Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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VULNERABILIDADES, ESTIGMA E PRECONCEITO DAS PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS: ELEMENTOS PARA UMA RUPTURA BIOGRÁFICA?
Talita Miranda Pitanga Barbosa Cardoso, Ana Beatriz Barros Ferreira da Silva, Rocío Andrea Cornejo Quintana, Caroline Raíza Dourado Lima, Magno Conceição das Mercês, Silvana Lima Guimarães França, Marcia Cristina Graça Marinho, Marcio Costa de Souza

Última alteração: 2022-01-28

Resumo


APRESENTAÇÃO

No início da epidemia por HIV, por volta do início dos anos 1980, articulações discursivas biomédicas e midiáticas atribuíam a responsabilidade da epidemia aos homossexuais, estrangeiros, imigrantes e turistas, especialmente africanos e haitianos, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis. Isso potencializou a estigmatização sobre determinadas populações, particularmente a população negra e LGBTQIA+ e sua consequente resposta comportamental, a discriminação.

A estigmatização dessas minorias, à luz da biopolítica e mais atualmente pela necropolítica, evidenciam estratégias de controle sobre os corpos, a vida e a morte, por meio das teias de articulação dos micro-poderes fortalecidos pelo neoliberalismo que agenciam políticas de exceção. A desumanização do colonizado, hoje estigmatizado, é normalizada e a partir disso todas as atitudes de extermínio, de controle e eliminação das subjetividades fazem parte de um movimento de aceitação e silenciamento.

Desta forma, a ruptura biográfica tem sido uma perspectiva adotada por alguns estudiosos que buscam o entendimento dos processos de adoecimento no caso de diagnóstico de doenças crônicas, como é classificada hoje a infecção por HIV. A experiência do diagnóstico pode afetar os modos de existência, o que poderá conduzir a uma reconstrução de narrativas da vida.

Desta forma, esta pesquisa tem como objetivo descrever sobre os efeitos do estigma, preconceito e das vulnerabilidades em PVHA e as consequências na ruptura biográfica.

METODOLOGIA

Este estudo trata-se de uma revisão de literatura, com período de coleta realizado entre julho e dezembro de 2021. A pesquisa abrange artigos científicos publicados em revistas indexadas com os mais diversos delineamentos, publicados nos últimos 10 anos, nos idiomas português e inglês.

As buscas dos artigos foram realizadas nas bases de dados eletrônicas: Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), PubMed e SciELO (Scientific Electronic Library Online). Foram utilizadas as palavras-chave: Preconceito; Assistência Centrada no Paciente; HIV; e suas respectivas traduções em inglês (acrescidas dos operadores booleanos “AND” e “OR”), escolhidas mediante consulta prévia aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). O rastreamento foi realizado por meio das palavras encontradas nos títulos, assuntos e resumos dos artigos.

Alguns filtros disponíveis nas bases de dados foram adicionados para delimitação da pesquisa - textos completos; intervalo de ano de publicação: últimos 10 anos. Os artigos coletados foram selecionados por rastreio dos títulos (primeira etapa), resumos (segunda etapa) e leitura integral (terceira etapa). Posteriormente, foi realizada uma leitura exploratória dos estudos selecionados e, em seguida, leitura seletiva e analítica.

O processo de seleção e extração de dados dos artigos, assim como a identificação dos aspectos metodológicos foi realizado por dois revisores independentes. Quando ocorria algum desacordo entre eles, os revisores liam novamente o artigo na íntegra para reavaliação. Se a divergência persistisse, um terceiro revisor poderia decidir quais estudos deveriam ser selecionados, entretanto, não houve necessidade.

RESULTADOS

A resistência à discussão sobre identidade de gênero, reconhecimento social das profissionais do sexo, homossexualidade, direitos humanos, enfrentamento das desigualdades de gênero na sociedade, dentre outras discussões sociais que permeiam o combate à AIDS, interfere na assunção de que todas essas vidas são dignas e que devem ser construídas baseadas em projetos de felicidade. Portanto, a atual conjuntura aponta para uma contínua a tensão entre o fazer viver e o deixar morrer em que ações de solidariedade precisam ser fortalecidas ao que foi denominada terceira epidemia da AIDS, a epidemia da discriminação contra PVHA.

