Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-01-19
Resumo
Apresentação: A obesidade figura como um problema de saúde pública mundial, sendo apontada como uma questão cuja gênese possui caráter social, uma vez que o cenário da doença envolve fatores sociais, ambientais, comportamentais e emocionais, que interagem em uma complexa relação. No Brasil este agravo vem crescendo de forma expressiva. Dados do último estudo da Vigilância dos Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por inquérito telefônico (VIGITEL) reporta um aumento de 67,8% no índice de adultos obesos entre os anos de 2006 a 2018. O itinerário terapêutico do paciente em situação de obesidade é altamente influenciado por essa complexidade etiológica e seus determinantes sociais, e deve ser olhado com cautela, uma vez que caracteriza as mais variadas formas de tratamento vivenciadas por estes pacientes. Este itinerário permite compreender as experiências de pessoas e famílias em suas diversas formas de significar e produzir cuidados, permitindo também observar como os serviços de saúde disponibilizam a atenção e acolhem as demandas de saúde desse público-alvo. Neste contexto chama-se atenção para pessoas em situação de obesidade grau III, também denominada obesidade mórbida, cujo índice de massa corporal é igual ou superior a 40Kg/m. Este grupo já transitou pelo sobrepeso, pela obesidade grau I (leve) e pela obesidade grau II (moderada), alcançando um patamar em que a indicação de tratamento cirúrgico emerge como uma alternativa para o controle da doença. Parte-se do pressuposto que as pessoas que se encontram em obesidade grau III percorreram diversos caminhos durante a progressão da doença na busca por terapêutica que possibilite o controle da obesidade. Diante do exposto, as seguintes questões nortearam o presente estudo: qual o itinerário terapêutico percorrido pela pessoa em situação de obesidade grau III para o tratamento desse agravo à saúde? Como foi para ela acessar os serviços ou pessoas neste itinerário terapêutico? Quais as suas expectativas ao acessar esses serviços/pessoas? Como eles responderam às suas expectativas no que se refere ao tratamento da obesidade? Para responder aos questionamentos traçaram-se os seguintes objetivos: Compreender o itinerário terapêutico de pessoas em situação de obesidade grau III em uma unidade pública de Atenção Secundária à Saúde em Município da Zona da Mata Minas Gerais .Desenvolvimento: O presente estudo possui natureza qualitativa, considerando que objetiva compreender e interpretar um fenômeno humano, com questões particulares e respostas que não podem ser quantificadas. Este tipo de pesquisa é comprometido com a práxis e a mudança social, por meio da introdução de novos significados aos problemas, gerando conhecimento sobre elementos significativos que compõem a experiência humana. Como abordagem de pesquisa optou-se pela Fenomenologia Social de Alfred Schütz. Foram incluídas no estudo pessoas em situação de obesidade grau III, acompanhadas pelo referido serviço e residentes na cidade onde o mesmo está localizado. Foram excluídas pessoas em situação de obesidade grau III, com dificuldade de compreender as questões de pesquisa ou verbalizar suas experiências. A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2021 e janeiro de 2022, no Centro Estadual de Assistência Especializada de um município localizado na Zona da Mata Mineira. O referido cenário compõe a rede de atenção secundária do município, sendo referência para o acompanhamento de doenças crônicas para o referido município e oito cidades do entorno. É importante ressaltar que a instituição ainda não possui a obesidade como critério de encaminhamento ao serviço. Os dados estão sendo analisados à luz de Alfred Schutz e literatura subjacente à temática. Resultados: A maioria dos participantes referiu percorrer diversos caminhos para o tratamento da hipertensão arterial e do diabetes, todavia ao serem interrogados sobre o itinerário para o tratamento da obesidade não souberam informar os caminhos percorridos no âmbito da rede de atenção à saúde, o que denota uma dificuldade de oferta de serviços voltados para o cuidado à pessoa em situação de obesidade no cenário do estudo. Ao verbalizar suas experiências no itinerário da diabetes e hipertensão os participantes mencionaram que diversos profissionais de saúde apenas orientaram os mesmos a perder peso, de modo a obter o controle das demais doenças crônicas, o que demonstra uma negligência relacionada ao tratamento da obesidade nos serviços de saúde do município. Com relação às buscas dos depoentes para redução do peso foi citada a caminhada, dietas hipocalóricas com redução de carboidratos, doces, uso de chás recomendado por amigos ou receitas da internet. Não obstante, essas medidas foram pontuais, sendo iniciadas e interrompidas após um período de tempo, o que denota uma não adesão a hábitos de vida saudáveis, justificada em parte devido a determinantes sociais de saúde, especialmente ligados ao estilo e condições de vida. Percebe-se que os participantes buscam soluções para o controle do peso, mas frustraram ao longo do caminho, por não alcançarem o resultado esperado e por caminharem muitas vezes sozinhos, sem o apoio de profissionais e uma linha de cuidado no âmbito da rede de atenção. Isso pôde ser confirmado ao serem questionados sobre a expectativa que tinham no tocante ao tratamento da obesidade, em que os participantes afirmaram não terem obtido por parte dos serviços de saúde na Atenção Primária e Secundária o acompanhamento para a obesidade. A falta de um atendimento longitudinal e a dificuldade de acesso ao serviço de saúde para o controle deste agravo foi relatada como um dificultador importante no tratamento da obesidade. Alguns participantes, em função de se responsabilizarem integralmente pela perda de peso – reflexo da ausência de referências para este tratamento na rede de atenção à saúde – alegaram que o não atendimento de suas expectativas se deu em virtude de indisciplina pessoal, reforçando um sentimento de culpa pelo comer compulsivo e o não atendimento às orientações prescritivas advindas de alguns profissionais de saúde que pontualmente atravessaram seus caminhos no decorrer do tratamento das demais doenças crônicas não transmissíveis que apresentavam. Considerações finais: as evidências do presente estudo permitem inferir que os arranjos estruturais do sistema de saúde não estão consoantes às necessidades de cuidado requeridas pelo público-alvo da pesquisa. Trazer a responsabilidade unicamente para esta clientela no controle dessa doença crônica reflete a necessidade de melhoria dos serviços de saúde na oferta de uma atenção voltada para as pessoas com obesidade, especialmente quando se encontram em um grau elevado da doença. Espera-se que este estudo possa despertar os profissionais de saúde e gestores, a fim de que priorizem a obesidade no âmbito das redes de atenção, de modo a dar respostas mais efetivas, duradouras, longitudinais e centradas na pessoa que convive com este agravo à saúde.