Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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INSERÇÃO DE RACIONALIDADES MÉDICAS E PICS EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA FEDERAL
Maria Eneida Almeida, Paulo Roberto Barbato

Última alteração: 2022-01-20

Resumo


APRESENTAÇÃO

A partir da segunda metade do século XX o paradigma biomédico, proveniente da racionalidade científica moderna, entrou em crise. Esta crise se fundamenta nos altos custos relacionados aos avanços biotecnológicos, bem como na baixa resolutividade para tratamento de doenças crônicas que exigem cuidados longos, contínuos e atingem grande parte da população mundial.Como resposta à crise, desde a década de 1970, a OMS orienta o reconhecimento das Medicinas Tradicionais oriundas de culturas ancestrais, conhecidas por Medicinas Tradicionais Complementares e Integrativas (MTCI). Elas foram impulsionadas pelas políticas desenvolvidas a partir da Declaração de Alma-Ata e da Carta de Otawa e estão relacionadas a sistemas médicos complexos distintos da Medicina Ocidental Moderna. No Brasil, esses conhecimentos são também conhecidos como Racionalidades Médicas ou Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS).Na década de 1990 foram elaboradas grandes estratégias mundiais com a finalidade de estimular a implantação de MTCI, nos sistemas públicos de saúde, que visam a elaboração de políticas nacionais, legislações e regulamentações próprias na atenção à saúde, educação e gestão, buscando integrar e complementar a medicina convencional a saberes e práticas do paradigma vitalista.No Brasil, os movimentos iniciaram na 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986 e em 2006 a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) inseriu oficialmente o paradigma vitalista no SUS, propiciando articulação com o paradigma biomédico. O Brasil é vanguarda deste movimento na América Latina e no mundo. Entretanto, um dos desafios, nacional e internacionalmente, é a inserção de MTCI nos currículos dos cursos de graduação e de pós-graduação com a finalidade da qualificação profissional dos egressos nesta temática.O objetivo deste relato é registrar experiências de inserção do tema no campo da Saúde Coletiva na Universidade Federal da Fronteira Sul - campus Chapecó e assim contribuir com o desafio posto, bem como participar da reflexão contemporânea sobre a crise mundial do paradigma biomédico no sistema público de saúde.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

