Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
A COVID-19 E SUAS CONSEQUENCIAS EM COMUNIDADES REMANESCENTES QUILOMBOLAS EM ALAGOAS
MARIA EDNA BEZERRA

Última alteração: 2022-02-02

Resumo


Introdução

São muitos os desafios vividos pelas populações quilombolas ao longo da história brasileira, em virtude de processos de opressão e marginalização devido à raça/cor, à classe econômica e à cultura (GROSSI, 2018) e, ainda hoje, enfrentam o desafio de reivindicar a manutenção efetiva das políticas públicas conquistadas.

Diante da pandemia provocada pelo coronavírus (SARS 2-CoV2), diversos segmentos da sociedade estão mais expostos e são identificados como grupos de risco por conta de comorbidades específicas, ou mesmo pela letalidade social, construída por questões históricas, políticas e sociais estruturantes de nossa sociedade, que condenam esse segmento populacional à pobreza e reduzem o acesso políticas públicas.

As comunidades remanescentes de quilombo estão expostas a um maior número de fatores de risco devido aos impactos dos determinantes sociais e às iniquidades, a exemplo do próprio preconceito racial que constrói barreiras para o acesso a saúde.

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) foi instituída por meio da Portaria GM/MS nº 992/2009, conquista do movimento negro, sendo voltada para a orientação dos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS), gestores, conselheiros e movimentos sociais em relação ao reconhecimento do racismo estrutural como condicionante do processo saúde-doença (BRASIL, 2017). Um dos objetivos específicos da PNSIPN é ampliar o acesso dos quilombolas aos serviços de saúde e primordialmente promover a saúde integral da população negra, combatendo o racismo institucional.

A pandemia do Coronavírus explicitou ainda mais o racismo e a extrema desigualdade existente no Brasil, onde é crescente o aumento de corpos majoritariamente negros, periféricos e pobres mortos pela epidemia, segundo o primeiro boletim em que houve a estratificação por raça/cor com 62,9%. É necessário continuarmos na luta constante para que se implemente uma política efetiva de combate ao racismo, para que o país faça frente de verdade a esta pandemia nos locais onde suas mazelas têm maior impacto (OLIVEIRA. et al, 2020).

Objetivo

Relatar a experiência das ações de extensão com mulheres quilombolas para o fortalecimento da PNSIPN e o desenvolvimento de estratégias de promoção a saúde para o enfrentamento do coronavirus em 29 comunidades remanescentes, no estado de Alagoas.

Resultados

Inicialmente foram feitos encontros com as lideranças das comunidades distribuídas em diversas regiões administrativas de Alagoas para oferta de uma formação voltada particularmente para mulheres. Após aceitação do convite, a equipe submeteu a proposta às secretarias municipais de saúde e aos coordenadores locais da Atenção Básica para articulação dos encontros. Toda a equipe de trabalho ressaltou as recomendações e normas de biossegurança a serem seguidas, incluindo a escolha de local que deveria ser amplo e ventilado para garantir o distanciamento físico, bem como o uso de máscara e álcool a 70% que foram disponibilizados na entrada dos locais e também disponibilizado durante as oficinas.

Foram realizados 18 encontros em escolas e sedes das associações de 29 comunidades de 17 municípios durante os meses de julho a outubro de 2020. As oficinas tiveram duração média de quatro horas. Diretamente, o projeto atendeu 486 mulheres líderes representativas quilombolas de idades variadas.

Com relação a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, quando questionadas se conheciam, a maioria referiu ter pouco ou nenhum conhecimento, o que ratifica o dado de que 90% dos usuários do SUS desconhecem a política de saúde voltada para a população negra (CHEHUEN NETO et al, 2015).

Na roda de conversa com a temática da PNSIPN, as participantes eram convidadas a definir conceitos como igualdade, direito e comunidade remanescente de quilombo, foram ouvidas respostas como “igualdade é do jeito que se cuidar de um tem de se cuidar de todos”, “sou quilombola com muita honra, sou morena, é minha qualidade”, “nós temos orgulho porque somos umas famlias muito unidas” e “direito é a gente lutar pelas coisas que quer”.

Ainda quanto à política, as participantes eram convidadas a compartilhar experiências de racismo e surgiram diversos relatos, algumas desejavam leis mais rígidas, houve quem afirmasse que na comunidade existe preconceito e as pessoas discriminam a si mesmas. Os casos de racismo devido ao cabelo natural ou alisado foram frequentes. Finalmente, uma das participantes relatou: “hoje, eu sei que posso processar alguém que cometa racismo contra mim, não vou aceitar que me diminua, hoje eu não vou me calar”.

O momento final da oficina era reservado para abordar o coronavírus e era iniciado pelo questionamento sobre transmissão, prevenção e tratamento. Geralmente, as participantes respondiam corretamente. Ao serem indagadas sobre os medicamentos que ganharam destaque na mídia, uma participante já havia usado antibiótico como método profilático. Em todas as ações foi explicado que nenhum medicamento havia sido aprovado para COVID-19, também foram abordadas as indicações dos exemplos citados e os possíveis efeitos adversos, principalmente em relação à resistência bacteriana.

A medicina popular foi destaque nas rodas, principalmente, no uso de chás. Frente a esse desafio, a equipe respondeu sem menosprezar os saberes populares e, tendo em vista a integralidade dos indivíduos, um dos princípios doutrinários do SUS, orientou que a unidade de saúde fosse procurada sempre que necessário e que o médico fosse informado dos remédios caseiros utilizados.

Considerações finais

Observa-se o impacto do empoderamento dos coletivos vulneráveis, em especial das comunidades remanescentes de quilombo, por meio da formação e aquisição de novos conhecimentos. É preciso que as mulheres quilombolas ocupem lugares de fala, principalmente os espaços políticos relacionados ao planejamento e articulação dos direitos, como os conselhos de saúde. O estímulo à prevenção e promoção à saúde, bem como orienta a PNSIPN, deve ser o alicerce de ações, cujo objetivo seja melhorar a saúde precarizada nessas comunidades.

A partir do momento em que a maior parte dos usuários do SUS souber quais são seus direitos, e a população preta e parda se apropriar da política de saúde estruturada exclusivamente para ela, e que a mesma visa que suas comunidades tenham o acesso aos serviços de saúde ampliado, vai ser mais difícil que mesmo os casos mais sutis de racismo institucional sejam tolerados.

As metodologias baseadas em compartilhamento de saberes se mostraram promissoras e a linguagem acessível com a abertura de espaços para dúvidas sem julgamentos, cujas respostas contemplem a integralidade dos indivíduos, aproximou as participantes e permitiu que os mediadores das atividades conhecem melhor a realidade de cada comunidade.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. 3. ed. Brasília. 2017.  3312007000100006&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 3 out. 2020.

 

CHEHUEN NETO, José Antônio et al. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: implementação, conhecimento e aspectos socioeconômicos sob a perspectiva desse segmento populacional. Ciênc. saúde coletiva, v. 20, nº 6.  2015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232015000601909&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 5 out. 2020.

GROSSI, P.K. Violência e racismo na vida de mulheres quilombolas: invisibilidade perversa. XVI Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/abepss/article/view/23590/16339. Acesso em: 28 de setembro de 2020.

OLIVEIRA, R. G. de et al. Desigualdades raciais e a morte como horizonte: considerações sobre a COVID-19 e o racismo estrutural. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2020, v. 36, n. 9. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0102-311X00150120>. Acesso em: 26 ago. 2021.