Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A agente comunitária de saúde: entre a invisibilidade e o amor pela profissão.
LANA YASMIN LEAL DA SILVA, ERIC CAMPOS ALVARENGA, TAWANE TAYLA ROCHA CAVALCANTE, BEATRIZ FRAGOSO CRUZ, ELON DE SOUSA NASCIMENTO, ANA BEATRIZ PANTOJA ROSA DE MORAES, ANGELINA SOUSA PINHEIRO, ROSYLENE MARA DE OLIVEIRA VARGAS

Última alteração: 2022-01-25

Resumo


O Agente Comunitário de Saúde (ACS) tem um papel fundamental na atenção básica de saúde, sendo responsável por identificar demandas, promover cuidados em saúde e, principalmente, estabelecer uma relação de confiança entre a comunidade e a equipe de saúde da família. Apesar do seu papel na atenção básica, trata-se de uma categoria que está vivenciando o desmonte da sua profissão, destacando-se a nova resolutiva da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), publicada em 2017, a qual suprime o caráter universal da saúde da família e extingue a prescrição de um número mínimo de ACS para cada equipe. Diante deste cenário, este estudo teve como objetivo identificar as vivências de prazer e/ou sofrimento e apreender as estratégias de defesa utilizadas para lidar com as adversidades no trabalho.

Assim, trata-se de uma pesquisa vinculada ao projeto “Cuidando da saúde mental de trabalhadoras e trabalhadores da Atenção Básica, aprovado pelo comitê de ética do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará por meio do parecer de número 4.011.027, no qual foi desenvolvido um estudo de caso qualitativo com base na teoria da Psicodinâmica do Trabalho. A pesquisa contou com a participação de uma agente comunitária de saúde, do interior do estado do Pará e atua há 19 anos na atenção básica.

No primeiro momento, foi concedido um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para a participante, onde foram esclarecidas as suas dúvidas e estruturado como seriam os encontros, dessa forma, a fim de promover um espaço acolhedor em que fosse possível conhecer a realidade vivenciada, foram realizados 4 encontros com duração de 60 a 90 minutos, em que se utilizava como base um roteiro de entrevista semiestruturado. É importante destacar que devido à pandemia, os encontros ocorreram através de vídeo chamadas na plataforma WhatsApp. Por fim, os resultados encontrados foram avaliados através de uma análise de discurso, onde buscou-se identificar os principais elementos apresentados, compreender os significados e conhecer os impactos na saúde mental da trabalhadora.

Os encontros com a ACS possibilitaram conhecer os aspectos do seu trabalho, os fatores de prazer e sofrimento, e as estratégias de defesa tanto individuais como coletivas. Constatou-se que os elementos de prazer no trabalho da participante estão relacionados a atuação coletiva e integrada da sua equipe, a relação estabelecida com os demais profissionais, a Unidade de Saúde bem estruturada e o relacionamento com a comunidade, ressaltando a sua satisfação ao estabelecer um vínculo de confiança com os usuários, solucionar as demandas da comunidade e ser reconhecida pelo seu trabalho. Por outro lado, as vivências de sofrimento estão associadas a falta de recursos e materiais apropriados para trabalhar, como a quantidade insuficiente de equipamentos de proteção individual (EPIs), o número reduzido de profissionais na equipe para atender a comunidade, a alta rotatividade de trabalhadores na equipe, a contratação de funcionários sem experiência e capacitação apropriada para atuar na atenção básica e a extensão da jornada de trabalho.

Referente a jornada de trabalho, cabe ressaltar que o ACS possui a peculiaridade de morar na mesma área em que atua, assim, tornou-se frequente a comunidade procurar a participante fora do seu horário de trabalho, dado que não compreendem que há momentos nos quais ela está inserida como moradora daquele bairro e não como profissional de saúde. Além disso, a extensão dessa jornada de trabalho também inclui a implicação e o zelo que esta trabalhadora tem com o seu ofício, em que as preocupações e o desejo de cuidar da comunidade permanecem mesmo quando não está no expediente, isto é, o seu trabalho acompanha a sua vida.

Em relação às estratégias de defesa utilizadas pela agente comunitária de saúde, foi possível perceber que ela busca separar a sua vida profissional da sua vida pessoal, evitando levar as demandas do trabalho para o seu lar e reservando momentos de autocuidado, como atividades de lazer em família, prática de exercícios físicos e participação em eventos religiosos. No seu relato, também foi possível identificar estratégias de defesa coletivas estabelecidas entre os membros da equipe de saúde da família e o coletivo de ACS ativos no município, os quais buscam cooperar e buscar meios para contornar as adversidades, como o treinamento e suporte disponibilizado aos novos membros da equipe, a execução das ações em saúde em conjunto com os agentes de outras equipes para atender o maior número de pessoas e diminuir a sobrecarga de trabalho, a criação de grupos no WhatsApp para passar informações e esclarecer dúvidas.

Outro aspecto importante abordado pela ACS trata-se do desmonte da sua categoria profissional. Segundo a participante, cessaram as contratações de novos agentes comunitários de saúde, a quantidade de trabalhadores está sendo reduzida continuadamente e a perspectiva é começar uma mudança nas suas atribuições, onde deixarão de atuar como ACS e passarão a operar como técnico de enfermagem. Em vista desse cenário, a participante salientou a falta que a categoria irá fazer tanto para os usuários como para a estratégia de saúde da família, uma vez que será perdido o elo entre a comunidade e a equipe, as visitas domiciliares e o olhar diferenciado do agente. Assim, a participante destaca a importância de a população reconhecer o valor da sua categoria e mobilizar-se para assegurar a presença dos ACS na estratégia de saúde da família.

Conclui-se que ao utilizar a metodologia baseada na Psicodinâmica do Trabalho foi possível identificar os elementos de prazer e o sofrimento no trabalho, as estratégias de defesa individuais e coletivas utilizadas para lidar com as adversidades e, também, proporcionar um espaço acolhedor para a participante. Ademais, é importante salientar os impactos percebidos da nova resolutiva da PNAB 2017, a qual retirou a obrigatoriedade de um número mínimo de agentes para cada equipe, gerando uma sobrecarga de trabalho para os profissionais ainda ativos, restringindo o acesso da comunidade aos cuidados ofertados e propagando uma mensagem de que o ACS não é uma categoria essencial para a estratégia de saúde da família. Por fim, destaca-se a necessidade de realizar outros estudos centrados na criação de espaços coletivos para esta categoria de modo a promover local de escuta e discussão em grupo, viabilizar uma análise mais apurada e possibilitar que a comunidade conheça a realidade destes profissionais que apesar de serem essenciais, são extremamente desvalorizados.