Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
DESFIOS DAS COMUNIDADES NAS PERIFERIAS NO ENFRENTAMENTO DA COVID-19 - RELATO DE EXPERIENCIA
MARIA EDNA BEZERRA DA SILVA

Última alteração: 2022-01-20

Resumo


Introdução

A pandemia provocada pelo coronavírus traz à tona a discussão sobre as desigualdades sociais e seus impactos nos diversos segmentos da sociedade, em especial as populações periféricas, que vivem em situação de maior vulnerabilidade as quais vêm se aprofundando no país, agravadas com a COVID-19 e pela omissão e “negacionismo” do governo federal brasileiro (OLIVEIRA. et al, 2020).

As populações periféricas, compostas majoritariamente por mulheres e homens negros, em sua diversidade, também são grupos de risco, vitimados ao longo de sua história por questões políticas e sociais estruturantes da sociedade, que são alicerces para a consolidação do perverso racismo estrutural. A maioria dessas populações ficou impossibilitada de fazer o isolamento social, de forma adequada, crucial para conter o aumento dos números de casos da doença.

A pandemia segue matando as populações periféricas quatro vezes mais que as das regiões centrais onde vivem as classes média e alta. As doenças não são entidades democráticas, pelo contrário, elas têm incidências condicionadas por fatores como renda, gênero e raça (REIS, 2020).

A maioria das famílias da periferia vive em condições de moradias precárias e, muitas vezes, possuem apenas um ou dois cômodos, partilhando-os com 4 a 6 pessoas. À vista disso, nota-se que as desigualdades sociais contribuem para uma taxa maior de letalidade nos bairros populares, tornando indispensável o empoderamento desses cidadãos por meio de processos de formação e aquisição de conhecimentos das mais diversas áreas e, por conseguinte, consolidando também uma consciência crítica frente à realidade duramente vivida por essas comunidades.

Objetivo da experiência

Promover ações de promoção, prevenção e educação popular em saúde, abordando a COVID-19 para lideranças comunitárias residentes na periferia de Maceió, visando ampliar a capacidade de resposta e enfrentamento da pandemia onde a doença cresce de forma acelerada.

Atividades desenvolvidas e resultados

A estratégia empregada para o fortalecimento das comunidades foi a realização de oficinas para a produção de sabão caseiro e ações de promoção à saúde. Foram utilizadas metodologias ativas, rodas de conversas, oficinas de confecção de máscaras de tecido e, por fim, foram realizadas as oficinas para produção do sabão.

Ao todo, foram realizadas 11 oficinas com uma média de 15 participantes em cinco comunidades periféricas e outra na Unidade Docente assistencial da Faculdade de Medicina da UFAL. Nelas foram produzidas aproximadamente 850 barras de sabão.  As atividades foram empreendias no período de outubro de 2020 a novembro de 2021.

A realização das ações também objetivou mitigar os impactos sociais, econômicos e ambientais durante e após pandemia através do fomento da geração de renda com a produção de sabão caseiro. As ações do projeto foram realizadas presencialmente, e as normas e recomendações de biossegurança, orientadas pela Organização Mundial de Saúde e pela Faculdade de Medicina, foram seguidas.

Participaram ao todo 145 mulheres e jovens, na faixa etária entre 14 e 60 anos das comunidades do Brejal, Sururu, Cidade Sorriso/Benedito Bentes, Vergel do Lago e Village Campestre. Uma característica comum a todas essas comunidades é a falta de saneamento básico e água tratada. As condições de moradia também são precárias, principalmente para as famílias que moram nas comunidades na beira da Lagoa, onde vivem em barracos improvisados com madeira, papelão e lonas com um ou dois cômodos.

Foram realizadas oficinas com as técnicas corretas para higienização das mãos e uso da máscara e como higienizar a casa e alimentos usando solução de ácido hipocloroso. Outro tema debatido nas rodas foi o risco de informações mentirosas e o tratamento precoce da COVID-19. A equipe esclarecia que não havia nenhuma medicação comprovada para tratamento da doença e o uso desses remédios poderiam trazer graves problemas de saúde, sendo o acesso às informações de qualidade fundamental para enfrentamento da crise sanitária.

Na abordagem da COVID-19, foi feita rodas de conversa usando perguntas disparadoras, como: “Que doença é essa?/ De onde veio?/Quais os principais sinais e sintomas?/ Como prevenir?”. Alguns participantes relataram que no início não acreditavam na existência da doença até começarem a ver vizinhos e/ou parentes adoecendo, além de terem visto muita informação que negava a gravidade da situação. Falaram também da dificuldade de se protegerem da doença, visto que muitos precisaram continuar trabalhando, enfrentando coletivos lotados, e em locais de trabalho que não forneciam equipamentos de proteção e nem álcool.

Um dos pontos positivos para a realização das oficinas foi o fato da produção de sabão caseiro ser um redutor de custo, porque esse produto artesanal ajuda na falta de álcool para limpeza das mãos e também da casa. O sabão, também chamado de ecológico era fabricado tendo como base óleo de cozinha usado e soda caustica líquida, tendo um baixo custo para sua produção.

Com relação à limpeza dos ambientes da casa, foi orientado o uso correto de água sanitária, que deve ser diluída para formar solução de ácido hipocloroso, que tem melhor efeito bactericida. A diluição é feita em concentrações diferentes de acordo a finalidade de uso, se para o ambiente ou para higiene dos alimentos. Após o preparo das soluções com a água sanitária, eram realizadas rodas de conversa sobre outros problemas enfrentados pelas comunidades, como a dificuldade para ter acesso ao auxilio emergencial.

Ao término de cada encontro, os participantes realizavam avaliações sobre a qualidade das oficinas, dando um “feedback” à equipe de trabalho e por fim eram distribuídos o sabão produzido em recipientes de garrafas “pet” e caixas de leite UHT. A grande maioria dos participantes destacou que o aprendizado adquirido contribuiu para compreenderem melhor a pandemia e as medidas de proteção necessárias.

Conclusões da experiência

A pandemia da COVID-19 vem intensificando os problemas estruturais vividos nas comunidades da periferia, explicitando o agravamento das desigualdades sociais, e a ausência do Estado, que não implementa as políticas públicas necessárias para o enfrentamento das iniquidades vividas por essas famílias.

É necessário continuar investindo nos espaços mais participativos e democráticos que permitam reflexão, objetivando a construção da consciência na luta por direitos historicamente negados a populações periféricas, na busca da construção de condições de vida mais dignas, além do estímulo à prevenção e promoção à saúde no enfrentamento a crise sanitária e humanitária por que passa o país e o mundo.

Combater a desinformação também é primordial para o combate da pandemia, por causar insegurança na população e criar dúvidas quanto à eficácia das medidas sanitárias implementadas e uso das vacinas.

As metodologias utilizadas durante o desenvolvimento deste projeto, baseadas na educação popular em saúde primaram pela construção compartilhada de novos saberes, usando uma linguagem acessível e abertura de espaços para o diálogo, contemplando a diversidade dos sujeitos.

Os discentes envolvidos ao longo das atividades realizadas puderam se aproximar de outras realidades vividas em cada comunidade, tendo a oportunidade de aprender nos diferentes cenários de práticas, podendo perceber como a determinação social da saúde impacta na produção de iniquidades e como é importante fortalecer a luta pelos direitos à cidadania e fazer a defesa do Sistema Único de Saúde, o qual foi essencial no enfrentamento da crise sanitária e humanitária vivida no atual cenário pandêmico.