Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-07-11
Resumo
Apresentação: A intersetorialidade, pode ser compreendida como a prática de articulação entre sujeitos sociais, saberes e ações de diferentes políticas públicas, movimentos e organizações sociais em torno de um projeto comum. Intenciona a superação da fragmentação do conhecimento e do cuidado, objetivando o enfrentamento de situações/problemas complexos. No atual contexto sociopolítico, ocasionado pela pandemia da Covid-19, ações intersetoriais são ainda mais necessárias, pois nos permitem refletir sobre a produção social da saúde para além da conformação materializada dos serviços de saúde. Este trabalho tem como objetivo relatar a experiência sobre o tema da intersetorialidade, a partir do referencial teórico metodológico da Análise Institucional (AI), em um município de pequeno porte situado no interior do estado de São Paulo. Desenvolvimento: Para a AI, as políticas públicas de saúde, educação, cultura, assistência social, dentre outras, podem ser analisadas como instituições. O termo instituição é compreendido, no referencial teórico da AI, como um complexo sistema de relações sociais, de normas, dinâmicas em contradição, que abrange a forma como os sujeitos interagem e materializam ou não as normas estabelecidas. A Instituição Saúde, por exemplo, apresenta normas visíveis como portarias, documentos oficiais e invisíveis, por exemplo, o modo como os profissionais, usuários, concordam ou não em realizar determinadas práticas de saúde, ocorrendo uma inter-relação contínua. As instituições na vertente da AI, são formadas por estabelecimentos, organizações e são colocadas em movimento pelos agentes, os diferentes sujeitos sociais que protagonizam práticas, materializando assim as instituições. Outro ponto importante para a AI é que as instituições se interpenetram. As práticas/relações da Instituição Saúde são atravessadas por outras instituições como a Instituição Modo de Produção Capitalista, Instituição Pesquisa, Instituição Política Partidária, dentre outras. Os próprios agentes, ou seja, nós profissionais de saúde, usuários, gestores, estudantes, somos atravessados por diversas instituições e as instituições falam através de nossas práticas, através de nós. Dentre os autores deste trabalho temos pesquisadores-docentes, discentes de pós graduação e profissionais de saúde que apresentam importantes vivências no campo da intersetorialidade, no entanto, iremos nos debruçar sobre análise e reflexão da experiência da primeira autora deste trabalho, que é enfermeira em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil (Caps Infantil) e tem participado de espaços intersetoriais como reuniões ampliadas para discussão de casos complexos envolvendo crianças e adolescentes, inclusive em acolhimento institucional. Resultados: A primeira situação analisadora, que pode revelar algo não dito, forçando a Instituição Saúde a falar, é a pouca participação de trabalhadores do setor nas reuniões ampliadas, mesmo quando o caso a ser discutido pertence a alguma área de abrangência de uma Unidade Básica de Saúde. A participação do CAPS Infantil nas reuniões ampliadas também é um analisador e revela a dialética do cuidado em saúde mental. Em geral, a participação mais efetiva nas reuniões ampliadas tem sido realizada pela enfermeira do CAPS infantil, que apresenta implicações libidinais, organizacionais, como o fato de acreditar que é necessário que as práticas do CAPS infantil saiam de dentro de seus muros e que possamos colocar em discussão, problematização, com as diferentes políticas públicas e a sociedade, o cuidado em saúde mental. A justificativa para a não participação de alguns profissionais é que não podem deixar de realizar os atendimentos do CAPS infantil para participarem de reuniões. As reuniões de certa forma não são consideradas como ações relevantes para o serviço, assim como verificado nos serviços da atenção básica do município. Observa-se que o setor saúde tem valorizado sobremaneira a produção de procedimentos a partir de uma lógica produtivista para alcance de indicadores quantitativos (quantidade de cadastros, consultas, exames realizados), o que desvaloriza espaços de discussão e de reflexão, pois o trabalhador está voltado para a realização de procedimentos, submerso em uma lógica capitalista de produção do cuidado à saúde. Inferimos neste sentido o atravessamento da Instituição Modo de Produção Capitalista nas práticas da Instituição Saúde. Outro ponto, é a forte pressão exercida por outros setores como o Conselho Tutelar e a Assistência Social, pela presença do serviço de saúde mental nas reuniões, expressando que algumas questões serão resolvidas apenas se a criança ou adolescente estiverem especificamente em psicoterapia no CAPS infantil ou em internação em uma comunidade terapêutica. Para alguns profissionais dos referidos setores, algumas crianças e adolescentes apresentam comportamentos ditos “desviantes” ou “problemáticos”, como envolvimento com tráfico, uso abusivo de drogas, e o CAPS é visto como local de adequação de comportamentos. Compreende-se que há na percepção, sobre o cuidado em saúde mental, desses profissionais o atravessamento da lógica do quartel general, das antigas casas de correção, uma lógica instituída de dominação dos corpos. No entanto, o instituinte, a mobilização pela produção de formas mais ampliadas do cuidar em saúde, também estão presentes nestes espaços intersetoriais, existindo um constante tensionamento para que os setores envolvidos, proponham e viabilizem a inserção das crianças e adolescentes em atividades profissionalizantes, esportivas e culturais. Outro importante fator é a participação das famílias nestes espaços intersetoriais. As famílias ou responsáveis das crianças e adolescentes, participam de algumas reuniões ampliadas, promovendo-se assim um espaço para falarem dos problemas e situações de vulnerabilidade que os afetam, este momento/espaço é importante, pois algumas questões sobre o cuidado à criança/adolescente são discutidas, problematizadas e há possibilidade de ressignificação. Porém, ainda se institui a prática verticalizada, com orientações e prescrição de condutas, questões instituídas no cuidado a famílias em contexto de vulnerabilidade, sobretudo social. Desta forma se faz sempre necessário o questionamento e análise das práticas profissionais das diversas políticas públicas frente ao cuidado que é oferecido às famílias. Há na participação nesses espaços intersetoriais, o surgimento de sentimentos, questionamentos, angústias que nos perpassam, pois em muitas situações a vida de crianças e adolescentes, sobretudo os que estão em acolhimento institucional, são "influenciadas" pelos membros da rede intersetorial, pois o setor judiciário, em suas deliberações, tem levado em consideração os pareceres técnicos realizados pelos profissionais dos diversos setores envolvidos no sistema de garantia de direitos. Considerações finais: A experiência aqui relatada tem o potencial para desvelar as lógicas de funcionamento da Instituição Saúde e os seus entrelaçamentos com outras Instituições. Também pode contribuir na análise dos desafios e das forças das ações intersetoriais. O referencial teórico da AI apoiou este processo reflexivo, de análise das práticas profissionais e das implicações, atuando como elemento potencializador para o fortalecimento dos espaços intersetoriais e na indução de mudanças.