Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Apoio Psicológico para profissionais da saúde: uma experiência de estágio em Psicologia
Johnatan Antoniolli Pralon, Paula Zini Moreira Aresi, Vanessa Spolador Lopes, Joana Paula de Souza Vieira, Roberta Belizário Alves

Última alteração: 2022-01-26

Resumo


Os atuais modelos de gestão do trabalho têm se apresentado como nocivos à saúde física e mental dos trabalhadores, sendo marcados por individualismo, competitividade, sobrecarga, falta de reconhecimento e de apoio social entre colegas de trabalho e chefias. A organização do trabalho somada à sobrecarga de atividades e funções dificultam o processo de apropriação do trabalho por parte dos trabalhadores, bem como a integração entre os profissionais e diferentes especialidades, estabelecendo um empecilho ao desenvolvimento de autonomia pelos trabalhadores. Tratando-se dos profissionais de saúde, os estressores não se resumem ao âmbito organizacional, uma vez que sua atividade laboral, em geral, envolve lidar diretamente com o sofrimento humano. Com a pandemia da Covid-19, a ansiedade e o medo ficaram ainda mais evidentes no cotidiano desses profissionais, além de gerarem outras consequências, como o afastamento de pessoas cujo vínculo afetivo era importante. Diante do exposto, o presente trabalho tem o propósito de compartilhar a experiência e produção de conhecimentos dadas a partir da disciplina de Estágio Específico do curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. O projeto de estágio visou oferecer apoio psicológico remoto para profissionais de saúde da rede pública municipal de Vitória, por meio de uma escuta especializada, que procurava favorecer a expressão emocional e auxiliar a lidar com as pressões, angústias e inquietações decorrentes da situação profissional vivenciada, através de ações de promoção da saúde, tanto individuais quanto coletivas. A realização dos atendimentos foi possível tanto por demanda imediata quanto por agendamento, de forma geral, as sessões tiveram uma duração de 40-60 minutos e foram discutidas em supervisão entre todos estagiários e a professora responsável pela oferta de estágio. Os contatos entre estagiários e pessoas atendidas, em sua maioria, foram feitos pelo e-mail do projeto de estágio, onde eram acordados os agendamentos, caso necessário, e enviados os links para os atendimentos. Para isso, os estagiários organizaram-se durante toda a semana e horário comercial (compreendendo parte da manhã, a tarde e início da noite), de modo que sempre estivesse alguém disponível para comunicação e atendimento dos profissionais da saúde. A ideia era que os trabalhadores pudessem buscar o serviço sempre que sentissem a necessidade, durante qualquer momento (durante o trabalho, intervalos, em casa etc) desde que respeitadas algumas condições básicas para o atendimento: privacidade, conforto e disponibilidade mínima para duração do encontro. Concomitantemente aos atendimentos, semanalmente eram elaborados materiais psicoeducativos, que também serviam para divulgar a iniciativa. Tais materiais foram importantes para elucidar de modo simples e direto questões que perpassam saúde e trabalho, o que resultou em respostas positivas por parte dos gestores e dos trabalhadores. A produção psicoeducativa propiciou aos estagiários uma instrumentalização e aprofundamento dos estudos em temas diversos relacionados à saúde do trabalhador. O apoio psicológico por ser uma modalidade de atendimento breve requer das pessoas responsáveis pela assistência psicológica um maior domínio de temas relevantes para o público-alvo e uma preparação anterior em relação a determinadas discussões, visto que nem sempre será possível ter um tempo posterior para leituras, formulação de entendimentos daquilo que é trazido pelos usuários e preparação de devolutivas. O projeto teve duração de seis meses, onde foram atendidos 15 profissionais, sendo 14 mulheres e um homem, e foram contabilizados o total de 42 sessões realizadas. A predominância de pessoas que identificam-se com o gênero feminino nos atendimentos reforça os achados em pesquisas que apontam as mulheres como mais propensas à busca por cuidados em saúde. Esses profissionais atuavam, em sua maioria, em hospitais, unidades básicas de saúde ou em prontos atendimentos. Quanto às suas profissões, quatro deles eram auxiliares ou técnicos de enfermagem e dois eram assistentes sociais, sendo os demais de profissões distintas entre si. As principais queixas que os levaram a procurar por apoio psicológico foram sintomas relacionados à saúde mental, especialmente ansiedade, depressão e sintomas somáticos, percebeu-se também um grande número de profissionais que fazem o uso de medicamentos psiquiátricos, colaborando com dados apontados por estudos que investigam as condições de saúde e destacam a necessidade de assistência e cuidados aos profissionais da saúde. Além disso, foram levantadas queixas sobre questões individuais, familiares e sobre aspectos do trabalho relacionados à vivência de sofrimento psíquico. A relação entre trabalho e sofrimento psicológico, muitas vezes, não era explícita durante os atendimentos. Alguns dos sujeitos atendidos relataram diretamente que aspectos do seu trabalho eram causadores de sofrimento, a exemplo das queixas sobre falta de apoio social no trabalho e insatisfação com ambiente laboral. Era possível perceber, no entanto, nuances da atividade laboral que estavam interligadas com algumas das queixas principais apresentadas pelos sujeitos. Grande parte dos profissionais atendidos relatam conviver com transtornos psíquicos e sofrimentos agudos que necessitam de uma maior atenção por parte das instituições de saúde. Notou-se ainda que comumente as condições de trabalho têm funcionado como agravantes desses quadros clínicos, uma vez que os trabalhadores são cada vez mais exigidos e não encontram apoio social nem cooperação para realização das atividades de trabalho. Dessa forma, torna-se imprescindível a cooperação e incentivo aos coletivos no ambiente laboral. Diante disso, o papel dos estagiários consistiu principalmente na escuta não julgadora desses trabalhadores, propondo reflexões de situações e encaminhamentos para outros profissionais se houvesse necessidade. Ademais, a experiência de estágio permitiu aos estudantes reflexões que exploraram a relação entre trabalho e saúde mental; práticas de cuidados direcionadas aos profissionais da saúde; especificidades do trabalho em saúde, elementos teóricos e metodológicos a respeito da modalidade de intervenção proposta pelo estágio. Entende-se que a aproximação com a prática de apoio psicológico e com os referenciais teóricos utilizados serviram para destacar as possíveis contribuições da psicologia ao trabalho no campo da saúde; os efeitos dos adoecimentos e sua relação com o trabalho; e por fim a importância do apoio e assistência aos trabalhadores da saúde. De certa forma, todos os movimentos realizados durante a experiência produziam pistas para atuação frente aos contextos de adoecimentos dos profissionais da saúde. Considera-se importante a produção de discussões acerca da saúde do trabalhador, evidenciando aspectos relevantes e úteis aos gestores e trabalhadores para que possam repensar suas práticas, a fim de produzir mudanças nos quadros de adoecimento no mundo do trabalho, reduzindo os efeitos prejudiciais ao cuidado em saúde. Assim, incentiva-se a criação de espaços em que os profissionais possam falar sobre suas questões com o trabalho, permitindo transformar suas relações e impressões acerca da atuação do outro, buscando estreitar vínculos entre os mesmos, assim como efetivar uma rede de apoio entre os trabalhadores dentro do ambiente de trabalho.