Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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CONSTRUÇÃO DE CUIDADOS EM SAÚDE MENTAL POR MEIO DAS PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES NO CONTEXTO DO ENCARCERAMENTO
ALANE JUSCENÍ MENEZES CORDEIRO, HELENA MORAES CORTES

Última alteração: 2022-01-25

Resumo


A reflexão que deu ponto de partida para este ensaio cartográfico, emergiu a partir de uma revisão integrativa abordando a relação existente entre o trabalho carcerário e a saúde mental de pessoas privadas de liberdade (PPL). Na busca por compreender a influência deste trabalho no cotidiano da detenção dos sujeitos, foi possível inferir que este, é organizado e estruturado na lógica da produção-laborterápica, de forma a não reconhecer a cidadania dos sujeitos encarcerados, apresentando modalidades de atividades laborais em condições insalubres, produção sem valor de troca, pouco qualificados (como por exemplo: serviços gerais)  e com baixa remuneração, o que não favorece a reabilitação psicossocial dos sujeitos encarcerados.

Diante destes achados, experiências vivenciadas por esta mestranda-cartógrafa e profissional da saúde que atua no sistema carcerário há 4 anos, em um município do sertão Pernambucano, suscitou rupturas e recomeços para agregar corporeidade no cuidado junto aos sujeitos encarcerados, como uma forma de fortalecer a atenção psicossocial no contexto prisional. A ruptura foi no sentido de compreender que, a ressocialização não tem conseguido obter êxito em sua proposta conforme elucidado na revisão integrativa e recomeço no sentido de que, há necessidade de trazer à cena as pessoas que experienciam a detenção para construir um modo de cuidado que atenda às suas necessidades e que seja capaz de considerar a estadia na detenção.

Esse contexto, apresenta-se para além da implicação acadêmica, mas também, enquanto profissional da saúde prisional, para o trilhar do cuidado com vistas à promoção da saúde mental junto a pessoas em situação de encarceramento, constituindo-se enquanto uma questão prioritária. Visto que esta, deve ser processada a partir das diferenças - e da garantia deste lugar -, apresentadas por meio das singularidades, onde estas não devem ser reconhecidas como fator de silenciamento e/ou exclusão, mas sim ancorados ao acolhimento, vínculo e na empatia, que possam fortalecer o cuidado em saúde mental na perspectiva da reabilitação psicossocial.

Com esse cenário, e rumando na busca por modos de cuidado em saúde mental que reforcem a autonomia dos sujeitos em situação de encarceramento, as Práticas Integrativas e Complementares (PICS) tornaram-se uma via possível. Desse modo, este ensaio cartográfico tem como objetivo construir estratégias de cuidados em saúde mental a partir de vivências grupais numa prisão com as PICS.

Ressalto que, este trabalho cartográfico é parte integrante da dissertação de Mestrado em Saúde da Família FIOCRUZ, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), para reafirmar modos de produção de cuidado em saúde com ênfase na atenção psicossocial. A construção de estratégias de cuidados em saúde mental a partir da inserção de práticas integrativas e complementares grupais, emerge como uma possibilidade de expressão corporal de afetos que pedem passagem ao longo da experiência com o encarceramento. Vislumbrar modos de cuidado com estas características no ambiente de privação de liberdade, por meio da vivência grupal apresenta-se como uma oportunidade de criação de um novo espaço de cuidado.

A proposta de criação do grupo de cuidados em saúde mental inicia-se com 10 sujeitos portadores de comorbidade, podendo ser diabetes, hipertensão, soropositivos para HIV, ou obesidade. A oferta das PICS são as seguintes: meditação, técnicas de respiração guiada, auriculoterapia e escalda pés. Por compreender que a cartografia ocorre por meio do caminhar junto, a escolha da prática a ser realizada deverá partir do coletivo. Esta proposta com PICS em saúde mental, constitui-se por meio do encontro com os sujeitos, heterogêneos, de forma que estes aproximar-se-ão para o desenvolvimento das práticas de cuidado. Estas, deverão ocorrer de forma a articular os saberes dos participantes, com as PICS em saúde mental, para a constituição de modos de cuidado, no contexto de vida que ocorre dentro de uma instituição prisional.

Primeiro, aposta-se no trilhar e no percurso a mestranda-cartógrafa vai seguindo as pistas que possibilitam ancorar modos de cuidado em saúde mental. Desse modo, torna-se possível alinhavar uma rede de diálogos e trocas de experiências entre a mestranda-cartógrafa e os integrantes do grupo, para trazer à cena situações da vida, que instrumentalizem a construção das estratégias de cuidados em saúde mental para população privada de liberdade, por meio do protagonismo dos sujeitos encarcerados.

Apostar no trilhar e ao longo do percurso seguir construindo modos de cuidado junto aos sujeitos privados de liberdade, constitui-se como um “meio” e é meio onde a proposta ocorre. Desse modo, teremos a construção de estratégias de cuidado em saúde mental com base nas PICS como algo contínuo e em constante atualização no momento do encontro grupal.

O ensaio cartográfico tem nos mostrado que, aproveitar o percurso é mais importante do que chegar, isso se traduz em reforçar que o encontro por si só pode ser terapêutico, que o cuidado segue em um movimento contínuo de expansão seja por meio da fala, do sentir a prática, ou até mesmo de poder refletir acerca de aspectos da vida que não estão diretamente relacionados ao encarceramento. Por compreender que o cuidado não deve se limitar a detenção, pois o pensamento, a vida do sujeito e sua saúde mental são resultantes das experiências singulares, o movimento das práticas integrativas devem partir do que suscitam as pessoas, para a construção do espaço de cuidado que se alinhe as necessidades do território, sejam existenciais, físicos, afetivos.

Desse modo, construir estratégias de cuidado em saúde mental junto aos sujeitos em meio a privação de liberdade, caracteriza modos de atenção psicossocial capazes de fortalecer e qualificar as relações de saúde-cuidado-adoecimento, mas também, pode constituir-se em uma abordagem que faça sentido para as pessoas que a constroem-experienciando.

Caminhando na direção da sustentação da vida dos sujeitos e seus processos de expansão, ao garantir um espaço em que se considere os modos singulares de lidar com os desafios imposto pelo encarceramento, esta pesquisa cartográfica busca o mergulho na experiência de construção de cuidados em saúde mental com ênfase na atenção psicossocial, no contexto prisional. De modo que, este modelo instrumentalize esta mestranda-cartógrafa na expansão e expressão de modos de cuidado que fortaleçam a atenção psicossocial, para implementação de modos de cuidado em saúde mental e que possam, talvez, serem replicados em outros espaços, como esta prisão, que é palco deste ensaio cartográfico.