Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Buscando melhorar o acesso de uma unidade básica de saúde – um relato de experiência de um preceptor de MFC
Marcelo Geik Siquara

Última alteração: 2022-01-18

Resumo


Apresentação:

O acesso, ou primeiro contato, ainda é considerado um dos principais atributos da Atenção Primária à Saúde (APS) que possui entraves em muitas unidades básicas de saúde (UBSs) do país para seu desenvolvimento. A oferta de um serviço de qualidade e que o promova o acesso ideal a sua comunidade é um desafio, entretanto, uma UBS que não o promova está realizando um serviço inadequado. 

Esse desafio justifica que o acesso seja o atributo mais incompreendido para muitos profissionais que busquem melhorá-lo. Dessa forma, o presente resumo trata-se de um relato da experiência de um preceptor de Programa de Residência Médica de Medicina de Família e Comunidade (MFC) ao longo de sua atuação em uma UBS de Cariacica (ES), onde o programa desenvolve suas atividades, na tentativa de contribuir para o aperfeiçoamento da oferta deste atributo em sua unidade.

Desenvolvimento do trabalho:

A UBS em que o programa está inserido vem passando por inúmeras modificações ao longo dos últimos três anos. Essas transformações foram gradualmente ocorrendo e proporcionando experiências através de erros e acertos em mudanças que eram promovidas e outras vezes desfeitas. Inicialmente, a agendas de consultas médicas eram abertas mensalmente, tendo-se esgotado as vagas, havia um hiato de quase três semanas para próxima oferta de vagas do mês seguinte. Não era incomum ter fila para marcação na madrugada, antes do horário de abertura da unidade. A taxa de faltas beirava 15% da produção mensal, visto que muitos resolviam sua demanda em outros serviços ou esqueciam da consulta. A oferta também era limitada devido poucos profissionais na unidade e falta de compartilhamento do cuidado. Houve a ideia de modificar as aberturas para duas vezes na semana. Isso trouxe, inicialmente, um certo incômodo à população, por ter visto uma oferta falsamente reduzida, visto que antes a oferta era a agenda de um mês inteiro. Só com essa medida, mantendo-se o quantitativo habitual de vagas disponibilizadas, a taxa de faltas reduziu para 4% ao mês, garantindo um aumento bem expressivo no número de atendimentos.

A construção de um diagnóstico situacional foi realizada, visto ser de suma importância o conhecimento do território, pode-se identificar o que influenciava algumas pessoas a serem mais frequentadoras do que outras, que residiam mais distantes da UBS. Além disso, pode-se avaliar algumas características da população assistida, como a taxa de frequentação, a vulnerabilidade, o quantitativo de algumas subpopulações como gestantes, idosos, crianças que costumavam ser os que mais frequentavam a UBS. Essa tarefa foi prejudicada devido falta de uma clara territorialização no município e devido ao número reduzido de profissionais, sendo que a unidade possuía apenas uma equipe e era marcante o déficit destes em diversas categorias na unidade. Mesmo assim, o trabalho em equipe era presente, tendo muitas vezes os profissionais não medido esforços para desempenhar diversas funções, a fim de atender a demanda.

Ainda se observava um número de vagas ofertadas muito aquém diante da necessidade. Continuavam as filas sendo formadas na madrugada, ficando os usuários expostos às condições climáticas e à violência. Também haviam relatos de pessoas recebendo para ir garantir uma vaga na fila para outras. Assim, levantou-se a ideia de iniciar marcação de consultas à tarde, para maior comodidade do usuário, que aguardaria dentro da unidade o momento da marcação. Essa medida foi polêmica para os usuários. Alguns elogiaram, outros não. Não demorou muito para que fosse retornada a marcação para manhã devido aglomeração e confusões constantes dentro da UBS. Com o passar do tempo e a sensibilização de gestores, esforços foram feitos para a organização de novas equipes, com chegada de mais profissionais, permitindo uma melhoria nesse desequilíbrio entre demandas e número de profissionais.

Outro fator limitante do acesso era a forma que eram organizadas as agendas, persistindo a organização por programas, com turnos para pré-natal, puericulturas, hiperdia, sobrando poucas vagas de atendimento de demandas espontâneas ou de quem não se encaixava em algum programa – não sendo incomum o médico residente não ter como absorver a necessidade de atendimentos e ter que encaminhar para outros serviços. Isso foi melhorado com a dissolução dessas agendas engessadas e a concretização dos atendimentos de demandas urgentes que surgissem. Planejando-se a reestruturação das agendas, com vagas para consultas agendadas em menor quantidade do que para as demandas espontâneas, conseguiu-se ter uma resposta mais breve às necessidades da comunidade. Entretanto, para isso, foi fundamental a implantação de algo que ainda não estava organizado na UBS: o acolhimento com escuta qualificada. Essa talvez foi a mudança de maior impacto e também a mais trabalhosa a ser feita, mas com resposta muito rápida na qualidade do atendimento, obtendo-se respostas positivas de grande maioria dos atendidos, elogiando terem suas demandas atendidas com mais fluidez e sentindo-se mais acolhidos pela unidade.

Para isso foi necessário repensar horários e locais de atendimentos dos profissionais, reorganizar escalas e fluxos de pacientes na unidade. Foi preciso capacitar os profissionais para que todos compreendessem as medidas e reorganização dos fluxos, bem como organizar a informação à comunidade que haveria uma nova modalidade de atendimento, sendo utilizado o apoio de líderes comunitários na propagação das informações após reunião explicativa.

Os agendamentos deixaram de existir em apenas um momento específico para ocorrerem durante todo horário de funcionamento da unidade, que também tornou-se estendido, entretanto, sem agendamentos de longa data que demonstraram ser proporcionadores do elevado absenteísmo. Algumas raras exceções ainda ocorrem como para gestantes em pré-natal ou pacientes pontuais que necessitem de um agendamento prévio. A agenda deixou de ser engessada para continuar sendo construída de forma a ser adaptada ao momento. A principal adaptação encontrada foi o momento epidemiológico que o país enfrenta, necessitando deslocar-se mais profissionais para pacientes com síndrome gripal, testagem e vacinação.

Resultados e/ou impactos:

A participação de profissionais interessados, com o desenvolvimento de habilidades da equipe para implantar os planos, avaliar os resultados e propor mudanças quando necessárias, bem como, a capacidade de se adaptar diante de necessidades da comunidade foram importantes para a melhoria do acesso da unidade. Ao longo desses dois anos muito se aprendeu com os avanços e retrocessos. Atualmente, observa-se melhoria significativa no quantitativo de oferta de vagas, na promoção do compartilhamento do cuidado multiprofissional, no grau de satisfação do usuário e no tempo de resposta das equipes as demandas que surgem, mas ainda há muitos desafios, como finalizar a territorialização, construir um novo diagnóstico situacional, buscar encurtar distâncias para os mais distantes e aprimorar a capacitação de novos profissionais que chegam a unidade.

Considerações finais:

Ao contrário do que muitos pensam, promover acesso vai além de aumentar número de vagas. Várias medidas podem promover e qualificar a sua oferta, algumas delas observadas nessa experiência, como a busca por conhecer o território, o aumento do número de profissionais, a busca pela redução de absenteísmo, a criação de agendas não-programáticas, o reforço das demandas espontâneas, o aprimoramento do trabalho em equipe (com a criação de fluxos na unidade que promovam o compartilhamento do cuidado) e, finalmente, a implantação do acolhimento com escuta qualificada. Para que tais medidas ocorram, é fundamental o apoio e engajamento dos profissionais envolvidos, bem como dos seus gestores locais.