Destarte, o diagnóstico de HIV representa muito mais do que uma doença que se não tratada pode ser fatal, representa um cenário de possibilidade de estigmatização e reestruturação dos modos de existência. Esse olhar do outro que determinam quais são os padrões de “normalidade” e enquadra os seres viventes em desviantes desse padrão gera culpa, vergonha, raiva, confusão e desorganização identitária, além do que se denomina morte social ou civil. Esta se trata do sentimento de abreviação da vida e de diminuição do espaço de vida e exercício da cidadania, assim, além do medo da morte, têm medo de viver, principalmente pelas consequências sociais da AIDS.

Deste modo, encarar a AIDS como apenas como uma epidemia pode ser um equívoco, pois diante desse contexto, se torna também uma palavra de ordem que estabelece novos modos de agir, das práticas discursivas que contribuem para moldar uma cultura que invariavelmente pode ser prejudicial para uma sociedade que busca humanizar os processos de saúde-doença relacionados ao HIV.

Além disso, esse processo de estigmatização da população negra em relação a surtos epidêmicos reforça o quanto a área da saúde sofre influências do racismo estrutural e o quanto os estigmas fazem parte da estrutura de poder. Esses fatores contribuem para atravessamentos, agenciamentos e potencialização de eixos de opressão. Por esse motivo, a correlação entre raças e gêneros dominados e doenças sexualmente transmissíveis tende a ser um mecanismo eficaz de genocídio.

Os pressupostos trazidos pelo conceito de biopoder embasam o que ocorre na relação entre raça, gênero e saúde, em que o corpo da mulher negra, por exemplo, se torna objeto de múltiplas opressões. A biopolítica, a qual estabelece uma relação de poder sob coletivos e grupos, é um caminho adotado para a estigmatização desses seres viventes. Conectado a isso, as concepções colonialistas europeias e o imperialismo dos Estados Unidos permitem “deixar morrer” os segmentos de população que não entram nos parâmetros que podem contribuir para o desenvolvimento econômico e da ideia de modernização elitizada, justificando essa naturalização da dominação da vida e da morte desse público alvo. Além disso, a violência física e simbólica baseadas na hipererotização das mulheres negras culmina, ademais de outras implicações, na disseminação do HIV nessas pessoas.

Assim, diante dessa perspectiva, referir-se a saúde para essas pessoas não é falar somente de doenças e sim experiências que são vivenciadas pelo corpo. Bem como falar sobre cura não é falar somente de tratamentos, mas também de empoderamento. É igualmente fundamental desvelar as políticas de exceção existentes que delimitam acesso conforme raça/cor, classe e gênero elegendo-os ou excluindo-os de cuidados em saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os problemas de saúde de um modo geral exigem uma reorganização de como a pessoa lida com sua rotina, rede social, laboral e familiar além de mudanças no autocuidado o que pode gerar processos de sofrimento psíquico. Para alguns seres, o diagnóstico de HIV não muda sua perspectiva de vida, seus desejos e expectativas quanto ao futuro, mas para outros há uma importante interdição de projetos de vida e fechar portas de antemão de sonhos e planos, gerando uma reconfiguração identitária.

Alguns desafios da nova realidade envolvem a tomada de medicamentos diariamente, as visitas regulares ao serviço de saúde e a revelação diagnóstica, fator em que quando não conseguem compartilhar o diagnóstico com familiares, o problema de saúde pode tornar-se um fardo. Diante desses fatores, o enfrentamento da nova realidade gera processos de subjetivação e significação profundos que podem levar pessoas a pensarem no suicídio.

Portanto, tal como um ser social é possível perceber o quanto o reconhecimento do PVHA perpassa pela sua relação consigo próprio e com a sociedade. O quanto à sociabilidade, apoio mútuo e amparo estatal permitem a reescrita da vida a partir das sensações de não controle sobre a ordem, sentido e coerência da vida, reconquistando modos de produção de vidas existenciais potentes.