Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-01-30
Resumo
O Estágio Básico em Psicologia da Saúde se apresenta como uma prática importante no que concerne à formação do psicólogo. Considerando que a Psicologia fornece bases teóricas que embasam pilares essenciais para a promoção da saúde dos sujeitos, o presente trabalho busca compartilhar como o estágio em uma clínica multiprofissional e interdisciplinar, por meio de observações em campo e supervisões, contribui para compreensão de como ocorre o trabalho da Psicologia no campo da saúde, principalmente no que diz respeito à concepção do ser humano como um ser integral.
A Psicologia da Saúde consiste na utilização de métodos psicológicos que previnem e cuidam de aspectos relacionados à saúde, a qual é engendrada por diferentes aspectos que superam a dicotomia de saúde mental e saúde física. A Psicologia da Saúde se ocupa de como a subjetividade humana influencia a saúde do sujeito, considerando-o como um ser integral, inserido nos mais diversos contextos, isto é, o ser humano biopsicossocial. Essa perspectiva colabora para o entendimento de como os mais diversos aspectos relacionados à vida do sujeito podem contribuir para o seu processo de saúde/doença.
O modelo biopsicossocial reconhece que dimensões biológicas, psicológicas e socioculturais agem em relação para determinar a saúde e a vulnerabilidade do indivíduo à doença. Esse modelo consiste em sistemas contextualizados entre si, exigindo dos profissionais da saúde, uma avaliação multidimensional. Sendo assim, devem ser levados em conta os aspectos da doença em si, os comportamentos do paciente, os contextos social, familiar e cultural do enfermo, e também, o sistema de saúde no qual o usuário está inserido.
Considerando a importância do modelo biopsicossocial na prática do profissional da Psicologia, as instituições de ensino superior buscam proporcionar estágios curriculares nos quais os discentes consigam acompanhar atendimentos que considerem o ser humano na sua integralidade. Entretanto, é um desafio a formação de psicólogos com uma visão holística de saúde visto que os estágios de graduação frequentemente são realizados em serviços-escola de Psicologia.
Desde a década de 1960, com o surgimento dos cursos de graduação em Psicologia, criaram-se as primeiras clínicas-escola ou serviços-escola. Os serviços-escola visavam promover um desenvolvimento continuado da formação profissional do psicólogo, oferecendo apenas atendimentos psicológicos. Apesar dos serviços-escola contribuírem para a formação do profissional de Psicologia, esses serviços não contam com equipes multiprofissionais, fazendo com que os estagiários não tenham a experiência de trabalhar em uma perspectiva interdisciplinar. Diferentemente dos serviços-escola, uma policlínica possibilita o desenvolvimento profissional em equipes com múltiplas especialidades, enriquecendo a formação do psicólogo.
A Policlínica do Instituto Educacional de Serviço, Ensino e Pesquisa (IESEP), local onde foi realizado o estágio em Psicologia da Saúde relatado neste artigo, é uma instituição inserida na rede pública de saúde, prestando atendimentos multiprofissionais para a população do município de Registro, em São Paulo. Desde 2016, a Policlínica oferece serviços de enfermagem, educação física, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, nutrição, psicologia e serviço social. Os atendimentos são realizados por acadêmicos durante as práticas de estágio curricular, sendo as atividades supervisionadas por profissionais qualificados. O foco da Policlínica IESEP é oferecer serviços vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) de forma interdisciplinar e de abordagem humanizada. Além do serviço assistencial, na Policlínica também são desenvolvidas atividades de pesquisa científica e educação continuada, visando o desenvolvimento profissional e a qualificação da assistência oferecida.
