Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-01-21
Resumo
Apresentação - O presente estudo busca deslindar, a partir de uma releitura da teoria da comunicação e de sua intersecção e aplicação no campo da saúde, a importância de ações de educação em saúde para o desenvolvimento de habilidades comunicacionais na Estratégia Saúde da Família, visando o fortalecimento da cidadania por meio de ações de promoção e prevenção da saúde. Tem-se, portanto, como objetivo verificar de que forma a comunicação pode funcionar enquanto instrumento para qualificar a relação entre profissionais de saúde e usuários da ESF, constituindo-se em um direito de cidadania. A Estratégia Saúde da Família representa o mais alto grau de descentralização e capilaridade no âmbito do SUS, o elo entre a comunidade e o Sistema e um centro de comunicação rico em construção de vínculos, interações e conflitos. Nesse cenário, a democratização da comunicação cria condições para que seja garantido o exercício da cidadania e da participação popular, princípios constitutivos do SUS e estruturantes da ESF. Comunicar-se não se trata apenas de buscar, receber e transmitir informação, mas sobretudo ser ouvido e compreendido na mensagem que se quer passar. Enquanto houver impeditivos para a plena realização desse direito, é dever do Estado promover a superação dessas desigualdades. Sendo assim, o acesso à comunicação é a garantia tanto da liberdade de expressão quanto do direito à informação e se faz presente a partir de ações de educação.
Desenvolvimento - Este estudo está alicerçado em revisão bibliográfica realizada entre agosto e outubro de 2020 nas bases de dados Scielo, Scopus e PubMed, do Portal Periódicos da CAPES, com objetivo de subsidiar o escopo teórico de uma dissertação de Mestrado que analisou a relação médico-paciente na Estratégia Saúde da Família apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Universidade Federal do Ceará. Com a palavra-chave "Comunicação em Saúde" mais de 300 publicações foram localizadas entre artigos, teses e dissertações dos últimos cinco anos, sendo que foram selecionadas 35 por atenderem ao objeto que se pretendia aprofundar. A partir do mergulho nesses textos, encontrou-se que por meio das ações de comunicação em saúde, os participantes do Sistema Único de Saúde, sejam profissionais ou usuários, podem adquirir meios de conscientizar-se acerca de direitos e deveres para com o SUS, de forma individual, em equipe, em comunidade etc. Trata-se de um processo em que o indivíduo passa a ter voz ativa, o que aumenta a variedade de mensagens e influencia a qualidade da representação social. A horizontalização das relações altera a estrutura social a partir do desenvolvimento de uma consciência crítica que reflete nas relações de poder. Cabe aos usuários e profissionais agora o papel de falantes e ouvintes em uma relação dialógica para que o agir orientado ao entendimento possa dar voz aos usuários, considerando o contexto em que vivem e aproximando os profissionais dessa realidade. A capacidade de se estabelecer esse diálogo é que permite a humanização da assistência. Uma linguagem clara e de fácil entendimento adquire uma importância proporcional à realização de um procedimento técnico, a partir do momento em que o profissional simplesmente transmite segurança e a credibilidade, diminuindo a ansiedade do paciente. Tais habilidades requerem um clima onde devem ser cultivadas atitudes de respeito e confiança. Um profissional considerado competente pode ter a eficácia limitada se não for capaz de desenvolvê-las. Comunicar vai permitir conhecer o paciente e não somente a doença que o afetou, um relacionamento que por si só já oferece um efeito terapêutico. Por isso a necessidade de profissionais de saúde qualificados não apenas nos aspectos tecnocientíficos, mas também e principalmente na subjetividade humana. Entretanto, para que esse cenário se concretize é necessário investir na capacitação dos profissionais de saúde em habilidades comunicacionais, tendo em vista que a comunicação é um fio condutor que leva a uma assistência humanizada no cotidiano de trabalho da ESF. A pesquisa encontrou que a ampliação do direito à comunicação pode acontecer a partir de intervenções em Educomunicação, que facilita a apropriação de tecnologias e habilidades de comunicação estimulando uma postura crítico-reflexiva das pessoas. A equalização dessa relação assimétrica entre usuários e profissionais de saúde deve amenizar inclusive a juridificação da relação, a partir da criação de condições para que o usuário possa exercer o direito de conhecer e compreender detalhes da sua situação de saúde, saindo de uma atitude passiva para tornar-se um membro da equipe que cuida de sua própria saúde e dos seus familiares, fortalecendo um trabalho alicerçado na empatia e confiança.
Considerações finais - A capacitação dos profissionais de saúde em habilidades comunicacionais é, portanto, uma relevante necessidade para que a essência de cuidado humanizado e integral da Estratégia Saúde da Família se concretize, tendo em vista que a comunicação é um fio condutor que leva a uma assistência humanizada no cotidiano de trabalho da ESF. A ausência de investimentos em capacitação nesta área pode transformar-se em fator de angústia para profissionais, que muitas vezes aprendem a comunicar-se no contexto limitado de transmitir corretamente uma informação, sem adentrar na interação dialógica com o usuário. Leva ainda essa defasagem a uma falta de envolvimento e compromisso do usuário com o tratamento proposto e a busca de alternativas na internet ou mesmo na justiça, juridificando uma relação que deve ser trabalhada no dia a dia da ESF. Sugere-se, portanto, um investimento na formação comunicacional dos profissionais de saúde desde a graduação e ações de educação permanente no cotidiano da ESF. No caso dos médicos, a competência comunicacional está inclusa nas Diretrizes Curriculares Nacionais desde 2014, mas na prática limita-se a oferta de algumas disciplinas optativas ou a apresentação do conteúdo de maneira informal e pontual. Conhecer técnicas de habilidades comunicacionais baseadas em atitudes como a orientação clara dispensada no atendimento, durante visitas domiciliares, realização de exames e outras atividades vai refletir diretamente no fortalecimento do vínculo do usuário não somente com o profissional, mas com o próprio serviço de saúde e, coletivamente, com a comunidade do qual esse indivíduo faz parte. Aprofundar essas questões leva a uma reflexão acerca da influência da comunicação no empoderamento das pessoas, no sentido de abrir um mundo de conhecimentos que antes não estava acessível. Tal processo emerge a partir do desenvolvimento do pensamento crítico. Não se trata de dar poder as pessoas, mas torná-las capazes de ganhar poder sobre suas próprias vidas, impactando nas relações sociais e no fortalecimento de uma cidadania plena.