Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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SAÚDE QUILOMBOLA: MOBILIZAÇÃO SOCIAL E AS AÇÕES DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE NO ENFRENTAMENTO DO NOVO CORONAVÍRUS
Hiago Daniel Herédia Luz, ANDRESA RAMOS SILVA, ANA PAULA FRANCISCA DA SILVA ROCHA, MARÍLIA REGINA SANTOS SILVA, APARECIDA DO NASCIMENTO LUZ, EVERTON EUSTÁQUIO DA SILVA, Gracielly Naiara Silva Veloso, VIVIANE APARECIDA SILVA

Última alteração: 2022-01-22

Resumo


Apresentação: Trata-se de um relato de experiência do desenvolvimento de ações de vigilância popular em saúde no enfrentamento da COVID-19 por parte de moradores da Comunidade Quilombola dos Arturos, situada no município de Contagem, Minas Gerais. Este trabalho tem por objetivo mostrar a importância da valorização da mobilização social e o saber de saúde produzido pelas comunidades e população no que tange à vigilância popular em saúde. Desenvolvimento do trabalho: A Comunidade Quilombola dos Arturos, é uma comunidade quilombola urbana com mais de 130 anos de história, composta descendentes diretos de Artur Camilo Silvério e Carmelinda Maria da Silva, ambos pretos que nasceram após a lei do ventre livre. Esta comunidade conta com cerca de 650 pessoas, que podem ou não residir dentro do território pertencentes à comunidade. As ações de enfrentamento à COVID -19, mais especificamente as de vigilância popular em saúde, iniciaram ainda no ano de 2020 com a entrega de máscaras e álcool 70% para os moradores da comunidade e essas ações se intensificaram a partir da segunda morte por COVID na comunidade, ocorrida em janeiro de 2021. Posterior ao segundo óbito, foi realizada a criação de um comitê de enfrentamento formado por representantes dos nove grandes grupos familiares da comunidade. Este comitê de enfrentamento foi criado em janeiro de 2021 e tem por principal função discutir e estabelecer as ações que são desenvolvidas na comunidade em combate ao novo coronavírus. Na composição desse comitê, haviam de um a dois representantes de cada um dos nove grupos familiares da comunidade, esses representantes ficavam responsáveis por repassar, por aplicativos de mensagens, os informes discutidos pelo comitê, participar das reuniões que aconteciam de maneira esporádica e a busca ativa de possíveis casos dentro dos seus grupos familiares. Através deste comitê foram instaladas faixas no interior da comunidade orientando o uso máscara, isolamento social, lavagem frequente das mãos e proibição da entrada de visitantes. Além disso, o monitoramento dos casos positivos de COVID, assim como o monitoramento dos contatos próximos com casos positivos e os casos sob suspeita foi realizado diariamente por telefone, por um dos profissionais de saúde da comunidade que se voluntariou para exercer tal função. Para melhorar a efetividade do monitoramento, a comunidade realizou a compra de dois oxímetros que eram entregues para as pessoas que tivessem diagnóstico de COVID confirmados. A comunidade articulou junto à secretaria municipal de Contagem/MG, a desinfecção das casas, entrega de álcool 70% e máscaras para todos os moradores da comunidade. Além disso, a cada novo caso de COVID e/ou surgimento de casos suspeitos eram elaborados boletins epidemiológicos de caráter informativo que continham informações como: número de mortes, número de casos positivos e número de casos suspeitos. Ficava a cargo de um profissional da saúde da comunidade o monitoramento e confecção do boletim epidemiológico. Estes boletins epidemiológicos eram publicados no Instagram da comunidade e enviados pelos grupos do Whatsapp juntamente com informações quanto ao isolamento social, como proceder caso surgisse algum sintoma de COVID, a necessidade de se evitar aglomerações, dentre outros informes. No mês de março de 2021, foi realizada uma palestra, ministrada por uma professora do departamento de biomedicina da PUC Minas, a fim de sanar as dúvidas das pessoas da comunidade sobre o processo de produção das vacinas, assim como cada vacina age no organismo e a importância