Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A implantação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família em dois municípios do extremo sul do Brasil
Cintia Ramos Nicoes, Alan Goularte Knuth

Última alteração: 2022-01-24

Resumo


O objetivo principal deste estudo foi descrever o processo de implantação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF),com ênfase em questões relativas ao planejamento e à formulação das equipes em dois municípios do extremo sul do Brasil. Também buscou apresentar como a área da Educação Física foi inserida na composição dessa política.

Os locais do estudo correspondem aos municípios de São José do Norte e de Santa Vitória do Palmar, ambos situados na região sul do Rio Grande do Sul. São geograficamente similares, de pequeno porte e apresentam características de predominância rural. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, fruto da dissertação de mestrado em Educação Física, da Universidade Federal de Pelotas.

Os gestores de saúde dos municípios estudados foram ouvidos por meio de entrevistas semiestruturadas. No total foram consultados quatro gestores, dois de cada uma das localidades. A análise das entrevistas foi inspirada em algumas ferramentas da Análise Textual Discursiva (ATD).

Os NASFs estudados foram implantados em 2017 em São José do Norte e 2008 em Santa Vitória do Palmar com ampliação em 2018.  Ambos pertencem a modalidade de NASF 1. As categorias profissionais elencadas para a composição das equipes foram Assistência Social, Educação Física, Fisioterapia, Psicologia, Nutrição e Farmácia em São José do Norte, com um profissional de cada área.

Em Santa Vitória do Palmar, Nutrição, Psicologia e Fisioterapia, na fase inicial do Núcleo, com a seguinte distribuição de profissionais: dois, dois e quatro. Posteriormente, em 2018, houve a convocação da Educação Física e Assistência Social, com um profissional de cada área. Para o presente trabalho, analisou-se especificamente a implantação a partir da ampliação do NASF de 2008.

Os profissionais entrevistados por esse estudo estavam à frente dos núcleos no momento da implantação e da formulação das equipes. Assim, quando questionados sobre como e porque daquelas categorias profissionais, ambas as falas indicam um desdobramento multiprofissional, como é prerrogativa do NASF, porém a questão ainda reside em um saber- fazer uniprofissional. Por esse prisma, cada profissional – profissão foi idealizado conforme o seu papel, sua caixa, já que para cada categoria há uma especificidade e uma demanda de atuação. Se há indicação de formato mais assistencial e isolado, há um distanciamento de uma das balizes que sustentam os NASF como o trabalho em rede e em apoio matricial..

Na composição dos NASF estudados, há trabalhadores da Educação Física (TEF). Esse elemento torna-se importante, pois o núcleo da educação física é uma profissão menos tradicional na área da saúde pública. No âmbito federal, para essa categoria profissional, o NASF se consolida como espaço pioneiro de atuação na APS. Numericamente, esses dados são expressivos do ponto de vista de inserção em NASF, já que ainda no ano de 2013, segundo dados do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica das 17.157 equipes de saúde apoiadas pelo NASF, 87% delas contam com TEF na sua composição. Entre todas as profissões do NASF as cinco mais recrutadas foram a Fisioterapia, Nutrição, Psicologia, Serviço Social e Educação Física, respectivamente.

Outro elemento essencial abordado nesta pesquisa reflete em como a área da Educação Física se integra as equipes de NASF, advinda de um propósito em somente em atividades físicas, segundo os entrevistados. Ainda que tenha a presença neste cenário, também se consolida como área mais frágil em termos de vínculo empregatício, nos dois municípios e também explorada apenas por um dos seus elementos de intervenção. Cabe a área reivindicar os espaços de atuação alinhada com as projeções que permeiam políticas e programas do Sistema Único de Saúde, como é o caso do NASF, a fim de garantir uma apropriação que dialogue de maneira ampliada e circunscrita ao ideário proposto pelo campo teórico da Saúde Coletiva.

Outros dos principais resultados apontam para questões de matriz política como balizadoras para a conformação e tomada de decisão dos núcleos em todo o processo de planejamento e implantação, como a descontinuidade da gestão e a profissionalização dos gestores alheios ao setor de saúde pública.

Esse resultado converge com as discussões de Paim, onde o autor sinaliza que as questões de teor gerencial repercutem numa lacuna de imprevisibilidade e afetam diretamente a efetividade dos serviços. Em um dos municípios apresenta aa descontinuidade administrativa, o que acarreta um descompasso muito comum no trânsito entre gestão. Também prepondera o espectro que o gestor identifica como prioritário no gerenciamento do setor, com implicações naquele tempo e espaço. Em outras palavras, essas decisões dariam conta de uma proposição alinhada ao que fosse demandando naquele período como questões de saúde/ doença. Esse quadro situacional também é muito dinâmico, o que se conecta ao fator de tempo de espera entre o que foi solicitado e o momento de implantação.

Em outra fala do estudo aparece nitidamente a falta de profissionalização como componente principal no modo de gerência, sobretudo por lotar por cargos de confiança e possivelmente a burocratização na tomada das decisões. Nesse cenário, para o entrevistado, ficava muito mais nebuloso articular com o gestor da secretaria, pelo distanciamento das discussões em torno das problemáticas advindas do setor e pela não compreensão dos processos sanitários decorrentes da complexidade de gerir uma rede de saúde.

Por fim, em meio a toda complexidade de implantação e gerência dos NASFs, uma fala importante diz respeito às percepções dos entrevistados sobre antes e depois do núcleo.Foi consensual a questão da oferta de profissionais de diferentes áreas como um dos pontos altos do núcleo. As falas mais emblemáticas sobre esse aspecto mencionam a resolução de problemas de diversas ordens para além das questões de doença. É notória a compreensão, principalmente das gestoras , todas da área da Enfermagem - que a equipe mínima das UBSF possui um arsenal limitado, e que não dá conta de outras esferas da vida dos usuários e comunidade.

A partir desta análise foi possível vislumbrar que essa política de saúde assume uma estratégia importante de ampliação dos cuidados na rede de saúde dos municípios, sobretudo pelas características rurais, em decorrência de um cenário de difícil acesso e distantes dos centros de referência. O estudo apontou como as questões políticas são imperativas na condução e planejamento das decisões e como foi essencial para delimitar todos os processos que envolvem a organização dos núcleos, sobretudo no que tange a compreensão do que se propõe o NASF.

Essa pesquisa apresenta como limite as discussões sobre o processo posterior à implantação do NASF. Assim sugere-se um estudo que dê conta desses questionamentos além de como se organiza frente à operacionalização do dia a dia de NASF e as principais demandas nestes dois municípios. Sobre esses aspectos, futuras pesquisas serão encaminhadas, já que tais dados também foram produzidos a partir das falas dos entrevistados.

Não há dúvida de que existe uma distância significativa entre o que está preconizado nas normas de funcionamento de um programa e o que se concretiza na prática, e não poderia ser diferente, uma vez que essa passagem é resultado de um processo complexo, que envolve componentes políticos, tecnológicos, simbólicos, afetivos, que vão determinar o desenrolar, quando o programa passa de uma proposição teórica para a prática, submetendo-se às tensões e microprocessos de trabalho.