Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-01-25
Resumo
Este trabalho surge a partir das experiências compartilhadas pela equipe do Programa de Extensão Cuidado em Saúde na Atenção Primária, que reúne estudantes e professoras da área de saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com a chegada da pandemia de COVID-19 no Brasil e a necessidade do distanciamento social, foi necessário pensar formas de viabilizar o exercício do cuidado por novas conexões mediadas pelas tecnologias da informação e comunicação. Nesse processo, criamos um grupo chamado Nossas Rodas de Conversa, com o objetivo de promover o diálogo, produzir troca de conhecimentos com pessoas e coletivos interessados na convivência, estimular a fala crítica, a escuta sensível, o compartilhamento da vida cotidiana, ou seja, compor um espaço de acolhimento. Tal proposta se situa dentro de um projeto mais amplo: o Centro de Convivência Virtual (Cecos), que articulou profissionais da FIOCRUZ, UFRJ, IFRJ e Centros de Convivência já existentes fisicamente pelo Estado do Rio de Janeiro, a fim de promover cuidado de forma longitudinal e integral na pandemia. Este grupo se empenhou na criação de um site e do que chamamos de agenda conviver, oferecendo atividades online para usuários da Rede de Atenção Psicossocial, ou pessoas interessadas em conhecer e conviver com outras pessoas. Para nós, que nunca tínhamos proposto atividades mediadas por tecnologias da informação e da comunicação, foi necessário estudar e exercitar a proposta de promover grupos a partir da experiência online. O exercício de construir e testar os temas e oficinas propostos para os encontros do Cecos possibilitou, de forma coletiva, uma ampla troca de afetações e construções dialógicas, centralizadas na escuta, no acolhimento e no cuidado entre os membros da própria equipe. Dessa forma, partindo de estruturas hierarquizadas - da Universidade Pública e da Saúde -, desenvolver oficinas que viabilizam a expressividade e a escuta nos colocou em encontro com sentimentos que pediam passagem, pois também somos seres desejosos de convivência! Assim, surgiu o medo, amparo, entusiasmo, tensão de lidar com o novo, e com o que nos é desconhecido e negado no tocante a esse lugar da expressividade, do diálogo e do corpo, dentro das instituições de ensino. Essa percepção é central para compreender o que muitas vezes fica de fora no ensino em saúde. Orientadas pela pedagogia Freireana, Nossas Rodas de Conversa possuem como metodologia uma política libertadora que favoreça a emancipação de todos. A elaboração e testagem dos temas das oficinas de nosso Programa de Extensão se deu a partir de atividades coletivas, levando em consideração as demandas e interesses apresentados tanto por parte dos participantes membros da equipe do projeto quanto dos demais conviventes, que participaram do ciclos por meio do Cecos Virtual, em encontros previamente desenvolvidos. Com o estudo para o desenvolvimento de nossas rodas, pudemos construir conhecimentos e debates diversos de forma acessível, carregada de afetações e desejos por possibilidades de tocar corpos, habitar territórios comuns e praticar a alteridade em sua plenitude, experiência que se contrapõe ao que muitos nos é demandado na área da saúde: impessoalidade, pretensa neutralidade e hierarquização. Foram construídas em equipes rodas com temáticas diversas como: processos de saúde, infância e cuidado, envelhecimento e sexualidade, feminismo e saúde mental, dentre outros. Nessa produção foram utilizados métodos diversos para o estabelecimento de um diálogo lado a lado, de forma que todas as vozes tenham seu lugar, todos possam se sentir à vontade para expressar sentimentos, sensações, lembranças e pensamentos de sua maneira, com sua linguagem e suas ferramentas. Práticas corporais, contação de histórias (e até mesmo contos infantis), leitura de relatos, utilização de músicas e poemas foram algumas das várias maneiras propostas na elaboração das rodas. A cada semana, nas reuniões da equipe, era realizada uma das oficinas, facilitadas por duas ou três de nós. Chamamos esse lugar de facilitação, já que a proposta não é uma centralidade nessa que propõe a roda, mas sim que ela possa, de certo modo, estar ao mesmo tempo entre um espaço vazio, que dê lugar para que a palavra possa circular, mas também preenchendo ali seu espaço pessoalizado, já que as facilitadoras são, elas mesmas, conviventes da roda de conversa. Fomos construindo a compreensão de que a facilitação é como a cozinha: O papel da facilitadora é ir, salpicando um tempero, e acolhendo aquilo que vem desse salpicar. É, ao pontuar aqui e ali uma pergunta, contar um causo, apresentar uma poesia, assim vai se dando mais caldo à roda, mas quem a alimenta, de fato, são todos os conviventes. Na situação da testagem, são todos e todas estudantes e as professoras que entram na experiência desse partilhar. Ocupar esse lugar de facilitadora trouxe, para algumas, receio, por não saber muito bem o que o seria. Tal ponto nos leva a pensar o que de fato é nosso lugar quando estamos em situações de prática no campo da área da saúde. Durante a pandemia, o sentimento foi de um grande afastamento de práticas corpo a corpo, o que provocou, para muitos, uma sensação ainda maior de falta de habilidade. A impossibilidade de se estar presencialmente entre vários trouxe, a nós, algo que talvez até poderia aparecer de outro modo: o fato de que só se faz fazendo. A insegurança de ocupar esse ou aquele lugar como estudante da área da saúde vem à tona nesse momento, mas é experienciando e se autorizando a se colocar como pessoa que conseguimos construir corpo para um devir psicóloga que, se expõe cada dia mais, que é um processo constante, que se prolongará ao longo de toda a vida. Assim, as rodas se efetivaram como um verdadeiro intercâmbio de experiências, de modo a construir e reconstruir novos significados e maneiras de existência, fundados e centralizados na escuta, no acolhimento e no pensamento crítico. Pelo imperativo do cuidado que se torna possível fazer das Nossas Rodas de Conversa uma construção coletiva, constantemente inventada pelo vínculo, pela segurança e confiança mútuas - pactuadas no sigilo antes de iniciarmos cada oficina. Vínculo como aquilo que ata, liga, vincula uma ou mais coisas, dessa forma, é por meio dele que é viável uma produção de cuidado e confiança entre os participantes, a muitas mãos, além dele, temos o sigilo como aquilo que pretende garantir um lugar confortável de expressão, sem censura ou limitações. Portanto, é importante pensar as Rodas como um espaço de fortalecimento de rede e criação de novos laços. Está como um para além de uma experiência pedagógica, as Rodas de Conversa se configuram como um respirar em tempos de pandemia e escassez de trocas coletivas. Tais processos, portanto, tornam a experiência da formação mais rica e fértil, ao propiciar aos estudantes um modo ampliado e implicado de promover a circulação da palavra e da escuta, ampliando assim também a própria noção do que é saúde.