No estágio realizado na Policlínica IESEP, foi possível observar como ocorrem os atendimentos multiprofissionais, evidenciando as diferentes dimensões que compõem o modelo biopsicossocial. Quando o usuário do serviço está sendo atendido pela Enfermagem, por exemplo, ou até mesmo pela Fisioterapia e pela Fonoaudiologia, a dimensão biológica tem maior destaque nessas áreas. Ou seja, questões como o aferimento da pressão arterial, medição de saturação e glicemia do sangue, massa corporal, altura ou treinamento dos músculos, nervos e ossos dizem respeito a uma avaliação dos comportamentos do organismo, resultados de uma combinação de genes e da interação dos órgãos.
Um aspecto que também faz parte do contexto biológico do ser humano é a perspectiva evolutiva do ser humano. Essa perspectiva é muito utilizada pelos psicólogos da saúde, e considera que muitos dos traços e comportamentos característicos dos seres humanos só existem porque ajudaram seus ancestrais a sobreviverem, como os hábitos de alimentação, por exemplo, extremamente necessários para a sobrevivência e a continuidade da espécie humana.
Na discussão sobre hábitos de alimentação, também é relevante pensar qual será o papel do profissional da Nutrição nesse contexto. O nutricionista realiza avaliações do estado de saúde do paciente, e cria cardápios com alimentos necessários para a boa nutrição do indivíduo, de acordo com as suas necessidades. É interessante destacar que esse âmbito biológico, como é o caso da alimentação como herança evolutiva da espécie, também influencia aspectos psicológicos.
Na Policlínica, foi possível observar usuários do serviço que tinham distúrbios alimentares e eram atendidos por nutricionistas e psicólogos. Pacientes que apresentavam distúrbios emocionais e psicológicos tendem, em sua maioria, a apresentar uma má alimentação e também, distúrbios alimentares, seja pelo excesso, como é o caso da compulsão alimentar, ou mesmo a escassez, como é o caso da anorexia, ou a junção dos dois: a bulimia. Há, assim, uma interligação entre duas dimensões - biológica e psicológica - do sistema Biopsicossocial. Ou seja, determinados comportamentos do indivíduo podem ser reforçadores de causas biológicas, agindo como gatilhos para o desencadeamento de enfermidades.
Em relação à terceira dimensão, o contexto social, ficou evidente durante as observações no estágio que a realidade social em que o sujeito vive exerce influência sobre a sua saúde. A maneira como os seres humanos se relacionam com os outros e com o ambiente pode ser favorável ou não à saúde. O contexto social pode mudar de acordo com o papel exercido por cada indivíduo na sociedade, como também o tempo e o momento histórico em que ele vive.
Durante o estágio na Policlínica acompanhou-se o trabalho da Assistência Social, que consiste em buscar informações que abrangem o aspecto social do indivíduo. Questões como dados sociodemográficos e relações familiares e sociais são levantadas na entrevista inicial, realizada por assistente social, para atendimento na Policlínica, pois um plano de ação deve ser definido em relação à realidade do paciente, à sua singularidade. Um paciente depressivo, por exemplo, não pode ser atendido apenas pela visão de que as causas dos sintomas são únicas e puramente psicológicas, mas se deve levar em consideração qual é o contexto social em que esse paciente está inserido: as suas condições econômicas, o acesso a direitos básicos, os lugares que frequenta, as relações familiares e de amizades, entre outros.
A partir das práticas e das discussões trazidas nas supervisões do estágio realizado na Policlínica, compreende-se a importância de o estudante de Psicologia realizar estágios que proporcionem experiências práticas interdisciplinares. Entretanto, apesar da Policlínica proporcionar experiências de estágio com equipe multiprofissional, ainda há desafios na formação de profissionais de Psicologia para atendimentos no modelo biopsicossocial e interdisciplinar. O permanente ensino de disciplinas fragmentadas nas áreas de saúde ainda reflete na ação profissional no que concerne à interdisciplinaridade. Consequentemente, isso influencia no atendimento de qualidade do paciente e dificulta até mesmo a coesão dos estagiários, visto que a falta da comunicação entre as áreas, a ausência da colaboração e a criação de estigmas sobre outras profissões, em vez da cooperação, ainda está presente.