Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O itinerário terapêutico de pessoas com obesidade grau III de um município do interior de Minas Gerais
Maria Izabel Silva Cordeiro, Bianca da Silva Andre, Marina Tosatti Aleixo, Karen Ribeiro Maciel, Katiusse Rezende Alves, Tiago Ricardo Moreira, Deise Moura de Oliveira

Última alteração: 2022-01-19

Resumo


Apresentação: A obesidade figura como um problema de saúde pública mundial, sendo apontada como uma questão cuja gênese possui caráter social, uma vez que o cenário da doença envolve fatores sociais, ambientais, comportamentais e emocionais, que interagem em uma complexa relação. No Brasil este agravo vem crescendo de forma expressiva. Dados do último estudo da Vigilância dos Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por inquérito telefônico (VIGITEL) reporta um aumento de 67,8% no índice de adultos obesos entre os anos de 2006 a 2018. O itinerário terapêutico do paciente em situação de obesidade é altamente influenciado por essa complexidade etiológica e seus determinantes sociais, e deve ser olhado com cautela, uma vez que caracteriza as mais variadas formas de tratamento vivenciadas por estes pacientes. Este itinerário permite compreender as experiências de pessoas e famílias em suas diversas formas de significar e produzir cuidados, permitindo também observar como os serviços de saúde disponibilizam a atenção e acolhem as demandas de saúde desse público-alvo. Neste contexto chama-se atenção para pessoas em situação de obesidade grau III, também denominada obesidade mórbida, cujo índice de massa corporal é igual ou superior a 40Kg/m. Este grupo já transitou pelo sobrepeso, pela obesidade grau I (leve) e pela obesidade grau II (moderada), alcançando um patamar em que a indicação de tratamento cirúrgico emerge como uma alternativa para o controle da doença. Parte-se do pressuposto que as pessoas que se encontram em obesidade grau III percorreram diversos caminhos durante a progressão da doença na busca por terapêutica que possibilite o controle da obesidade. Diante do exposto, as seguintes questões nortearam o presente estudo: qual o itinerário terapêutico percorrido pela pessoa em situação de obesidade grau III para o tratamento desse agravo à saúde? Como foi para ela acessar os serviços ou pessoas neste itinerário terapêutico? Quais as suas expectativas ao acessar esses serviços/pessoas? Como eles responderam às suas expectativas no que se refere ao tratamento da obesidade? Para responder aos questionamentos traçaram-se os seguintes objetivos: Compreender o itinerário terapêutico de pessoas em situação de obesidade grau III em uma unidade pública de Atenção Secundária à Saúde em Município da Zona da Mata Minas Gerais .Desenvolvimento: O presente estudo possui natureza qualitativa, considerando que objetiva compreender e interpretar um fenômeno humano, com questões particulares e respostas que não podem ser quantificadas. Este tipo de pesquisa é comprometido com a práxis e a mudança social, por meio da introdução de novos significados aos problemas, gerando conhecimento sobre elementos significativos que compõem a experiência humana. Como abordagem de pesquisa optou-se pela Fenomenologia Social de Alfred Schütz. Foram incluídas no estudo pessoas em situação de obesidade grau III, acompanhadas pelo referido serviço e residentes na cidade onde o mesmo está localizado. Foram excluídas pessoas em situação de obesidade grau III, com dificuldade de compreender as questões de pesquisa ou verbalizar suas experiências. A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2021 e janeiro de 2022, no Centro Estadual de Assistência Especializada de um município localizado na Zona da Mata Mineira. O referido cenário  compõe a rede de atenção secundária do município, sendo referência para o acompanhamento de doenças crônicas para o referido município e oito cidades do entorno.  É importante ressaltar que a instituição ainda não possui a obesidade como critério de encaminhamento ao serviço.  Os dados estão sendo analisados  à luz de Alfred Schutz e literatura subjacente à temática. Resultados: A maioria dos participantes referiu percorrer diversos caminhos para o tratamento da hipertensão arterial e do diabetes, todavia ao serem interrogados sobre o itinerário para o tratamento da obesidade não souberam informar os caminhos percorridos no âmbito da rede de atenção à saúde, o que denota uma dificuldade de oferta de serviços voltados para o cuidado à pessoa em situação de obesidade no cenário do estudo. Ao verbalizar suas experiências no itinerário da diabetes e hipertensão os participantes mencionaram que diversos profissionais de saúde apenas orientaram os mesmos a perder peso, de modo a obter o controle das demais doenças crônicas, o que demonstra uma negligência relacionada ao tratamento da obesidade nos serviços de saúde do município. Com relação às buscas dos depoentes para redução do peso foi citada a caminhada, dietas hipocalóricas com redução de carboidratos, doces, uso de chás recomendado por amigos ou receitas da internet. Não obstante, essas medidas foram pontuais, sendo iniciadas e interrompidas após um período de tempo, o que denota uma não adesão a hábitos de vida saudáveis, justificada em parte devido a determinantes sociais de saúde, especialmente ligados ao estilo e condições de vida. Percebe-se que os participantes buscam soluções para o controle do peso, mas frustraram ao longo do caminho, por não alcançarem o resultado esperado e por caminharem muitas vezes sozinhos, sem o apoio de profissionais e uma linha de cuidado no âmbito da rede de atenção. Isso pôde ser confirmado ao serem questionados sobre a expectativa que tinham no tocante ao tratamento da obesidade, em que os participantes afirmaram não terem obtido por parte dos serviços de saúde na Atenção Primária e Secundária o acompanhamento para a obesidade. A falta de um atendimento longitudinal e a dificuldade de acesso ao serviço de saúde para o controle deste agravo foi relatada como um dificultador importante no tratamento da obesidade. Alguns participantes, em função de se responsabilizarem integralmente pela perda de peso – reflexo da ausência de referências para este tratamento na rede de atenção à saúde – alegaram que o não atendimento de suas expectativas se deu em virtude de indisciplina pessoal, reforçando um sentimento de culpa pelo comer compulsivo e o não  atendimento  às orientações prescritivas advindas de alguns profissionais de saúde que pontualmente atravessaram seus caminhos no decorrer do tratamento das demais doenças crônicas não transmissíveis que apresentavam. Considerações finais: as evidências do presente estudo permitem inferir que os arranjos estruturais do sistema de saúde não estão consoantes às necessidades de  cuidado requeridas pelo público-alvo da pesquisa. Trazer a responsabilidade unicamente para esta clientela no controle dessa doença crônica reflete a necessidade de melhoria dos serviços de saúde na oferta  de uma atenção voltada para as pessoas com obesidade, especialmente quando se encontram em um grau elevado da doença. Espera-se que este estudo possa despertar os profissionais de saúde e  gestores, a fim de que priorizem a obesidade no âmbito das redes de atenção, de modo a dar respostas mais efetivas, duradouras, longitudinais e centradas na pessoa que convive com este agravo à saúde.