A qualificação da formação de profissionais no/para o Sistema Único de Saúde tem sido pautada com base na compreensão de que é necessária à integralidade do cuidado, à resolutividade do sistema e ao desenvolvimento profissional. Dentre os dispositivos voltados à educação na saúde, no Brasil, temos as Residências em Área Profissional da Saúde, que se constituem como programas de pós-graduação lato sensu voltados às profissões que se relacionam com a saúde. Surgiram como estratégia de formação pelo trabalho através da integração ensino-serviço, orientadas pelos princípios da Educação Permanente em Saúde. Diante das diferentes modalidades de programa, as Residências Multiprofissionais incorporam o trabalho em equipe como orientador da formação e da atuação.

A diversidade de programas e a capilaridade pelo território nacional, embora ainda desigual, apontam para a importância desse dispositivo na sustentabilidade da assistência à saúde. Tendo isso em vista, em razão da crise sanitária e social em função da pandemia de Covid-19, na qual as redes de saúde têm sido estratégicas para a prevenção e o cuidado da população, os/as profissionais residentes compõem a força de trabalho do enfrentamento e vivem experiências diversas, de acordo com o cenário em que atuam.

Diante disso, este trabalho apresenta uma pesquisa que tem como objetivo analisar as condições de trabalho de residentes das Residências Multiprofissionais hospitalares no município de Recife-PE, no contexto da pandemia de Covid-19. Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e analítico, que conta com uma das fontes de dados quantitativa. O caminho metodológico abarca a análise de dados oriundos da pesquisa “Condições de saúde e práticas de cuidado dos residentes em área profissional da saúde no contexto da pandemia da Covid-19” realizada pelo Observatório das Residências em Saúde (Fiocruz-Pernambuco). Um dos eixos de análise advém de um banco de dados gerado por um inquérito online feito com residentes em saúde vinculados a programas de residência e que estiveram em atividade no período de março de 2020 a 30 de abril de 2021. A participação foi voluntária e realizada através de resposta a um questionário, criado na plataforma google forms, divulgado a nível nacional. Foram obtidas respostas de 791 residentes de programas uni e multiprofissionais, bem como de residência médica. Os dados foram coletados no período de 28 de fevereiro a 30 de abril de 2021. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

O recorte aqui apresentado tem como foco as respostas de residentes de programas multiprofissionais desenvolvidos em hospitais do estado de Pernambuco e do município de Recife. Tais dados estão sendo analisados por estatística descritiva. Os resultados parciais apontam que participaram da pesquisa profissionais de 16 categorias, sendo 23,77% da Enfermagem, seguidos de 14,16% da Psicologia. A faixa etária predominante foi de 25 a 29 anos (53,61%). A maioria das participantes são mulheres cisgênero (79,27%), seguidas de homens cisgênero (16,06%). No quesito raça/cor, 54,11% dos/as participantes se autodeclararam brancas/os, 30,09% pardas/os e 13,27% pretas/os. A modalidade de residência multiprofissional representa 80,91% das respostas e o serviço no qual a maioria dos/as residentes desenvolveu maior parte da carga horária foram os hospitais, com 42,86%. O estado de Pernambuco contempla a maioria das respostas, com 25,41%.

No que diz respeito às condições de trabalho, a adaptação da prática profissional ao formato remoto foi majoritariamente sinalizada como algumas ações pontuais (58,15%). 32,11% dos/as participantes avaliam sua capacidade de resposta às necessidades de saúde da população colocadas pela pandemia. Os dados apontam que a maior parte dos/as residentes tiveram acesso aos EPIs, embora 25,16% ainda eram responsáveis por adquiri-los/improvisá-los. Sobre as medidas de higienização para evitar contaminação pelo Coronavírus, 13,53% informou não ter acesso à água e sabão sempre que necessário. Diante do contexto, as repercussões na saúde dos/as profissionais residentes foram significativas, com presença de alterações no sono (41,47%), humor (43,75%); mudanças no consumo de medicamentos e outras substâncias (24,40%). Tais dados levantam questões sobre as condições estruturais dos serviços, de biossegurança, de saúde dos/as profissionais, no contexto da formação e do trabalho. Bem como dialogam com os estudos que já vem apontando as condições precarizadas de trabalho e os desdobramentos no cuidado à/ao usuário e na saúde do/a profissional.

Desses dados, relacionados ao total de participantes, estamos desenvolvendo cruzamentos com os dados do estado e da capital de Pernambuco com as RMS hospitalares. Pressupomos que os dados estatísticos poderão contribuir na identificação de questões relacionadas ao cotidiano dos/as residentes no contexto da pandemia, mudanças nas atividades pedagógicas, condições de trabalho, entre outros. Essas questões darão pistas sobre aspectos que merecem aprofundamento no segundo eixo metodológico, que abarca trabalho de campo com os/as residentes de Recife.

Serão realizados grupos focais, com residentes de RMS hospitalares, que estiveram vinculados/as aos programas durante os anos de 2020 e 2021. Serão incluídos os programas desenvolvidos em hospitais públicos e filantrópicos que tiveram leitos de Unidade de Terapia Intensiva e de enfermaria habilitados para a Covid-19. Contemplaremos residentes que já estavam nos programas quando a pandemia foi instaurada e, por isso, viveram as adaptações abruptas; bem como os/as que ingressaram com a pandemia em curso e vivenciaram seus diferentes momentos. De modo que estaremos em diálogo com diferentes gerações de residentes. Propomos a participação de um/a residente de cada programa, independente da categoria profissional. Isso devido ao intuito de compreender as diferentes experiências nos hospitais, que serão melhor contempladas se não forem restritas a determinado núcleo profissional. Para seleção dos/as participantes, utilizaremos amostra por conveniência. O grupo será realizado de forma remota, ao vivo, tendo em vista a necessidade de distanciamento social para minimizar riscos de contaminação pelo novo Coronavírus. A análise dos dados do grupo será qualitativa e realizada através das técnicas da análise de conteúdo de Bardin.

Assim, propomos a apresentação dos dados já construídos e dos que serão analisados nos próximos meses. Não obstante, visto a necessidade de construir conhecimento científico e fortalecer as políticas de educação e saúde, a pesquisa poderá fomentar o debate sobre o lugar estratégico das RMS no enfrentamento da Covid-19, desafios e potencialidades nesse cenário.