Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Participação social por meio de redes sociais locais: repensando estratégias de mobilização social para o enfrentamento de arboviroses em Betim/MG
Paloma Coelho, Júlia Vargas Batista, Zélia Profeta

Última alteração: 2022-01-19

Resumo


Este trabalho discute os resultados parciais de uma pesquisa realizada em Betim/MG, que objetiva analisar redes sociais de moradores de uma comunidade a fim de compreender como elas podem ser utilizadas nas estratégias de mobilização social para o enfrentamento da dengue, zika e chikungunya no território. A pesquisa integra a “Proposta de vigilância em saúde, de base territorial, visando ao fortalecimento da mobilização social para o enfrentamento de dengue, zika, chikungunya e controle do Aedes aegypti em Minas Gerais”, desenvolvida, desde 2016, por pesquisadoras(es) da Fiocruz Minas. O projeto consiste na formação de comitês populares para definir e implementar estratégias participativas para o reconhecimento, análise e discussão sobre o território, visando à elaboração de um diagnóstico da situação de saúde e das condições de vida que contribua para o planejamento de propostas de mobilização social para o controle do Aedes aegypti e para a criação de ambientes favoráveis à saúde. Os comitês possuem um(a) coordenador(a), escolhido pelos integrantes, e toda a atividade é realizada via plataforma online, criada para o desenvolvimento da proposta. Nela, os participantes encontram informações sobre as três doenças e orientações sobre as atividades a serem realizadas, intermediadas por tutores e pela equipe da Fiocruz Minas. O trabalho dos comitês consiste em realizar um diagnóstico do território, elaborar um planejamento de ações e acompanhar a sua implementação.

A primeira fase do projeto evidenciou alguns desafios para a participação e para o envolvimento das comunidades locais. Sediados em escolas da rede pública, os comitês foram, em sua maioria, formados por alunos, professores e demais funcionários. Consequentemente, a participação ficou restrita ao ambiente e ao calendário escolar, gerando limitações tanto ao alcance, quanto à sustentabilidade do projeto. Desse modo, com o intuito de estimular o protagonismo das comunidades para além dos muros das escolas, propôs-se repensar as estratégias de mobilização social para ampliar o alcance do projeto por meio da inclusão de outros grupos e esferas sociais existentes nos territórios.

Durante a segunda etapa do projeto, desenvolvida em Betim/MG, iniciou-se a análise de redes sociais de uma comunidade, que abrange três bairros do município (Alterosas II/Segunda Seção, Cruzeiro do Sul e Duque de Caxias), a fim de identificar as esferas sociais mais atuantes e com maior concentração de capital social que possam contribuir para o aumento da abrangência do trabalho dos comitês populares. As redes sociais locais são fundamentais por serem geradoras de círculos de reciprocidade e confiança entre os moradores de um território. Compreender as suas características, dinâmicas e usos no cotidiano permitirá utilizá-las na mobilização social como canais de difusão de informações, de conhecimento e de outros recursos que as potencializem para construir formas de participação em que a população, como protagonista, possa vocalizar suas necessidades, propor soluções e refletir sobre suas práticas de saúde.

Utilizou-se o método da trajetória de vida para analisar as características e os principais recursos que circulam nas redes, bem como as esferas sociais que concentram esses recursos, os eventos e os condicionantes sociais da formação, manutenção e ruptura das redes, além da qualidade e intensidade dos vínculos, as características do capital social e a sua variação ao longo da trajetória dos indivíduos. Foram realizadas 30 entrevistas, utilizando a técnica “bola de neve” para seleção dos entrevistados. O número de entrevistas foi determinado pelo critério de saturação, quando se chegou a um ponto de repetição das informações que já não alterava a compreensão do fenômeno estudado.

As redes sociais dos entrevistados se mostraram bastante localistas (com a maior parte dos vínculos concentrados na região de moradia), muito voltadas para a sociabilidade primária (família e vizinhança) e com baixa tendência ao associativismo (partidos políticos, associações de bairro, movimentos sociais), sendo a sociabilidade secundária voltada, predominantemente, para a participação em grupos religiosos. A análise da intensidade dos vínculos confirmou o que é discutido pela literatura, isto é, a tendência muito comum em bairros de periferias urbanas de se encontrarem laços fortes entre os vizinhos, que se traduzem em um esquema de ajuda mútua (reciprocidade). A vizinhança se mostrou na trajetória dos entrevistados como importante rede de reciprocidade e de provisão de recursos no cotidiano, dada a proximidade física e a duração das relações.

A análise das redes sociais do território evidencia alguns aspectos importantes para a elaboração de novas estratégias de mobilização social no âmbito da proposta de vigilância em saúde a ser implementada no município. Embora as redes sociais caracterizadas pela presença de laços fortes não favoreçam o acesso às oportunidades e aos bens sociais, dificultando a mobilidade social, por outro lado esse tipo de sociabilidade é um importante fator de integração social e de acúmulo de capital social comunitário. Tendo o apoio social como principal mecanismo de solidariedade, essas redes estimulam as trocas, a reciprocidade, a cooperação e a interdependência dos membros de uma comunidade. Por isso, as redes sociais são um importante instrumento para a implementação de políticas públicas, na medida em que, quando mobilizadas, se tornam uma estratégia de reforço do tecido social e, consequentemente, de ampliação da autonomia, da participação social e da cidadania. As redes religiosas, muito presentes no cotidiano dos moradores, mesmo sendo do tipo associativo (secundárias), se mostraram fortemente ancoradas na prestação de “ajuda” social, pautada por valores solidários. Redes que, como trata a literatura, operam como um fator de proteção social para as classes populares.

Sendo assim, dada a centralidade dessas redes, concentrando grande parte do capital social presente no território, é possível utilizá-las como canais de mediação ou pontes entre as ações dos comitês populares e o restante da comunidade, ampliando o alcance da proposta de vigilância em saúde. A compreensão da estrutura das redes permite identificar aquelas mais propícias para o desenvolvimento de ações coletivas, especialmente quando seus padrões de sociabilidade estão intrinsecamente associados à territorialidade, com base na proximidade espacial e social. Ou seja, é o ambiente social adequado para estimular a participação voltada para assuntos locais, desde que essas redes sejam instrumentalizadas para que consigam se organizar e desenvolver autonomia para intervir e propor soluções para os territórios. Uma das estratégias seria a criação de novas redes, conectando as redes preexistentes a outras redes externas ao território. Como as redes locais são muito homogêneas ou “redundantes”, essas novas redes possibilitam a entrada de novos recursos não acessados por seus integrantes: conhecimento técnico, científico, político, habilidades, compartilhamento de experiências; agora constituídas por laços fracos, elas passam a acessar o capital social que permite mobilizar os recursos da esfera pública, processo essencial na estruturação de ações coletivas.

Desse modo, os comitês populares podem operar como redes de mediação entre as redes preexistentes no território (sócio-humanas) e outras externas (sócio-técnicas e sócio-institucionais), já que elas não se conectam de forma espontânea, mas a partir da elaboração de políticas sociais que estimulem a  formação de capital social nas esferas de sociabilidade primária. Por fim, acredita-se que, na região estudada, os comitês populares também possam estimular essas redes, sobretudo as religiosas, a utilizarem o seu repertório cultural e simbólico para trabalhar questões de interesse dos bairros, como a promoção da saúde, promoção de territórios saudáveis e sustentáveis, desenvolvimento local e geração de renda, melhoria da infraestrutura e preservação ambiental.