Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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TERAPIA COMUNITÁRIA INTEGRATIVA COM TRABALHADORES DOS SUS: REDES SOLIDÁRIAS EM TEMPOS DE PANDEMIA
Maria Eugenia Chaves Franca, Rocio Elizabeth Chavez Alvarez

Última alteração: 2022-01-17

Resumo


Trabalhadoras e trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) obtiveram, a partir do ano 2020, o desafio de combate à pandemia do novo coronavírus acrescido a suas tarefas e cotidianos. Na Atenção Primaria à Saúde (APS), porta de entrada e coordenadora do cuidado do sistema, a transformação das práticas com a incorporação do isolamento social, o uso de equipamento de proteção individual, excesso de informações novas diárias, entre tantas outras mudanças consequentes da pandemia, intensificou contextos de estresse, preocupação, medo e sobrecarga, sendo o processo de trabalho determinante na saúde física e mental dos sujeitos envolvidos. A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) configura Prática Integrativa Complementar em Saúde baseada em cinco grandes pilares teóricos: o pensamento sistêmico, a teoria da comunicação, a antropologia cultural, a pedagogia de Paulo Freire e a Resiliência. A TCI propõe ambiente acolhedor de fala e escuta para a partilha de sofrimentos e superações advindas do grupo, com fortalecimento de vínculos solidários e promoção de saúde psíquica. Deste modo, este trabalho de intervenção faz parte da dissertação do mestrado profissional em saúde da família e objetiva intervir positivamente no ambiente laboral por meio de rodas de TCI com trabalhadoras e trabalhadores da APS em linha de frente do enfrentamento à pandemia. Entre os meses de Setembro e Dezembro de 2021, foram realizadas quatro rodas de TCI com profissionais da rede da APS do município de Eunápolis-Ba. Estiveram presentes odontólogos, enfermeiros, médicos, técnicos e outros servidores das Unidades de Saúde, convidados a participar voluntariamente e em uso dos equipamentos de proteção inerentes ao trabalho. Ao total as rodas contaram com 52 participantes. A condução foi realizada por terapeutas comunitários formados e em formação seguido o passo a passo determinado pela Associação Brasileira de Terapia Comunitária Integrativa: acolhimento, escolha do tema, contextualização, problematização e finalização/encerramento. A primeira roda foi realizada com equipe do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF) a fim de que a equipe se familiarizasse com a prática, uma vez que o trabalho de intervenção configura parceria entre a autora, Núcleo de Coordenação da Atenção Básica, Núcleo de Saúde do Trabalhador, NASF e projeto social “De janeiro a janeiro”, do município de Eunápolis. Esta primeira roda em especifico foi conduzida por um terapeuta comunitário convidado, representante indígena Pataxó, celebrando as diversidades culturais de nossa região. As demais rodas foram realizadas por conveniência de agendas com as Equipes de Saúde da Família nas próprias Unidades de Saúde. Os dados coletados possibilitaram visualizar problemas/temas e estratégias de superação.  Em cada roda um tema foi escolhido através da votação pelo grupo. O tema “sentimento de sobrecarga” foi escolhido em 2 rodas, 1 roda com o tema “medo de perder alguém querido” e 1 roda em que a maioria votou no “sentimento de impotência frente aos desafios externos”. Dentre os temas mais trazidos estão os sentimentos relacionados ao próprio trabalho: ansiedade, instabilidade, raiva, indignação, tristeza, abandono e insegurança. 4 participantes relataram estar de luto pela morte de familiares. Também se repetiram os relatos sobre a pandemia, sendo trazidos sentimentos de angustia, tristeza e preocupação; sobre a indignação frente às atitudes dos pacientes; o medo de adoecer e sobre medo e impotência frente ao futuro. Além destes, foram trazidos o medo das chuvas, uma participante relatou ter perdido parte da casa após as chuvas torrenciais nesta região, o incômodo com a opinião alheia, o sentimento de discriminação e humilhação. Dentre as superações relatadas, nas 2 rodas em que o sentimento escolhido foi de sobrecarga, as estratégias trazidas pelo grupo foram: aprender a dizer não, redirecionar a energia, se auto analisar para evitar repetir erros, priorizar a saúde mental, buscar o equilíbrio, aprender a delegar tarefas, limitar o que realmente e possível de ser feito, lembrar de se divertir, “sair do local que não lhe cabe mais”, renovar, criar nova vida, ter clareza dos limites, prezar pelo amor próprio, entender que o cotidiano pode ser mais leve, olhar a situação de fora, “visão sistêmica”, se planejar e organizar. Para o sentimento de medo de perder alguém querido foram compartilhadas as estratégias de: orar, ter fé e trabalhar a espiritualidade, “perder o controle”, em outras palavras, entender que não se tem o controle sobre tudo, dialogar com os entes queridos sobre o sentimento, buscar tratamento profissional para apoio à saúde mental, trabalhar conceitos como aceitação e resiliência, focar em outras atividades, acolher e ser companheiro deste ente. Para realização das rodas, nem sempre dispôs-se de estrutura física desejada, algumas rodas aconteceram na própria recepção da unidade. Terapeutas e coterapêutas buscaram superar a falta de estrutura focando no acolhimento ao levar instrumentos musicais para incorporação de músicas às rodas, cartazes com os ditados da TCI, por exemplo “Quando a boca cala, os órgão falam, quando a boca fala os órgão saram”, bilhetes com os dizeres “Estou aqui somente para mim, eu que vivo cuidando dos outros agora estou sendo cuidado”, dinâmicas de interação e mindfullnes, foco na horizontalidade das relações e na circularidade dos cuidados. O grau de participação e envolvimento dos trabalhadores foi extremamente satisfatória. A experiência com as rodas revelou-se positiva ao passo que os participantes relataram, no encerramento das mesmas, o que levavam daquele momento: empatia, união, força, sabedoria, a possibilidade de se enxergar e enxergar o outro, calma, a importância da vida, resiliência, esperança, leveza, amor, alegria, renascimento, limites, planejamento, cuidado, amor próprio, transformação, amizade e família. As equipes solicitaram repetição de momentos de acolhimento. O planejamento de mais rodas de TCI no SUS municipal está sendo contemplada tanto pela autora como pela gestão em saúde, a fim de atingir o máximo possível de trabalhadores de saúde no território e nas Unidades de Saúde da Família. Há necessidade de minimizar os impactos à saúde mental dos mesmos e contribuir com o autocuidado, autonomia e cuidado coletivo dos trabalhadores da saúde durante a pandemia, ainda existente.  Para além da pandemia, faz-se necessário efetivar os princípios e diretrizes da Politica Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Espera-se a sensibilização e compromisso responsável das equipes e da gestão para a continuidade das rodas e consolidação de mais praticas de promoção à saúde na APS, expandindo-se à comunidade. Entre medos silenciados e abraços não dados, a Terapia Comunitária esquenta o ambiente com música e história, é saúde e alegria. Construímos redes solidarias para passar por tempos de pandemia.