Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Fortalecimento e novos serviços para a saúde: rastros da Google durante a pandemia
Liara Saldanha Brites, Priscila Tadei Nakata, Rosane Machado Rollo, Roberta de Pinho Silveira, Cristianne Maria Famer Rocha, José Gabriel Leão, Norma Barros, Liliane Spencer

Última alteração: 2022-01-21

Resumo


Uma das mudanças provocadas pelo isolamento social durante a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) é a aceleração do uso das tecnologias e mediações de atividades por plataformas. Uma das empresas de maior participação nessa reconfiguração da realidade é a Google. Este trabalho integra um projeto de Tese de Doutorado sobre o uso do Google Search na Educação em Saúde e surgiu a partir de questionamentos sobre se a saúde está se tornando um produto rentável para as gigantes empresas de tecnologia (chamadas também de Big Tech) neste período e se já há rastros que sugiram como será o cenário pós pandemia. A partir de publicações no Blog oficial do Google (utilizado para noticiar sobre o desenvolvimento e atualização de seus produtos, bem como contar histórias sobre o que acontece na empresa e suas perspectivas), buscamos analisar aqui se as intermediações tecnológicas foram acentuadas pelo distanciamento social no que tange à saúde e quais movimentos a empresa Google relatou estar fazendo no período de pandemia por COVID-19.  Filtramos as postagens utilizando a palavra-chave “COVID-19” em publicações realizadas entre 01 de março (mês do começo da pandemia no Brasil) e junho de 2021 (período de encerramento da coleta de dados para este artigo). Foram todas relidas e selecionadas a partir destes dois critérios: comunica sobre iniciativas da Google na saúde? Apresenta conteúdo relacionado à área da saúde? Cumpriram um ou dois critérios as 27 postagens apresentadas. Da leitura delas, emergiram três temas para discussão: I) A empresa está fortalecendo vínculos com organizações internacionais durante a pandemia. Enquanto usávamos serviços da Google, a taxa de negociações da Alphabet (o conglomerado de empresas que inclui também Waze, Youtube, Maps,  Android e outros) foi a mais alta desde 2015. A Google justifica o potencial de crescimento com a pandemia pelo aumento de buscas de informações e o maior uso da tecnologia pelos médicos para conversar em tempo real sobre o que estão vendo, o que não era possível em surtos anteriores. Refere que COVID-19 é o tópico mais buscado mundialmente, superando receitas culinárias e previsões meteorológicas. Há citações sobre a colaboração com autoridades de saúde pública, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), governos, Organização das Nações Unidas (ONU) e Banco Mundial. A parceria da Google com a OMS potencializou uma relação entre duas influenciadoras globais na atualidade: aquela que exerce um poder científico, capaz de apresentar as verdades sobre como devemos nos portar neste momento (como manter distanciamento social, higienizar as mãos e usar máscaras) com aquela que exerce um poder tecnológico e virtual, capaz de produzir e ofertar recursos digitais que nos ajudem a continuar vivos e conectados, (re)produzindo algumas das verdades deste tempo. II) Mudanças para telemedicina. A Google também percebeu uma oportunidade de criar, melhorar e vender suas tecnologias. Não só para prestar informações sobre a doença e como se manter saudável, mas para explorar seu potencial em monitorar pessoas e ofertar serviços. A telemedicina, com foco no atendimento, aparece no discurso da Google como um dos investimentos neste período. O Search, o Maps e o My Business sofreram modificações para dar conta deste aumento da demanda. Nos EUA, se o paciente pesquisar por “atendimento imediato”, são apresentadas opções de atendimento virtual disponíveis e informações relacionadas ao atendimento, como o preço de uma consulta particular e um atalho para se conectar à plataforma de atendimento virtual escolhida pelo profissional de saúde (uma delas, pode ser o Google Meet). Com uso de ferramentas como o sistema de algoritmos, a busca de um paciente por profissional pode gerar resultados distintos, como uma venda personalizada de produtos (ou consultas, por exemplo), sem que ambos tenham conhecimento ou compreensão disto. Assim, as verdades construídas pelos sistemas algorítmos poderão provocar novas relações entre paciente-plataforma-profissional, além de distintas disputas de mercado no campo da saúde. III) Mobilidade comunitária e rastreamento de contatos. A pandemia também gerou três novidades da Google que utilizam dados de georreferenciamento e localização de pessoas, por meio das tecnologias de Global Positioning System (GPS) e Bluetooth: os Relatórios de Mobilidade da Comunidade (disponíveis em site criado para demonstrar as tendências no deslocamento das pessoas ao longo do tempo, por região geográfica, nas últimas 48 a 72 horas); o Conjunto de Dados sobre os sintomas mais buscados no Search nos últimos três anos, pelos americanos (no Blog a empresa sinaliza a intenção de ampliar a ferramenta a outros países e idiomas); e a Plataforma de Rastreamento de Contatos (criada com a Apple e disponibilizada aos brasileiros por parceria com o Ministério da Saúde, identifica e notifica quem teve contato com pessoas com diagnóstico de COVID-19). A Google relata não compartilhar informação de identificação pessoal. Porém, provoca inquietação tanto a apropriação de dados por empresas quanto a possível expansão de uma governança digital por parte do Estado, que pode acabar direcionando informações para alterar comportamentos sociais.  Também podemos considerar como uma estratégia de Governabilidade Algorítmica restrita à Google (e que ela não pretende compartilhar com ninguém, por enquanto ou, pelo menos, gratuitamente), uma vez que somente a empresa tem acesso aos dados detalhados. Observa-se que a Big Tech está se fortalecendo durante a pandemia, respondendo ao aumento da demanda na área da saúde, com a melhoria de seus produtos e testando novos, ocupando espaços e construindo relações de dependência e sujeição com seus usuários. Não há certezas do que ocorrerá após a pandemia, porém, não é equivocado apostar que a Google seguirá crescendo e com intenções de investimentos na saúde que poderão provocar mudanças na cultura sanitária de diferentes pessoas, culturas e países. Embora ainda não tenham aparecido diretamente nos textos do Blog, importantes desdobramentos poderão ocorrer devido ao interesse da Google com teleconsultas, publicidade em saúde e diagnósticos clínicos. Os anúncios feitos no Blog indicam tendências ou possibilidades, mas são necessários novos estudos para monitorar e ampliar as análises e discussões, o mais breve possível, sobre privacidade de dados e segurança digital na área da saúde (em especial, na relação profissional-paciente) e sobre a plataformização dos diagnósticos e dos profissionais de saúde (também conhecida como uberização).