Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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RESSIGNIFICANDO O CUIDADO NO ACOLHIMENTO A PESSOA SURDA: UMA ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE.
THALITA DA ROCHA MARANDOLA, CÉLIA MARIA DA ROCHA MARANDOLA, JOSIANE VIVIAN CAMARGO DE LIMA, ROSSANA STAEVIE BADUY, REGINA MELCHIOR

Última alteração: 2022-01-27

Resumo


Apresentação: A estratégia de Educação Permanente em Saúde (EPS) é um processo educativo que coloca o cotidiano do trabalho em saúde em análise, que é poroso às  relações concretas que operam na realidade e que possibilita construir espaços coletivos para a reflexão e avaliação de sentido dos atos produzidos no cotidiano. Baseada numa aprendizagem significativa, a EPS pode transformar as práticas dos profissionais de saúde a partir dos saberes preexistentes e da análise sobre estas práticas. Neste trabalho tais análises foram disparadas pelo usuário surdo que reivindica seu próprio cuidado em saúde. O cuidado ou ato de cuidar em saúde é formado por um complexo emaranhado de ações, procedimentos e saberes que se complementam, ao mesmo tempo em que no seu interior se disputam projetos de cuidar, não sendo, uma atribuição apenas dos profissionais da saúde, mas de familiares/amigos e do próprio usuário surdo. As ações cuidadoras visam tratar, recuperar e acolher o usuário enquanto ser único e digno de respeito. O usuário surdo é aquele que tem impedimento sensorial auditivo, usuário da língua brasileira de sinais (Libras) e que possui identidade com a cultura surda. Por vezes, a falta de conhecimento sobre o conceito de surdez resulta em barreiras comunicacionais e atitudinais  estas produzem redução e/ou inibição de sua participação plena e efetiva na sociedade em condições de igualdade. O objetivo deste trabalho foi produzir análise sobre o processo de trabalho relacionado à produção de cuidado com a pessoa surda, em um  centro de  de especialidades, com o apoio a estratégia de EPS. Desenvolvimento: Este recorte faz parte dos resultados de uma tese de doutorado, que utilizou a perspectiva cartográfica como metodologia e a usuária cidadã guia surda como dispositivo de pesquisa. O estudo foi desenvolvido no período de Out/2020 a Set/2021, no centro de especialidades de uma cidade de grande porte do Paraná. A usuária cidadã guia foi escolhida a partir de uma situação de conflito que ocorreu durante uma consulta realizada no centro de especialidades supracitado. A mulher surda de 56 anos, que se comunica por meio da Libras aguardava uma consulta com especialista havia 12 meses, porém no dia da consulta ela não conseguiu atendimento devido à barreira comunicacional, resultando em denúncias por ela realizadas à Ouvidoria do serviço de saúde e ao Ministério Público (MP). Diante do exposto, como acolher a pessoa surda nos espaços de cuidado do centro de especialidades? Buscando responder a esta pergunta foram realizadas duas oficinas de trabalho e logo no primeiro encontro, os trabalhadores de saúde realizaram uma encenação teatral (de estudo de caso fictício), após serem divididos em dois grandes grupos, cada grupo com a seguinte composição de trabalhadores/atores: uma pessoa surda (no papel de usuário); outra pessoa ouvinte (recepção); uma pessoa ouvinte para realizar a consulta (especialista), ficando os demais participantes com o papel de observadores. Após a encenação, conversamos sobre os sentimentos experimentados naquela vivência, tanto para os que fizeram o papel de pessoa com surda quanto para quem ocupou a função de trabalhador no sentido de colocar em análise suas práticas. Colocamos em análise a forma como o acolhimento é realizado no serviço de saúde. Já no segundo encontro trouxemos para a conversa temas como Acessibilidade; Tecnologias assistivas, Libras e seus Sinais básicos, além de uma proposta para elaboração de um manual de acolhimento inclusivo a partir da apresentação de estudos de casos que versavam sobre as dificuldades que as pessoas com deficiências enfrentam sejam elas: motora, auditiva, visual e intelectual na busca de acesso nos diferentes equipamentos de saúde. Resultados: Sob a luz da EPS o estudo permitiu uma reflexão sobre a concepção de acolhimento e sua prática realizada às pessoas com deficiência. Neste exercício de olhar para o processo de trabalho das equipes de saúde observamos que o acolhimento era entendido, até aquele momento, pelos trabalhadores como sendo um lugar (um espaço físico) em que o "responsável" por acolher o usuário possuía características predefinidas ou executava a tarefa previamente atribuída pela rotina de trabalho (escala de serviço). Ou seja, acolhe quem está na escala do setor de “acolhimento” ou quem tem o “dom” para acolher. Contudo, ao avançarmos na discussão revisitamos este conceito de acolhimento como uma prática inerente a todo trabalhador da saúde ressignificando , a compreensão  sobre o acolhimento enquanto espaço físico ou característica de um ser bondoso, pois, ao contrário disso, trata-se de uma ferramenta que apoia a organização dos serviços em saúde e também favorece a relação trabalhador da saúde e usuário,  esta prática acompanhar o trabalhador da saúde em qualquer etapa da produção do cuidado. Outra percepção dos trabalhadores foi o pensar na prática de saúde a partir da pessoa surda - apontado por eles - como um desafio a ser superado uma vez que a comunicação, eleita como essencial na relação com o usuário, era uma das barreiras na produção do cuidado. Não menos importante no processo reflexivo dos trabalhadores foi a conceituação sobre a surdez como uma deficiência incapacitante apontando para a necessidade de repensarmos nossos regimes de verdades, concepções pré estabelecidas do que é a vida do outro com deficiência e da austeridade com a qual agimos diante do que é diferente. Refletimos então, que a pessoa surda é uma pessoa, ela não é a surdez. Também, sobre o quanto o nosso cuidado precisa estar voltado para a pessoa, independente da característica que ela possui. Ainda sobre a reflexão dos nossos regimes de verdades operando no cuidado da pessoa surda, discutimos o quanto que nossos a priori sobre o que é “bom” e/ou sobre “os limites” na vida da outra pessoa acaba limitando seu potencial de agir, alimentando assim, visões pré concebidas a respeito das incapacidades. Ou seja, ao definirmos a partir das nossas experiências limitadas, o que uma pessoa surda pode ou não ser capaz de fazer da sua vida é algo que produz um descuidado. Logo, expressões que subestimam a capacidade de um indivíduo surdo ou de qualquer outra pessoa com deficiência, que reduzem seu potencial de cuidado, são entendidas como capacitistas. Considerações finais: A cartografia da usuária cidadã guia surda, entre seus muitos encontros e caminhos, nos mostrou que a EPS é uma ferramenta necessária em todo espaço em que existem trabalhadores em saúde e produção do cuidado. Pois lidar com a vida do outro exige destes trabalhadores coloquem em análise suas práticas cotidianamente, pois  os regimes de verdades que cada um carrega em si podem influenciar na forma como o cuidado é produzido e na organização do processo de trabalho - quando determinada prática - como a do acolhimento, por exemplo, sofre distorções que podem resultar numa produção do cuidado insuficiente ou de descuidado ao usuário. Investir tempo e recurso na prática da EPS é uma das estratégias que potencializam a produção do cuidado, com vistas a alcançar a integralidade da assistência.