de se vacinar. Esta atividade foi proposta para que quando a vacina para o grupo prioritário quilombola fosse disponibilizada, as pessoas fossem se vacinar sem ter dúvidas quanto à efetividade da vacina e assim se evitasse o negacionismo. Ainda sobre o processo de vacinação, ficou a cargo da comunidade realizar o levantamento demográfico das pessoas que integram a comunidade, uma vez que, não se sabia ao certo a quantidade total de pessoal pertencentes à comunidade. A vacinação das primeiras e segundas doses aconteceram no interior da comunidade e a secretaria municipal de saúde destinou para esta ação profissionais para realizar a aplicação das doses, lançamento no sistema e anotação nos cartões de vacinação. Houve também auxílio das pessoas da comunidade para realizar o lançamento no sistema e anotação no cartão de vacinação devido à alta demanda. No mês de junho de 2021, num período de 15 dias a comunidade dos Arturos teve três óbitos por COVID, e para que não houvesse disseminação do vírus e maior contágio, os velórios e enterros foram organizados pela comissão de enfrentamento de forma que se seguisse os protocolos contra a COVID e assim evitar aglomerações. Os rituais fúnebres, que são internos da comunidade, foram realizados para que não se perdesse a tradição e para que os integrantes da comunidade pudessem dar o seu último adeus, apesar de no velório não ser permitida a presença do corpo. Algumas semanas depois das perdas citadas, foi iniciado um grupo de enfrentamento ao luto que foi conduzido por um psicólogo de maneira voluntária. Este grupo teve a duração de um mês, os encontros foram de maneira presencial, na capela da comunidade e aconteceram semanalmente com a duração de uma hora cada. Além das ações já citadas, no decorrer da pandemia a comunidade recebeu doações de cestas de alimentos, onde todas as famílias foram contempladas. Além disso, as ações de vigilância e controle de zoonoses foram intensificadas pela secretaria municipal de saúde de Contagem e foram lideradas principalmente por uma das trabalhadoras da zoonoses que pertence à comunidade quilombola. Resultados e/ou impactos: Como resultados percebidos, observa-se que houve uma diminuição no número de casos positivos para a COVID-19 na comunidade a partir da criação do comitê de enfrentamento à COVID-19. Houve também um melhor manejo dos casos positivos, este último está vinculado principalmente ao monitoramento precoce de pacientes, através da análise da saturação, a indicação de isolamento e acompanhamento dos contatos próximos. O grupo que se formou a partir da criação do comitê se tornou um grande aliado da comunidade na organização de outras questões que vão além do setor saúde propriamente dito, como no caso de ações ligadas à regulação fundiária, assistência social e controle de zoonoses. Como por exemplo, o cadastramento das famílias quilombolas no CadÚnico, assim como limpeza do território, além de ações de banho de carrapaticidas em cavalos e vacinação de cães e gatos que foram desenvolvidas na comunidade ao longo do ano de 2021. Percebe-se que a mobilização social e vigilância popular em saúde são fundamentais para a garantia de direitos e principalmente ao direito à saúde. Ainda, observa-se que se tratando de enfrentamento à pandemia de COVID, ações intersetoriais devem ser propostas e implementadas, como exemplificado, a doação de cestas básicas através de empresas e organizações não governamentais fizeram total diferença no enfrentamento da pandemia na Comunidade Quilombola dos Arturos, uma vez que essas ações diminuíram as desigualdades sociais e garantiu o acesso à alimentação. Considerações finais: O presente relato é importante no escopo de ações da vigilância em saúde, pois mostra a importância da mobilização social no desenvolvimento de ações de vigilância popular em saúde no enfrentamento da pandemia da COVID-19. Além disso, é imprescindível porque reforça a importância de se formar cidadãos e lideranças comunitárias capazes de desenvolver ações de vigilância popular em saúde para uma maior garantia de direitos.