As MTCI/PICS foram inseridas no período 2017-2020, nas dimensões de Ensino (graduação e pós-graduação), Pesquisa e Extensão.Na dimensão Ensino, na graduação em medicina é ministrada uma aula de Racionalidades Médicas e PICS de 4 h/a no componente Saúde Coletiva VI,  que introduz o tema. O ponto central desta aula é reconhecer a existência de novos saberes e práticas inseridos no SUS que visam à promoção, prevenção e reabilitação da saúde mediante fortalecimento das equipes da atenção primária. O reconhecimento da trajetória nacional e mundial busca a aceitação de outras culturas e valorização de outras medicinas do paradigma vitalista, reduzindo o preconceito convencional. Outra iniciativa foi a oferta de componente optativo de 36 h/a, também no terceiro ano. Na primeira oferta foi realizada uma pesquisa com a finalidade de avaliar o interesse dos acadêmicos na temática e assim dimensionar a possibilidade da continuidade e ampliação desta iniciativa.Na pós-graduação, o Curso de Especialização em Saúde Coletiva contou com o componente Racionalidades Médicas e PICS, de 36 h/a. Os objetivos foram: contextualizar a construção deste campo na Saúde Coletiva; conhecer algumas medicinas vigentes no mundo e reconhecidas pela OMS; reconhecer a transformação paradigmática do processo saúde-doença; contribuir no reconhecimento do valor de equipes multiprofissionais na resolutividade da atenção primária; identificar recursos terapêuticos das PICS; contribuir na valorização do autocuidado e das práticas corporais e mentais; e vivenciar práticas individuais e coletivas utilizadas no SUS.Na dimensão Pesquisa, três iniciativas foram aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFFS e desenvolvidas.A primeira teve base na articulação da UFFS com um serviço da atenção secundária da Secretaria de Saúde de Chapecó que ofertava PICS aos usuários. Buscou-se identificar o número de atendimentos para enfrentamento de patologias relacionadas às atividades dos trabalhadores que geraram bem-estar e qualidade de vida, sobretudo com redução da dor.A segunda pesquisa foi desenvolvida com os estudantes matriculados na primeira turma do componente optativo acima citado. O objetivo principal foi avaliar o interesse dos acadêmicos para aprimorar conteúdos, ampliar estratégias didáticas e manter a oferta. Os resultados demonstraram o grande interesse dos estudantes e, portanto, a relevância da oferta.A terceira pesquisa foi uma monografia do curso de especialização em Saúde Coletiva que investigou a percepção dos profissionais de saúde da atenção primária de um município do oeste catarinense em relação às PICS, particularmente a Medicina Ayurvédica. O estudo constatou o reconhecimento e o valor que as PICS têm no cotidiano de cuidado dos profissionais da APS com ampliação do olhar para integrar outras racionalidades médicas como novas abordagens no cuidado, focando no cuidado integral e holístico, escuta ativa e promoção do autocuidado.Na dimensão Extensão o tema foi contemplado em dois projetos. O primeiro possibilitou espaço para os acadêmicos serem introduzidos em práticas do paradigma vitalista; reconhecer racionalidades médicas orientadas pela OMS; conhecer a PNPIC; identificar novos recursos terapêuticos; vivenciar práticas utilizadas no SUS; valorizar o autocuidado e as práticas corporais e mentais, além de possibilitar atendimentos à comunidade acadêmica. A criação deste espaço propiciou condições para vivenciar e debater outras medicinas em atividades coletivas através de rodas de conversa e experimentação de práticas relacionadas às MTCI/PICS.A segunda iniciativa envolveu o Complexo Prisional de Chapecó e teve a finalidade de atender a população encarcerada, gestores e agentes penitenciários. Uma das ações contribuiu com a demanda interna de construção de um horto medicinal, desde o plantio, identificação e uso através de chás, tinturas, cataplasmas e xaropes. Trabalhou-se conhecimentos sobre Plantas Medicinais como opções terapêuticas para a Unidade Básica de Saúde do Complexo Prisional. Em outra ação, gestores e agentes puderam participar de oficinas de redução de stress através de práticas de yoga e meditação.

IMPACTOS

As experiências desenvolvidas tiveram caráter embrionário, pontual, vertical e informativo, porém com o mérito de inovar no processo formativo de médicos e de especialistas em Saúde Coletiva.A inserção de MTCI/PICS em uma instituição federal de ensino superior, veio ao encontro das políticas nacionais e mundiais, tanto da Saúde quanto da Educação, e propiciaram o debate sobre a crise do paradigma biomédico contemporâneo.No campo do ensino, tanto na graduação quanto na pós-graduação, é possível afirmar que as experiências refletiram o desejo de conhecimento de outras práticas em saúde. Isto confirma que o desconhecimento ou o não-reconhecimento de outros sistemas de cura pela academia é um dos fatores de subjugação e preconceito ao que é diferente, por consequência dificultando a integração paradigmática que valorize saberes e práticas de outros sistemas médicos.As pesquisas e extensões realizadas fortaleceram o campo das Racionalidades Médicas e PICS na universidade, destacando a potência da inserção do paradigma vitalista na busca de integrar e complementar as práticas convencionais da medicina ocidental. Esse reconhecimento na atenção/assistência, educação e gestão permitiu que profissionais, usuários, acadêmicos, docentes e técnicos pudessem valorizar, em momentos e espaços diferenciados, terapêuticas de cuidado humanizado que produzem saúde com bem-estar e qualidade de vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É relevante o reconhecimento de que as Medicinas Tradicionais são  realidade e práticas cotidianas dos serviços públicos em grande parte dos países do mundo, inclusive do Brasil. O que está em curso é uma transcendência teórica e prática que trará uma nova realidade para a academia. E isso já está acontecendo, fazendo emergir simultaneamente desafios e contradições, onde a realidade vivenciada comprova essas tendências para os sistemas públicos de saúde.