; analisar como outros profissionais que participam da assistência ao pré-natal acolhem as queixas odontológicas e fazem os encaminhamentos durante o pré-natal; compreender como que mitos e crenças influenciam na busca de acompanhamento odontológico no pré-natal.

 

Metodologia

A pesquisa teve delineamento qualitativo e foi realizada com mulheres gestantes moradoras em bairros da cidade de Alvorada/RS, uma cidade periférica da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS, com uma população aproximadamente de 211.000 habitantes. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Instituição de Ensino local. Os instrumentos de produção de dados foram o questionário de identificação sociodemográfica, entrevistas com roteiro semiestruturado e anotações em caderno de campo. Os dados foram tratados utilizando-se a análise temática com a construção de categorias teóricas e empíricas. As entrevistas aconteceram no período de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021. Foram entrevistadas 7 mulheres, sendo 4 mulheres negras (pretas e pardas), 2 mulheres brancas e uma mulher indígena, moradoras em Alvorada/RS. Foram adotados todos os protocolos para prevenção de infecção de coronavírus.

Resultados e discussão:

A média de idade das participantes foi de 29 anos, com a idade mínima de 20 anos e máxima de 38 anos. No momento da entrevista, 4 gestantes estavam na 2ª gestação e 3 mulheres desempenhavam funções domésticas, não remuneradas, sem vínculo empregatício. Em relação a realizar o pré-natal no Sistema Único de Saúde, 6 consultavam nas unidades de saúde próximas à sua residência e desse percentual, todas realizavam consultas alternadas com médica/o e enfermeira/o. No momento da realização da entrevista, 2 das gestantes encontravam-se no terceiro trimestre gestacional. Foram construídas  três  Categorias Teóricas: 1)Medos, crenças e mitos sobre atendimento odontológico nas falas das gestantes; 2) Orientação para cuidados com saúde bucal e a importância da saúde bucal no pré-natal e 3) Racismo Institucional; e duas Categorias Empíricas: 1) Medo em diversas situações: COVID-19 estabelecendo medo de não ter acompanhante e 2) Os profissionais de saúde que acompanham o pré-natal.

Os resultados apontaram que mais de 50% das gestantes haviam finalizado o ensino médio e apresentavam renda mensal de até R$ 2.090,00. Em relação às consultas odontológicas ofertadas durante o período de acompanhamento do pré-natal, 86% das gestantes não tiveram essa oferta. O medo de submeter-se a tratamento odontológico com uso de anestesia dentária durante a gestação foi constante nos resultados e teve origem em informações obtivas e/ou não esclarecidas nos atendimentos prévios. Metade das gestantes negras relatou sofrer violência obstétrica e todas as entrevistadas manifestaram medo em não poder ter acompanhante no parto devido à pandemia da COVID-19. Foi evidenciado que a consulta odontológica ainda não se constitui como rotina no pré-natal, o que acarreta déficits à integralidade.

 

Considerações finais

A pesquisa proporcionou evidenciar que a atenção à saúde é mais do que a satisfação de necessidades de saúde das pessoas e coletividades: também é um marcador avaliativo da justiça social e da satisfação dos direitos previstos na legislação. Evidenciou-se que a consulta odontológica, como parte desse observatório de justiça social, ainda não se constitui como rotina no pré-natal com déficits à integralidade e, portanto, ao direito das mulheres e das crianças, sobretudo em relação às mulheres negras. Também evidenciou que o racismo é um dos componentes da violência obstétrica, considerando o relato das mulheres negras e a violência que sofreram.

Os relatos densos e intensos das mulheres também demonstraram que o cuidado em saúde, assim como os serviços onde o mesmo se realiza, devem estar abertos à escuta sensível das histórias e dos percursos de vida das pessoas sob cuidado, constituindo uma dimensão micropolítica da diretriz constitucional da participação das pessoas no sistema de saúde. A violência e o preconceito constituem-se em condicionantes da situação de saúde de pessoas e coletividades e, portanto, deve ser abordado e investigado no atendimento à saúde, em busca de sinais que demonstrem sua ocorrência, seja no domicílio, nos espaços de convívio territorial ou nos atendimentos prévios nos serviços de saúde. A pesquisa gerou também uma cartilha com informações para as gestantes e uma proposta de educação permanente para profissionais de saúde, abordando as relações étnico raciais e o saúde bucal na gestação.