Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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ASSÉDIO SEXUAL NO TRABALHO DE UMA TÉCNICA EM ENFERMAGEM
Eric Campos Alvarenga, Rosylene Mara de Oliveira Vargas, Beatriz Fragoso Cruz, Elon de Sousa Nascimento, Ana Beatriz Pantoja Rosa de Moraes, Angelina Sousa Pinheiro, Tawane Tayla Rocha Cavalcante, Lana Yasmin Leal da Silva

Última alteração: 2022-01-21

Resumo


Estudos vem mostrando que diversas mulheres profissionais de enfermagem são assediadas sexualmente em seus locais de trabalho. O assédio sexual é qualquer comportamento de natureza sexual indesejável, inesperado, por meio de força física, coerção, ameaça ou manipulação psicológica, causando incômodo, violando integridades físicas/morais e direitos ao trabalho ou constrangendo qualquer pessoa. As técnicas de enfermagem tem sido as mais atingidas/os por esse tipo de violência, em primeiro lugar por seus pacientes, em segundo lugar pelos seus colegas de mesmo nível hierárquico, em terceiro pelos administradores e superiores, e em menor proporção por médicos e supervisores. As consequências do assédio sexual para a saúde mental de profissionais da saúde, em especial as de Enfermagem, uma área muito marcada pelas mulheres, podem ser de vivências intensas de sofrimento psíquico e de adoecimento. A Psicodinâmica no Trabalho nos dá base para analisar os sofrimentos que emergem por conta do modo como o trabalho é organizado. Estes são produzidos na confusão entre desejos e defesas dos trabalhadores e trabalhadoras. A partir da Psicodinâmica do Trabalho, poderemos compreender algumas questões relativas à emergência de vivências de sofrimento no trabalho advindas de situações de assédio sexual. Esta pesquisa teve como objetivo analisar as vivências de assédio sexual no trabalho de uma profissional técnica de enfermagem da atenção primária em saúde de um município do interior do Pará. Para tal, foi realizada uma pesquisa qualitativa do tipo descritiva com uma técnica de enfermagem que trabalhava em uma equipe de saúde da família da atenção básica de um município do interior do Pará. Foram realizadas quatro sessões de escuta clínica individual, com duração de 50 a 60 minutos com a participante. Por conta da pandemia de COVID-19 e suas medidas de isolamento, adotou-se uma escuta feita à distância de maneira síncrona – ou seja, pesquisador e participante estão conectados ao mesmo tempo por áudio e vídeo -  por meio do software Zoom Meeting. As escutas clínicas foram realizadas entre os meses de março e agosto de 2020. Elas tiveram como base os princípios teórico-metodológicos da Psicodinâmica do Trabalho, contudo em uma adaptação para a escuta individualizada. Após as escutas, foram construídas sínteses do conteúdo que, posteriormente, na quarta sessão de escuta, foram apresentadas para a participante como uma devolutiva. Nesta, expusemos nossas interpretações do conteúdo dito pela profissional durante as escutas, deixando-a à vontade para questionamentos, novas interpretações e conteúdos. Esta pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará por meio do parecer de número 4.011.027. A fim de possibilitar uma análise do material obtido, as escutas foram gravadas em áudio e, em seguida, transcritas. No processo de análise, foi utilizada a técnica de Análise de Núcleo de Sentido. Verificou-se que o assédio sexual é algo que acontece todos os dias na vida desta profissional. Ele vem tanto de usuários que atende, quanto de profissionais com os quais ela trabalha, sendo mais incidente por parte de um colega técnico de enfermagem. Ela relata que este já chegou a abusar fisicamente dela e de outra profissional da unidade. Na unidade básica de saúde em que trabalha, as mulheres são a maioria entre as/os profissionais. As mais novas são os principais alvos de assédio sexual. Por mais que haja relato de que tenham denunciado a violência aos seus superiores hierárquicos a fim de ter algum amparo, não obtiveram nada além de descaso. As situações de assédio mostraram-se potencializadoras do sofrimento psíquico desta técnica durante o período da pandemia, trazendo ainda dificuldades a serem enfrentadas no cotidiano do trabalho em saúde.  A partir da busca sem sucesso por ajuda, as mulheres da unidade encontraram entre si mesmas estratégias de defesa para se fortalecerem e se protegerem. Elas organizaram um afastamento deliberado das profissionais femininas em relação à maioria dos homens, de forma que o contato mantido entre eles se restringiu apenas ao mínimo necessário para a realização do trabalho. Nesse cenário, as mulheres buscam manter seu bem-estar através do apoio mútuo, defendendo umas às outras e promovendo momentos de descontração entre si. Vale evidenciar que a violência que atinge as mulheres no trabalho e fora dele não desaparece ou se torna menos intensa a partir de estratégias adotadas por ela. Pelo contrário, foi a única forma que encontraram para ter o mínimo de saúde mental para trabalhar. O assédio sexual dentro do ambiente de trabalho, além de expor uma pessoa à violência gratuita, traz sequelas à vida desta, como a raiva, desgosto, constrangimento, nervosismo, humilhação, vergonha, prejudicando esta/este trabalhadora/trabalhador no seu local de trabalho, trazendo adoecimento, principalmente quando o trabalho em que sofre essas violências é a sua principal fonte de renda. As violências sofridas no local de trabalho podem aparecer de diversas formas, por isso tem-se apontado o enfrentamento coletivo como o modo mais eficaz de combater essas violências diárias tais como o assédio sexual. A estratégia de defesa mais comum em casos de assédio sexual seria a postura de negação, por fazer parte de uma cultura agressivamente machista a atitude de assumir que no ambiente de trabalho esses acontecimentos são corriqueiros, optando pela normalização de tais condutas, devido à necessidade de se manter o salário ou por outras questões. A participante chegou inclusive a relatar que, por várias vezes, acreditou que a culpa pelos assédios diários que sofre no trabalho e fora dele fosse sua. Isso demonstra o quanto o machismo estrutural subjetiva as mulheres a ponto delas se sentirem culpadas pelas violências que sofrem.  Propõe-se o desenvolvimento de um programa de apoio psicoemocional às/aos profissionais da atenção básica, bem como de políticas públicas que visem combater a prática do assédio sexual no trabalho em saúde e na sociedade em geral. Ademais, o interior do Pará, assim como outras cidades interioranas do Brasil, é um lugar onde os direitos essenciais chegam com dificuldade para as cidadãs e cidadãos. Os relatos analisados nesta pesquisa mostram a importância da escuta de uma trabalhadora desta região, por trazer à tona situações de violências sofridas e muitas vezes silenciadas. Consideramos que houve um impacto positivo da escuta na saúde mental da profissional, apontando a necessidade de serem ofertados mais espaços de escuta individual e coletiva para profissionais da saúde.