Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Lógicas de funcionamento das instituições em um espaço intersetorial na perspectiva da análise institucional.
Poliana Silva Oliveira, Cinira Magali Fortuna, Priscila Norié Araujo, Janaina Pereira Silva, Karen Silva Santos, Felipe Lima Santos, José Renato Gatto Junior, Fabiana Ribeiro Santana

Última alteração: 2022-07-11

Resumo


Apresentação: A intersetorialidade, pode ser compreendida como a prática de articulação entre sujeitos sociais, saberes e ações de diferentes políticas públicas, movimentos e organizações sociais em torno de um projeto comum. Intenciona a superação da fragmentação do conhecimento e do cuidado, objetivando o enfrentamento de situações/problemas complexos. No atual contexto sociopolítico, ocasionado pela pandemia da Covid-19, ações intersetoriais são ainda mais necessárias, pois nos permitem refletir sobre a produção social da saúde para além da conformação materializada dos serviços de saúde. Este trabalho tem como objetivo relatar a experiência sobre o tema da intersetorialidade, a partir do referencial teórico metodológico da Análise Institucional (AI), em um município de pequeno porte situado no interior do estado de São Paulo. Desenvolvimento: Para a AI, as políticas públicas de saúde, educação, cultura, assistência social, dentre outras, podem ser analisadas como instituições. O termo instituição é compreendido, no referencial teórico da AI, como um complexo sistema de relações sociais, de normas, dinâmicas em contradição, que abrange a forma como os sujeitos interagem e materializam ou não as normas estabelecidas. A Instituição Saúde, por exemplo, apresenta normas visíveis como portarias, documentos oficiais e invisíveis, por exemplo, o modo como os profissionais, usuários, concordam ou não em realizar determinadas práticas de saúde, ocorrendo uma inter-relação contínua. As instituições na vertente da AI, são formadas por estabelecimentos, organizações e são colocadas em movimento pelos agentes, os diferentes sujeitos sociais que protagonizam práticas, materializando assim as instituições. Outro ponto importante para a AI é que as instituições se interpenetram. As práticas/relações da Instituição Saúde são atravessadas por outras instituições como a Instituição Modo de Produção Capitalista, Instituição Pesquisa, Instituição Política Partidária, dentre outras. Os próprios agentes, ou seja, nós profissionais de saúde, usuários, gestores, estudantes, somos atravessados por diversas instituições e as instituições falam através de nossas práticas, através de nós. Dentre os autores deste trabalho temos pesquisadores-docentes, discentes de pós graduação e profissionais de saúde que apresentam importantes vivências no campo da intersetorialidade, no entanto, iremos nos  debruçar sobre análise e reflexão da experiência da primeira autora deste trabalho, que é enfermeira em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil (Caps Infantil) e tem participado de espaços intersetoriais como reuniões ampliadas para discussão de casos complexos envolvendo crianças e adolescentes, inclusive em acolhimento institucional. Resultados: A primeira situação analisadora, que pode revelar algo não dito, forçando a Instituição Saúde a falar, é a pouca participação de trabalhadores do setor nas reuniões ampliadas, mesmo quando o caso a ser discutido pertence a alguma área de abrangência de uma Unidade Básica de Saúde. A participação do CAPS Infantil nas reuniões ampliadas também é um analisador e revela a dialética do cuidado em saúde mental. Em geral, a participação mais efetiva nas reuniões ampliadas tem sido realizada pela enfermeira do CAPS infantil, que apresenta implicações libidinais, organizacionais, como o fato de acreditar que é necessário que as práticas do CAPS infantil saiam de dentro de seus muros e que possamos colocar em discussão, problematização, com as diferentes políticas públicas e a sociedade, o cuidado em saúde mental. A justificativa para a não participação de alguns profissionais é que não podem deixar de realizar os atendimentos do CAPS infantil para participarem de reuniões. As reuniões de certa forma não são consideradas como ações relevantes para o serviço, assim como verificado nos serviços da atenção básica do município. Observa-se que o setor saúde tem valorizado sobremaneira a produção de procedimentos a partir de uma lógica produtivista para alcance de indicadores quantitativos (quantidade de cadastros, consultas, exames realizados), o que desvaloriza espaços de discussão e de reflexão, pois o trabalhador está voltado para a realização de procedimentos, submerso em uma lógica capitalista de produção do cuidado à saúde. Inferimos neste sentido o atravessamento da Instituição Modo de Produção Capitalista nas práticas da Instituição Saúde. Outro ponto, é a forte pressão exercida por outros setores como o Conselho Tutelar e a Assistência Social, pela presença do serviço de saúde mental nas reuniões, expressando que algumas questões serão resolvidas apenas se a criança ou adolescente estiverem especificamente em psicoterapia no CAPS infantil ou em internação em uma comunidade terapêutica. Para alguns profissionais dos referidos setores, algumas crianças e adolescentes apresentam comportamentos ditos “desviantes” ou “problemáticos”, como envolvimento com tráfico, uso abusivo de drogas, e o CAPS é visto como local de adequação de comportamentos. Compreende-se que há na percepção, sobre o cuidado em saúde mental, desses profissionais o atravessamento da lógica do quartel general, das antigas casas de correção, uma lógica instituída de dominação dos corpos.  No entanto, o instituinte, a mobilização pela produção de formas mais ampliadas do cuidar em saúde, também estão presentes nestes espaços intersetoriais, existindo um constante tensionamento para que os setores envolvidos, proponham e viabilizem a inserção das crianças e adolescentes em atividades profissionalizantes, esportivas e culturais. Outro importante fator é a participação das famílias nestes espaços intersetoriais. As famílias ou responsáveis das crianças e adolescentes, participam de algumas reuniões ampliadas, promovendo-se assim um espaço para falarem dos problemas e situações de vulnerabilidade que os afetam, este momento/espaço é importante, pois algumas questões sobre o cuidado à criança/adolescente são discutidas, problematizadas e há possibilidade de ressignificação. Porém, ainda se institui a prática verticalizada, com orientações e prescrição de condutas, questões instituídas no cuidado a famílias em contexto de vulnerabilidade, sobretudo social. Desta forma se faz sempre necessário o questionamento e análise das práticas profissionais das diversas políticas públicas frente ao cuidado que é oferecido às famílias. Há na participação nesses espaços intersetoriais, o surgimento de sentimentos, questionamentos, angústias que nos perpassam, pois em muitas situações a vida de crianças e adolescentes, sobretudo os que estão em acolhimento institucional, são "influenciadas" pelos membros da rede intersetorial, pois o setor judiciário, em suas deliberações, tem levado em consideração os pareceres técnicos realizados pelos profissionais dos diversos setores envolvidos no sistema de garantia de direitos. Considerações finais: A experiência aqui relatada tem o potencial para desvelar as lógicas de funcionamento da Instituição Saúde e os seus entrelaçamentos com outras Instituições. Também pode contribuir na análise dos desafios e das forças das ações intersetoriais. O referencial teórico da AI apoiou este processo reflexivo, de análise das práticas profissionais e das implicações, atuando como elemento potencializador para o fortalecimento dos espaços intersetoriais e na indução de mudanças.