Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Temperando a graduação: o tecer das Nossas Rodas de Conversa na pandemia de COVID-19
Luana Papelbaum Micmacher, Maria Gabriela Mariano Machado, Bruna Pereira Ramos, Beatriz Fernandes de Souza, Juliane Silva da Cruz, Valéria Ferreira Romano, Cristal Moniz de Aragão, Priscilla da Silva Thomazio, Luan Limoeiro Silva Hermogenes do Amaral

Última alteração: 2022-01-25

Resumo


Este trabalho surge a partir das experiências compartilhadas pela equipe do Programa de Extensão Cuidado em Saúde na Atenção Primária, que reúne estudantes e professoras da área de saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com a chegada da pandemia de COVID-19 no Brasil e a necessidade do distanciamento social, foi necessário pensar formas de viabilizar o exercício do cuidado por novas conexões mediadas pelas tecnologias da informação e comunicação. Nesse processo, criamos um grupo chamado  Nossas Rodas de Conversa, com o objetivo de promover o diálogo, produzir troca de conhecimentos com pessoas e coletivos interessados na convivência, estimular a fala crítica, a escuta sensível, o compartilhamento da vida cotidiana, ou seja, compor um espaço de acolhimento. Tal proposta se situa dentro de um projeto mais amplo: o Centro de Convivência Virtual (Cecos), que articulou profissionais da FIOCRUZ, UFRJ, IFRJ e Centros de Convivência já existentes fisicamente pelo Estado do Rio de Janeiro, a fim de promover cuidado de forma longitudinal e integral na pandemia. Este grupo se empenhou na  criação de um site e do que chamamos de agenda conviver, oferecendo atividades online para usuários da Rede de Atenção Psicossocial, ou pessoas interessadas em conhecer e conviver com outras pessoas. Para nós, que nunca tínhamos proposto atividades mediadas por tecnologias da informação e da comunicação,  foi necessário estudar e exercitar a proposta de promover grupos a partir da experiência online. O exercício de construir e testar os temas e oficinas propostos para os encontros do Cecos possibilitou, de forma coletiva, uma ampla troca de afetações e construções dialógicas, centralizadas na escuta, no acolhimento e no cuidado entre os membros da própria equipe. Dessa forma, partindo de estruturas hierarquizadas - da Universidade Pública e da Saúde -, desenvolver oficinas que viabilizam a expressividade e a escuta nos colocou em encontro com sentimentos que pediam passagem, pois também somos seres desejosos de convivência! Assim, surgiu o  medo, amparo, entusiasmo, tensão de lidar com o novo, e com o que nos é desconhecido e negado no tocante a esse lugar da expressividade, do diálogo e do corpo, dentro das instituições de ensino. Essa percepção é central para compreender o que muitas vezes fica de fora no ensino em saúde. Orientadas pela pedagogia Freireana, Nossas Rodas de Conversa possuem como metodologia uma política libertadora que favoreça a emancipação de todos. A elaboração e testagem dos temas das oficinas de nosso Programa de Extensão se deu a partir de atividades coletivas, levando em consideração as demandas e interesses apresentados tanto por parte dos participantes membros da equipe do projeto quanto dos demais conviventes, que participaram do ciclos por meio do Cecos Virtual, em encontros previamente desenvolvidos. Com o estudo para o desenvolvimento de nossas rodas, pudemos construir conhecimentos e debates diversos de forma acessível, carregada de afetações e desejos por possibilidades de tocar corpos, habitar territórios comuns e praticar a alteridade em sua plenitude, experiência que se contrapõe ao que muitos nos é demandado na área da saúde: impessoalidade, pretensa neutralidade e hierarquização. Foram construídas em equipes rodas com temáticas diversas como: processos de saúde, infância e cuidado, envelhecimento e sexualidade, feminismo e saúde mental, dentre outros. Nessa produção foram utilizados métodos diversos para o estabelecimento de um diálogo lado a lado, de forma que todas as vozes tenham seu lugar, todos possam se sentir à vontade para expressar sentimentos, sensações, lembranças e pensamentos de sua maneira, com sua linguagem e suas ferramentas. Práticas corporais, contação de histórias (e até mesmo contos infantis), leitura de relatos, utilização de músicas e poemas foram algumas das várias maneiras propostas na elaboração das rodas. A cada semana, nas reuniões da equipe, era realizada uma das oficinas, facilitadas por duas ou três de nós. Chamamos esse lugar de facilitação, já que a proposta não é uma centralidade nessa que propõe a roda, mas sim que ela possa, de certo modo, estar ao mesmo tempo entre um espaço vazio, que dê lugar para que a palavra possa circular, mas também preenchendo ali seu espaço pessoalizado, já que as facilitadoras são, elas mesmas, conviventes da roda de conversa. Fomos construindo a compreensão de que a facilitação é como a cozinha: O papel da facilitadora é ir, salpicando um tempero, e acolhendo aquilo que vem desse salpicar. É, ao pontuar aqui e ali uma pergunta, contar um causo, apresentar uma poesia, assim vai se dando mais caldo à roda, mas quem a alimenta, de fato, são todos os conviventes. Na situação da testagem, são todos e todas estudantes e as professoras que entram na experiência desse partilhar. Ocupar esse lugar de facilitadora trouxe, para algumas, receio, por não saber muito bem o que o seria. Tal ponto nos leva a pensar o que de fato é nosso lugar quando estamos em situações de prática no campo da área da saúde. Durante a pandemia, o sentimento foi de um grande afastamento de práticas corpo a corpo, o que provocou, para muitos, uma sensação ainda maior de falta de habilidade. A impossibilidade de se estar presencialmente entre vários trouxe, a nós, algo que talvez até poderia aparecer de outro modo: o fato de que só se faz fazendo. A insegurança de ocupar esse ou aquele lugar como estudante da área da saúde vem à tona nesse momento, mas é experienciando e se autorizando a se colocar como pessoa que conseguimos construir corpo para um devir psicóloga que, se expõe cada dia mais, que é um processo constante, que se prolongará ao longo de toda a vida. Assim, as rodas se efetivaram como um verdadeiro intercâmbio de experiências, de modo a construir e reconstruir novos significados e maneiras de existência, fundados e centralizados na escuta, no acolhimento e no pensamento crítico. Pelo imperativo do cuidado que se torna possível fazer das Nossas Rodas de Conversa uma construção coletiva, constantemente inventada pelo vínculo, pela segurança e confiança mútuas - pactuadas no sigilo antes de iniciarmos cada oficina. Vínculo como aquilo que ata, liga, vincula uma ou mais coisas, dessa forma, é por meio dele que é viável uma produção de cuidado e confiança entre os participantes, a muitas mãos, além dele, temos o sigilo como aquilo que pretende garantir um lugar confortável de expressão, sem censura ou limitações. Portanto, é importante pensar as Rodas como um espaço de fortalecimento de rede e criação de novos laços. Está como um para além de uma experiência pedagógica, as Rodas de Conversa se configuram como um respirar em tempos de pandemia e escassez de trocas coletivas. Tais processos, portanto, tornam a experiência da formação mais rica e fértil, ao propiciar aos estudantes um modo ampliado e implicado de promover a circulação da palavra e da escuta, ampliando assim também a própria noção do que é saúde.