Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Educação Popular e Plantas Medicinais na Atenção Básica à Saúde
Grasiele Nespoli, Camila Furlanetti Borges, Andrea Márcia de Oliveira Gomes, Daiana Crús Chagas, João Vinícius dos Santos Dias, Leila Mattos, Maria Behrens, Paulo Henrique de Oliveira Leda

Última alteração: 2022-01-20

Resumo


O trabalho aborda a experiência de um curso sobre educação popular e plantas medicinais na atenção básica, construído no sentido de favorecer o processo de implementação das Políticas Nacionais de Educação Popular em Saúde, de Práticas Integrativas e Complementares, de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta, e de Atenção Básica. O objetivo do curso é formar trabalhadores da atenção básica do SUS para o desenvolvimento de ações de valorização, reconhecimento e integração dos saberes populares e tradicionais de cultivo, coleta, preparo e uso de plantas medicinais no cuidado à saúde em uma perspectiva participativa, agroecológica e comunitária. Suas bases firmam-se em princípios da educação popular e na pedagogia freiriana que defende a educação como ato político comprometido com a transformação social e a superação das formas de opressão, dominação e colonialismo. Seguindo as premissas da educação popular, o processo foi feito de forma coletiva e dialógica por trabalhadores com diferentes formações (psicologia, farmácia, agronomia, história, comunicação, biologia e serviço social) que atuaram no desenvolvimento de recursos educativos, na construção, implementação e condução do curso, na sistematização, avaliação e análise da experiência. A trajetória formativa do curso é ordenada por encontros para partilhas e trocas de saberes e práticas, intercalados com momentos de inserção nos territórios para diálogo, investigação, análise crítica da realidade e sistematização dos saberes populares e tradicionais de uso de plantas por meio da construção de um herbário coletivo. Foram elaborados um jogo e um livro. Este organiza a trajetória formativa em duas partes e oito eixos temáticos: Primeira parte - Educação popular, atenção básica e plantas medicinais: o valor da cultura e da ciência: 1) O coletivo, a educação popular e as experiências de vida e trabalho; 2) Os saberes e as práticas de cuidado; 3) As plantas medicinais e a fitoterapia na Atenção Básica; 4) A importância dos saberes populares para o conhecimento científico das plantas medicinais; 5) Os saberes populares e os modos de uso e preparo das plantas medicinais. Segunda parte - Cultivar plantas e semear o cuidado: a horta como projeto popular: 6) O território e a dimensão comunitária da horta; 7) O cuidado com as plantas no preparo e uso medicinal; 8) A sistematização dos saberes sobre as plantas medicinais e da experiência formativa. O jogo, Semeando o cuidado, aposta na construção compartilhada do conhecimento a partir do diálogo e da investigação de saberes em um território que tem uma unidade de saúde como centro. Os jogadores são agentes de saúde que possuem habilidades de “mestres” (das plantas, do compartilhamento, do diálogo ou da curiosidade). Movimentam-se no território em busca de saberes (demandas de saúde, indicações de cuidado com plantas medicinais, receitas de preparo de remédios caseiros) e de plantas que podem ser cultivadas em hortas ou coletadas em atalhos. De forma cooperativa, os jogadores precisam formar quatro conjuntos de saberes e enfrentar obstáculos e eventos que acontecem ao longo das rodadas. Junto ao jogo foi disponibilizado um livreto de regras que agrega um texto explicativo das 16 espécies indicadas para atender demandas de saúde; também há dois tutoriais em vídeo, um com as regras do jogo e outro simulando uma partida. O curso foi planejado inicialmente para acontecer de forma presencial, com 176 horas distribuídas em 17 encontros e 5 momentos de inserção com duração de 8 horas cada. Contudo, com a pandemia e a suspensão do ensino presencial, foi necessário adequar o curso para modalidade remota, impondo a necessidade de apropriação tecnológica por parte de educadores e educandos, e de redução de sua carga horária para 54 horas, distribuídas em 12 encontros síncronos e 12 atividades assíncronas. Na primeira parte do curso, além do debate sobre os temas propostos, os educandos elaboraram um herbário virtual com imagens, nomes populares e botânicos, e textos explicativos sobre as indicações, os modos de preparo, uso e cultivo das plantas investigadas. Na segunda parte, a partir da reflexão sobre a agroecologia, foram pensadas as condições para a construção de hortas comunitárias de plantas medicinais e elaborados, pelos educandos, planos para implementação de ações educativas e de cuidado envolvendo plantas medicinais. Os planos apresentaram propostas de rodas de conversa com moradores dos territórios, investigação sobre o uso de plantas, memórias afetivas e práticas de cuidado, trocas de mudas, construção de canteiros, cultivo de plantas, cantinho do chá no acolhimento de usuários, uso do jogo em escolas e grupos comunitários, entre outras ideias. O jogo foi utilizado como ferramenta pedagógica nas duas partes do curso, estimulando a apropriação do mesmo como ferramenta para o trabalho de educação em saúde na atenção básica. Foi possível oferecer apoio institucional para atender alguns planos de ação: implementação de 8 hortas medicinais em 5 municípios (Teresópolis, Nova Friburgo, Cachoeira de Macacu, Petrópolis e São Gonçalo), rodas de conversa presenciais e distribuição de sementes e mudas junto à população. O desenvolvimento do curso durante a pandemia enfrentou diversos desafios, como sua adequação emergencial à modalidade remota e a liberação e permanência dos trabalhadores da saúde no curso, visto que estavam sobrecarregados em função das ações de enfrentamento à pandemia, o que gerou a evasão de 11 dos 80 educandos (das 3 turmas). O momento de implementação dos planos de ação foi fundamental para superar as limitações do ensino remoto, principalmente para um curso que tem o encontro, a presença, o diálogo e a partilha como alicerces de sua prática. Vale reconhecer como aspectos positivos da formação remota a maior abrangência do curso, que colocou pessoas de diferentes lugares em contato, e o apoio  das tecnologias digitais para gestão de conteúdo e recursos audiovisuais. A experiência foi muito satisfatória e semeou bons resultados, revelando o interesse de trabalhadores da saúde de se aproximarem e conhecerem mais as potencialidades da educação popular no resgate dos saberes e práticas de plantas medicinais e na construção do cuidado em perspectiva ampliada. As plantas medicinais, para além de remédios, figuraram um dispositivo pedagógico para pensarmos formas de cuidado comprometidas com o conceito ampliado de saúde, capazes de abarcar a intervenção nas condições materiais da vida, dentre outras coisas, com investimento em saneamento, soberania alimentar, práticas de cultivo agroecológicas e relações comunitárias colaborativas e solidárias. A integração das plantas no cuidado é, nesse horizonte, uma forma de promover a reflexão sobre a indissociabilidade entre o local e o global, entre as partes e a totalidade que constituem a vida. As plantas são seres vivos e vitais para nós humanos. Pensá-las no cuidado é uma forma de entender que para a produção da saúde importa a água, a terra, os alimentos, o direito a bens que não deveriam ser tratados como mercadorias. Para isso é preciso enfrentar a ordem social neoliberal, engrenagem que mercantiliza a vida, gera modos de exploração, opressão e dominação dos trabalhadores e de todos seres vivos, degrada o ambiente e silencia culturas tradicionais como as dos povos indígenas, quilombolas, caiçaras e camponeses, que são resistências por serem existências que preservam a vida e apostam que “o amanhã não está a venda”.