Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Inspirações no Teatro-fórum: problematizações e potências para a discussão de gênero com mulheres indígenas
Mayana de Azevedo Dantas, Ana Paula Dias de Sá, Silviane Cristina Moraes dos Santos de Lima, Nayana Silva de Lima, Eveline Duarte Rocha, Vera Lúcia de Azevedo Dantas, Virgínia da Silva Corrêa, Maria Rocineide Ferreira da Silva

Última alteração: 2022-01-27

Resumo


O “Curso Livre de Aperfeiçoamento em Promoção e Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho com Ênfase na Saúde Integral das Mulheres” está sendo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz de Brasília em parceria com algumas deputadas que compõem a Secretaria de Mulheres da Câmara de Deputados. O curso está sendo realizado em 06 estados. No Ceará, são 06 turmas, distribuídas entre os municípios de Caucaia, Russas, Tauá, Itapipoca e Fortaleza. Dividido em 03 ciclos, aborda temas como Direitos Humanos, Economia, Geração de Renda, Autogestão e Promoção e Vigilância à Saúde da Mulher. Seu objetivo é potencializar a formação de multiplicadoras em Promoção e Vigilância à Saúde com vistas à vulnerabilidade que configura o ser mulher no mundo. A facilitação do curso se dá por momentos presenciais e em momentos virtuais, com aulas exibidas pelo YouTube. Este trabalho delimita uma experiência presencial com a turma da Reserva Indígena Taba dos Anacés em Caucaia. Esta reserva foi a primeira do Ceará, fruto de uma política compensatória devido à instalação do Complexo Portuário e Industrial do Pecém em suas terras. Esta turma possui 13 educandas, que, em sua maioria, tem forte vínculo familiar e afetivo, além de caráter intergeracional. O objetivo deste trabalho é relatar a experiência de um encontro presencial do curso, no qual foi realizada uma vivência inspirada no Teatro-Fórum. Buscaremos identificar as problematizações surgidas e as potências desta dinâmica para o debate das questões de gênero com mulheres indígenas. A vivência foi realizada para debater o tema da Promoção e Vigilância à Saúde da Mulher. Era o nosso quarto encontro. Fizemos uma acolhida para trazermos a corporalidade do teatro, dialogando com a questão do cuidado à mulher, através da técnica “lavadeira”. Em duplas, onde uma assumia o papel de lavadeira e a outra, de roupa, as lavadeiras cumpriram sua função com as respectivas roupas, seguindo todas as etapas que é preciso para tal, esfregando-as, enxaguando-as (etapa incluída pelas próprias educandas), torcendo-as e estendendo-as. Durante o trabalho, cantamos: “Lava, lavadeira, a roupinha de passear... uma pedrinha de sabão assim, um bocado de roupa assim, uma lagoa desse tamanho e um tantinho de água assim...”. Refletindo sobre a acolhida, uma das educandas que havia sido a roupa relatou como se sentiu bem cuidada e outra que foi uma lavadeira mencionou dificuldades, já que uma roupa não seria tão pesada quanto uma pessoa. Posteriormente, dividimo-nos em 02 grupos para realizarmos a leitura dos textos acerca dos temas “Mulheres, Agroecologia e Saúde” (Grupo 1) e “Vigilância em Saúde e Saúde da Mulher (Grupo 2). Após a leitura, o Grupo 1 discutiu o que o respectivo texto trazia de reflexão sobre suas realidades, enquanto o Grupo 2 atentou-se a quais das questões ali apontadas seria a mais relevante. Em seguida, os grupos foram orientados a produzirem uma cena que representasse tais discussões. Definiram, entre suas integrantes, quem assumiria o papel da Coringa, que tem a função, no Teatro-Fórum, de fazer com que o público reflita sobre a situação de opressão vivenciada, congelando a cena no seu momento ápice, quando ela ainda não está solucionada. Assim, a Coringa convida a plateia (que, no momento, seria formada pelo outro grupo participante) para ocupar o lugar da personagem oprimida, apresentando, em ato, maneiras de solucionar as opressões em questão. O Grupo 1 representou a cena de uma mulher que se organizava em um coletivo feminino para vender produtos