Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
As práticas em torno da vacinação infantil: interface entre França e Brasil
Karen da Silva Santos, Cinira Magali Fortuna, Patricia Bessaoud Alonso, Priscila Norié de Araujo, Poliana Silva de Oliveira, Marcos Venicio Esper

Última alteração: 2022-01-25

Resumo


Apresentação: A vacinação é considerada uma das descobertas mais importantes da humanidade, a qual desempenha um papel essencial no controle das doenças e agravos infecto-contagiosos. Na França, a vacinação é considerada uma ato médico, em que, as mesmas devem ser realizadas por profissionais formados em medicina. É possível que enfermeiros também participem das práticas de vacinação sob a supervisão ou prescrição médica. Esta realidade é muito diferente da brasileira, em que a enfermagem exerce o protagonismo nos mais variados níveis de assistência em torno da imunização. O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza as vacinas à população por meio das salas de vacinas, disponíveis na Atenção Básica. Enquanto que na França, as vacinas estão disponíveis em consultórios médicos, farmácias e em alguns órgãos de assistência governamental ou municipal, como os serviços do PMI (Protection Maternelle et Infantile) e os centros de vacinação. Assim, este trabalho tem por objetivo compartilhar uma vivência em torno das práticas de vacinação no contexto francês articulando com as práticas de vacinação no Brasil.

Desenvolvimento: Trata-se de um relato de experiência a partir de observações em torno das práticas de vacinação no período de setembro a dezembro de 2021, em uma cidade do interior da França. Para este recorte utilizaremos as observações realizadas no PMI durante o período de estágio de doutoramento de uma das autoras deste trabalho que também é enfermeira e possui ampla experiência com vacinas. Ao total foram cerca de 30 horas de observação participante. O PMI é um órgão governamental o qual realiza atendimentos médicos-sociais em torno da prevenção de doenças e promoção de saúde, com foco exclusivo nas gestantes, pais e crianças menores de 6 anos, realizando assim cuidados primários em saúde. Há sedes departamentais e núcleos espalhados pelas regiões (Maisons). Dentre as várias ações, uma delas gira em torno da vacinação infantil, a qual, normalmente, é realizada durante a consulta médica.

Resultados e/ou impactos: Os serviços visitados possuíam uma boa estrutura para o atendimento de crianças, com jogos, brinquedos, livros e pinturas lúdicas. Todas as consultas médicas observadas foram realizadas por médicas do PMI que não necessariamente possuíam especialização em pediatria. No Brasil, a equipe de enfermagem recebe um treinamento específico para o manejo, aplicação e conservação dos imunizantes. Em relação ao local da aplicação há diferenças entre serviço público e privado, no serviço público é realizado dentro de algumas Unidades de Saúde do SUS. Nas clínicas particulares, por vezes, há espaço reservado para as crianças com jogos e brinquedos e nas salas de vacinas do SUS, muitas vezes, a equipe de enfermagem que trabalha na sala utiliza-se da criatividade para colocar enfeites e adesivos chamativos para as crianças. Na França  o ato de vacinação observado era realizado, normalmente, no final da consulta médica a qual possuía a duração de 40 minutos. Durante os primeiros momentos, as médicas aproveitavam o ato de brincar para realizar os exames clínicos de crescimento e desenvolvimento. A vacinação era abordada com os pais, principalmente relacionada aos benefícios preventivos da mesma, assim como os retornos vacinais. A anotação e aplicação da vacina também eram realizadas pelas médicas. Uma das médicas solicitava que os pais cantassem com ela, no momento da aplicação da vacina, o que deixava as crianças e os pais, visivelmente, menos estressadas. Entretanto, também foi observado que o PMI dispunha apenas de algumas vacinas, devendo os pais buscarem a vacina na farmácia antes da consulta médica. No contexto brasileiro o Programa Nacional de Imunização (PNI) dispõe de uma gama de vacinas para todos os cidadãos, durante o ciclo vital, dentro do calendário proposto determinado pela idade e de campanhas em épocas propícias para endemias como, por exemplo, a influenza. Ressalta-se que que por meio da prescrição médica, na França os pais buscavam essas vacinas, na farmácia, e deixavam-as na própria geladeira do domicílio, tendo a orientação de mantê-las refrigeradas até o dia da consulta. Essas vacinas, embora estivessem dentro de embalagens, chegavam aos consultórios em sacolas plásticas. Essa vacina permanecia sem refrigeração até o momento da aplicação. Diferente do que ocorre no Brasil, há a proposta de um rigoroso controle da distribuição e conservação dos imunizantes, por meio da Cadeia de Frio, as vacinas são controladas por meio da aferição da temperatura em todo o processo e são mantidas nas Unidades de Saúde até a aplicação no usuário do SUS. O próprio uso da técnica em “Z”, a mais recomendada pelos órgãos internacionais, também não era seguida nos atendimentos observados na França. Os profissionais médicos relataram que cada um possuía uma “maneira de fazer” e que tinham desenvolvido as habilidades e conhecimentos em torno das vacinas a partir da prática clínica. Nessa perspectiva, pensando na cadeia de frio, percebe-se que há discordância em torno das boas práticas de vacinação. Outro fato que se deve levar em consideração diz respeito ao calendário vacinal francês, em que, atualmente, conta com onze vacinas obrigatórias disponíveis no calendário infantil. Em contrapartida, no Brasil temos mais de 19 vacinas disponíveis no calendário da criança.  As crianças que frequentam o PMI, de forma geral, são crianças e famílias em situação de vulnerabilidade social, sobretudo os imigrantes de origem árabe e africana. Problemas relacionados à comunicação, sobretudo com o idioma, também foram observados. Os pais, em geral, não falavam bem o idioma francês o que ocasionava alguns desconfortos visíveis nos profissionais de saúde e nos pais. Entretanto, uma das médicas havia criado algumas ilustrações bem lúdicas e de fácil visualização acerca das principais orientações, como: alimentação, desenvolvimento, crescimento, período máximo da criança exposta às telas, etc. Todavia, não haviam ilustrações relacionadas à vacinação.

Considerações finais: O processo de trabalho em torno das práticas de vacinação é diferente em ambos contextos, seja no brasileiro ou no francês. Não estamos propondo comparações, mas sim ressaltando contrastes observados e propondo reflexões em torno do que se tem produzido de cuidado em torno da vacinação. Outro aspecto que se deve ressaltar é a importância da educação permanente, vivenciada de formas diferentes e sob perspectivas diferentes nos dois países e que também vem se demonstrando um elemento essencial para a formação dos trabalhadores e a qualidade do cuidado em saúde.