Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Qualificação Da Formação Docente Em Saúde Sobre Drogas Como Instrumento De Huminazação Da Educação Básica No Brasil.
DANIEL SCHNEIDER MARTINS

Última alteração: 2022-01-30

Resumo


Apresentação: Este estudo tem como tema a formação docente em saúde (mais especificamente sobre drogas) dos profissionais docentes da educação básica no Brasil. O trabalho analisa, de forma geral, a transição contemporânea que precisa ocorrer no debate sobre o tema: de um modelo em saúde mais conservador, proibicionista e excludente, os profissionais da educação passam a trabalhar sobre uma lógica mais democrática, inclusiva, baseada no diálogo. Como objetivo geral, este trabalho busca verificar as condicionantes históricas e sociais nas quais esses modelos atuam, entendendo o suporte político que os sustenta. Já o objetivo específico é verificar os principais determinantes envolvidos nessa transição, buscando identificar as atitudes tomadas pelos profissionais docentes, além de compreender e contextualizar essas práticas, buscando maior eficiência no processo de educação em saúde na educação básica no Brasil.

 

Método do Estudo: Para operacionalizar este estudo, foram realizados levantamentos bibliográficos e pesquisas documentais. No campo documental, ressalta-se a análise dos manuais do governo federal sobre o tema. Assim foi possível comparar a realidade da formação docente sobre drogas exposta em pesquisas empíricas com o previsto na bibliografia sobre o tema, identificando situações de concordância e de divergência entre a teoria e o executado pelos profissionais docentes na prática, ressaltando as novas possibilidades de educação permanente aos docentes conforme o contexto político social.

 

Resultados: Destacam-se, neste trabalho, dois estudos que demonstram que a realidade empírica sobre drogas ainda está alinhada com o discurso proibicionista apontado na introdução deste resumo. O primeiro estudo é o de Boarini (2018), intitulado Drogas na Adolescência: desafios à saúde e à educação em que a autora realizou uma pesquisa de campo selecionando, de maneira aleatória, dez profissionais da secretaria de saúde do município da área de saúde mental e outros dez professores da rede pública. Os resultados desse primeiro estudo apontam que os profissionais continuam tendo forte tendência a focar suas práticas no consumo de drogas e não nos fatores que podem levar ao uso abusivo. Sendo assim, seguem acreditando em mitos a respeito do uso de drogas, os quais expõem, como pano de fundo, a utilização do moralismo e do medo para explicar a ocorrência desse fenômeno.

A autora pontua a necessidade de fornecimento para esses profissionais de instrumentos para desconstruírem esses mitos centenários e mistificadores das mazelas sociais, alcançando a raiz da questão e favorecendo explicações mais efetivas sobre as drogas de qualquer natureza e sobre a resolubilidade dos encaminhamentos adotados. Para a autora, o uso desses mitos construídos culturalmente se dá pelo fato desses profissionais se verem sem dispositivos eficientes em saúde para enfrentamento dos problemas concretos do dia a dia. O profissional recorre ao discurso falacioso culturalmente construído e recorrentemente reproduzido na mídia devido a um despreparo na formação, a qual acaba acontecendo somente com a prática e com a experiência, sem conhecer maiores ferramentas para resolver o problema.

A autora aponta a necessidade de se fomentar uma formação afinada, especialmente, com valores democráticos. É preciso ir além das capacitações técnicas superficiais, esporádicas, que seguem atuando à margem das necessidades concretas da sociedade, formando profissionais sem consciência política da imensa responsabilidade das práticas, que acabam negando, sem intenção, direitos fundamentais das pessoas. O ápice da precariedade da formação é constatado quando se percebe que os profissionais desconhecem, quase que totalmente, os recursos da saúde já existentes em seu município.

O segundo estudo é o de Adade e Monteiro (2014), intitulado Educação sobre drogas: uma proposta orientada pela redução de danos. Por meio de entrevistas, investigaram-se as visões sobre drogas de estudantes do ensino fundamental e médio. Os resultados indicaram que, além de demonizarem as drogas, os jovens não entendem as singularidades dos elementos envolvidos no consumo, não tendo um olhar crítico da realidade concreta. Segundo os jovens entrevistados, o uso de drogas é sempre uma experiência abusiva e maléfica, sendo o usuário o único responsável por essa interação. Tal visão individualizada e descontextualizada do fenômeno converge com a mentalidade conservadora sobre o tema, pautada no discurso de guerra às drogas historicamente difundido no Brasil por meio de políticas públicas ineficientes e uma visão midiática estigmatizadora. Ao se contemplar somente a dimensão individual, os aspectos contextuais são omitidos pelo realce dado aos prejuízos da interação.

A dificuldade de se tratar o tema é um fenômeno social, pois resulta do discurso proibicionista que oculta os diversos fatores que constroem a complexa interação sujeito-droga, associando as drogas à doença, infelicidade, criminalidade, fraqueza e loucura, alimentando uma lógica reducionista que encerra o sujeito em sua condição de usuário.

 

Considerações Finais: O fracasso das políticas centradas no modelo de condenação do uso de drogas demonstra o quanto esse viés tem se mostrado pouco eficaz, tendo em vista que o consumo e a violência só agravam-se com os danos provocados pela própria repressão. Importante destacar que se tem uma tarefa difícil pela frente quando se busca reverter um discurso enraizado na sociedade brasileira. Para superar tal impasse, destaca-se a necessidade da educação permanente dos profissionais docentes, tendo por base uma visão ampliada desse fenômeno.

Existe uma falta de programas continuados de educação ofertados aos profissionais docentes, pois os programas que existem acabam se dando de maneira esporádica, com predomínio da concepção de responsabilização individual, ênfase na repressão do consumo de determinadas drogas e manutenção de visões empobrecidas que desconsideram fatores comumente experimentados pelos sujeitos. Sendo assim, há um descompasso entre as diretrizes científicas e o despreparo (teórico e afetivo) do docente para assumir essa tarefa. Ou seja, esses professores são expostos a pessoas com diversas necessidades relacionadas ao uso de drogas, mas não são fornecidos subsídios para uma resposta cientificamente embasada.

Além disso, é fundamental destacar que não cabe somente ao profissional docente o encaminhamento de uma questão tão complexa. Dessa forma, aponta-se a necessidade de fortalecimento da cientificidade pela aproximação com os demais atores que já trabalham com o tema, em especial a Universidade Pública e atores da saúde pública. Tal aproximação é capaz de garantir maior resolução das incoerências existentes, construindo uma lógica de trabalho mais próxima de modelos resolutivos de educação sobre drogas.  Com maior cientificidade e coerência na formação docente, diminui-se o espaço para interpretações conflitivas que resultam em modos discricionários de implementação pela ausência de um plano claro e factível de ação.

Assim, toma-se como estratégia o trabalho em rede para promover a construção do caminho necessário para permitir criar múltiplas respostas, preparando o profissional docente para lidar com a complexidade da realidade dos indivíduos que têm problemas decorrentes do uso de drogas, por promover práticas que não se baseiem em uma saída única, padronizada e isolada.

É preciso ter cuidado, pois quando a formação docente não indica rumos, o “rumo” é ficar parado na mesma situação: defender a redução da oferta e demonizar a droga. Discursos que até podem fazer algum sentido na teoria e na moral do profissional docente, mas são discursos que não conseguem impactar de fato a vida dos estudantes, sendo, no fim, “mais do mesmo” para quem escuta, mantendo o status quo existente. Quando a assistência é ineficaz, sobram demandas para o já sobrecarregado docente, que acaba reconceituando indivíduos com problemas como indivíduos que causam problemas.