caseiros em uma feira agroecológica. No entanto, enquanto estava cuidando da horta, entra o seu marido, dizendo que essa não era sua função, que ela deveria ir, imediatamente, cuidar do almoço dele. A primeira intervenção proposta para essa cena foi de uma educanda que integra a geração mais antiga da turma. Ela se colocou para o marido de forma conciliadora: “Olha, meu benzinho, se acalme! Eu vou, sim, fazer o seu almoço. Eu estou na minha hortinha. Vou pegar uma ervinha pra colocar na sua comida”. Porém, ao ser questionada pela coringa se aquela estratégia solucionava a situação, uma das educandas da plateia entrou em cena de forma mais radical, dizendo que estava, agora, contribuindo com a economia da casa, por estar tendo esse trabalho na feira. Continuou afirmando que, se ele quisesse que as coisas da casa estivessem adequadas, ele teria que contribuir junto com ela nas tarefas domésticas, porque os dois estavam, ali, de forma equânime, contribuindo para a economia do lar. A educanda recebeu aplausos da plateia. Contudo, outra educanda, refletiu que não podemos dizer quais das atitudes é a mais correta, pois os contextos dos casais são diversos e que, além disso, não devemos colocar as mulheres contra seus maridos. O Grupo 2 apresentou uma cena que falava sobre a obesidade e a alimentação. Uma amiga convidava a outra para sair, a fim de relaxar. Propõe irem a uma pizzaria, onde pudessem comer algo que lhes dessem prazer e conversar. A amiga responde que gostaria muito, mas estava se sentindo mal por estar acima do peso. Logo, entra uma terceira amiga que reforça a situação da obesidade da segunda, deixando-a ainda mais para baixo. A primeira intervenção, nesta segunda cena, foi de uma educanda da geração mais jovem. Ela responde à terceira amiga: “Você também não está ‘essas coisas toda!’” e, em seguida, propõe um grupo para se organizarem. A educadora questionou se a educanda não teria incorporado a opressão da terceira amiga, por ter, inicialmente, adotado um tom agressivo. A segunda educanda a intervir, nesta cena do Grupo 2, colocou-se de forma mais humilde, abrindo seus sentimentos e expressando sua necessidade de conversar, pois estava triste e sozinha. Interessante notar como as educandas advindas de gerações mais antigas propuseram estratégias de atuação mais cautelosas, enquanto as mais jovens agiram de forma mais incisiva. A avaliação do encontro se deu com as expressões “Que bom!”, “Que pena!” e “Que tal?”. As educandas agradeceram por estarem no encontro, terem se desinibido, termos realizado a dinâmica e essa interação, além da presença da arte e da criatividade. Os pontos negativos, trazidos foram, para a grande maioria, a ausência de outras mulheres da aldeia, tanto no momento quanto no curso. Lembraram, ainda, que o término do encontro significaria voltar para suas responsabilidades rotineiras, como estudar para as provas da faculdade. Ao final, propuseram fazermos mais teatro, incluirmos os familiares no momento final do curso e até fazermos um encontro na beira do rio. Assim, concluímos que as técnicas inspiradas no Teatro-Fórum se mostraram potência para discussão das questões de gênero com as mulheres indígenas. Por meio dessa dinâmica, refletimos sobre a alimentação, com foco na obesidade, questionando-nos não só sobre a saúde física, mas sobre a opressão que as pessoas que estão acima do peso vivenciam, como se a saúde, atrelada ao seu reflexo na aparência, fosse percebida como uma obrigação e não como um direito. Pontuamos, ainda, as dificuldades que o machismo traz para a autogestão da mulher, dificultando o reconhecimento da contribuição econômica de seu trabalho tanto internamente quanto fora de casa. Além disso, conseguimos apontar caminhos de diálogo entre arte e ciência, não apenas na construção de conhecimento, mas de estratégias de superação para as situações de opressão vividas no contexto do capitalismo e da violência de gênero, exercitando a criatividade e o protagonismo.