Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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“A polícia diz que eu já causei muito distúrbio, o repórter quer saber por que eu me drogo, o que é que eu uso”: a educação sobre drogas como instrumento de qualificação das políticas públicas.
DANIEL SCHNEIDER MARTINS

Última alteração: 2022-01-21

Resumo


Apresentação: O presente trabalho tem como tema o papel desempenhado pelo Estado na Educação Permanente em Saúde sobre drogas no Rio Grande do Sul. Neste estudo, examina-se a atuação do Departamento Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas do Rio Grande do Sul (DEPPAD) no ano de 2019, tendo como foco o trabalho dos servidores desse departamento na execução do previsto na legislação nacional sobre a educação permanente sobre drogas, com recorte específico para o Seminário Estadual Sobre Drogas desenvolvido por esse departamento em 2019. O objetivo específico é verificar os principais determinantes envolvidos na implementação da Política Nacional sobre Drogas (PNAD) ao longo do Seminário, verificando como se dá efetivação de uma política que apresenta a importância de valorização de direitos humanos mesmo contendo viés proibicionista: a versão atual (de 2019) tem como objetivo elementar garantir a redução do uso de drogas por meio do combate ao seu consumo.  O estudo é feito em consonância com a revisão bibliográfica sobre o tema, analisando a importância da Educação Permanente em Saúde sobre drogas para a construção de uma política sobre drogas eficiente e resolutiva, cientificamente embasada, que não se limite à repressão ao uso de drogas.

Métodos de Estudo: Para operacionalizar este estudo, foram realizados levantamentos bibliográficos, pesquisas documentais, observação participante e análise de implementação de política pública por meio da perspectiva top-down: considerando a implementação de uma política como consequência, a explicação para sua trajetória está no seu processo de formulação, na lei escrita. Com isso, o foco se estabelece no processo de formulação, relativizando a influência da ação dos implementadores. No campo documental, ressalta-se a análise das legislações vigentes (incluindo a atual política nacional sobre drogas) e dos manuais do governo federal sobre o tema, tendo em vista que os documentos, lidos como a sedimentação das práticas sociais, têm o potencial de informar e estruturar as decisões que as pessoas tomam diariamente e a longo prazo; eles também constituem leituras particulares dos eventos sociais. Optou-se pelo método de observação participante tendo em vista a preocupação de se pressupor que o conhecimento do mundo social não vem das nossas proposições de lógica sobre as quais o teórico desce ao mundo para testar, mas, sim, da análise das experiências e de realização de investigações detalhadas através das quais geramos nosso entendimento. Nesse sentido, ela foi realizada junto ao departamento responsável pela implementação da política, possibilitando, também, a coleta dados qualitativos e quantitativos referentes à atuação dos servidores estaduais no seminário em questão. Ao fim, buscou-se comparar a visão apresentada na revisão bibliográfica e na legislação em vigor sobre o tema com a linha de atuação escolhida pelos servidores estaduais. Desse modo, identificaram-se as situações de concordância e de divergência entre decisões governamentais e o que se executa pelos servidores estaduais, e depreenderam-se as razões subjacentes à implementação efetivada, identificando as normas que estruturam a política pública e suas lacunas e, também, mecanismos capazes de assegurar institucionalmente aos servidores envolvidos com a implementação da educação sobre drogas no estado do Rio Grande do Sul maior eficácia em suas ações.

Resultado: Como principal resultado desta pesquisa, constata-se a atual Política Nacional Sobre Drogas como sendo teoricamente incoerente, em desconformidade com a bibliografia sobre o tema e com os manuais do Ministério da Saúde, impossibilitando uma implementação eficiente. Dessa forma, aponta-se a necessidade de fortalecimento da cientificidade e da intersetorialidade das práticas estatais sobre drogas, aproximando-se dos demais atores que já trabalham com o tema, em especial a Universidade Pública. Tal aproximação é capaz de garantir maior resolução das incoerências existentes, construindo uma lógica de trabalho mais próxima de modelos resolutivos de educação sobre drogas, como o modelo de Redução de Danos, afastando-se dos conceitos ligados à “guerra às drogas”. Com maior cientificidade e coerência na formulação da política pública, diminui-se o espaço para interpretações conflitivas que resultam em modos discricionários de implementação pela ausência de um plano claro e factível de ação.

Este estudo destacou diversas dificuldades de implementação da PNAD para consecução de seus objetivos. As dificuldades de implementação encontradas pela gestão responsável foram muitas, desde recursos financeiros, capital humano e orientação técnica e pedagógica mais especializada. Nesse sentido, apesar da existência de boa vontade, empenho e dedicação do DEPPAD, ficaram claras as lacunas existentes para uma prática estatal coerente e cientificamente embasada. Formuladores de políticas sobre drogas precisam entender essas lacunas e serem capazes de prever dispositivos para que o agente implementador não se veja desamparado frente a um problema tão complexo e interdisciplinar, impossível de ser resolvido unilateralmente, como é o problema das drogas. Servidores públicos dedicados e fontes de conhecimento científico atualizado existem no Brasil, seja na universidade pública ou fora dela. Basta, então, saber fazer esses atores trabalharem de maneira sinérgica, multiplicando potencialidades. Dessa forma, o fortalecimento das práticas de educação sobre drogas perpassa pelo fortalecimento da capacidade estatal em intersetorialidade e embasamento científico das práticas, revisando qual a postura mais eficiente para encarar os problemas relacionados ao uso de drogas: proibição e repressão ou acolhimento e resolução.

Considerações Finais: É preciso entender que a Políticas de Drogas se inserem num contexto de soberania histórica da lógica de “guerra às drogas”, completamente ineficiente, desumana e racista. Nesse sentido, existe uma necessidade imediata de reverter esses processos, e as políticas sobre drogas devem prever ferramentas capazes de potencializar as práticas dos agentes implementadores para essa reversão. Caso contrário, seguem-se fazendo cumprir preceitos moralizantes conforme uma lógica individualizante que, em geral, vem da cultura vigente de demonização das substâncias e da repressão ao uso, e, consequentemente, repressão ao usuário.

Atualmente, a prática política não é capaz de romper com uma lógica que reforça uma cultura repressora do uso, responsável pela ineficácia no atendimento aos usuários de drogas. Porém, mais do que identificar as ferramentas necessárias para a adequada implementação dos princípios previstos, é preciso produzir documentos mais claros e fomentar a formação em saúde de forma mais eficiente, possibilitando construir uma política sobre drogas que funcione como base de ação inteligente e efetiva.