Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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GRUPO DE MULHERES: (RE)EXISTINDO APÓS VIVÊNCIAS DE SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Fabiana Paschoal dos Santos, Kathleen Tereza da Cruz, Emerson Elias Merhy

Última alteração: 2022-05-29

Resumo


Realizando atendimentos na porta de entrada do Ambulatório de Saúde Mental – ASM - do Município de Rio das Ostras/Rj,  uma questão foi se tornando central, em nossa análise, na medida em que as queixas do sofrimento mental das mulheres que buscam acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, estão relacionadas a situações de violência vivenciadas, seja ela física, doméstica, psicológica, moral, sexual, discriminação, negligência e abandono; desemprego; situações de assédio moral no trabalho, as quais foram, ou ainda estão sendo submetidas. Assim, consideramos que o sofrimento mental também é social, logo não basta apenas um olhar sobre o sintoma, sobre a queixa que as leva a procurar tratamento no ASM, é preciso um olhar sobre a produção de vida destas mulheres, de como as experiências violentas afetaram seu modo de andar a vida, enfim de como tiveram que se reinventar, ressignificando suas relações afetivas e sociais.

À medida que praticamos uma escuta mais apurada e atenta, nos atendimentos as mulheres vítimas de violência, estando mais atentas as suas necessidades singulares de saúde, identificamos a necessidade da criação de um espaço terapêutico para que elas pudessem ser acolhidas, conhecer e estabelecer vínculos com outras mulheres vítimas de violência, assim surgiu o Grupo de Mulheres vítimas de violência.

Cujos objetivos são: acolher as mulheres vítimas de violência de gênero, refletir e dialogar acerca da violência, estratégias de enfrentamento e importância da rede de apoio; divulgar cursos, atividades culturais e esportivas, estratégias de empreendedorismo feminino, e oportunidades de empregos, possibilitar a troca de vivências entre as usuárias, aumentando assim suas redes de apoio, e estabelecer vínculo com as mulheres e entre elas.

Buscamos conhecer os territórios existenciais, no qual ocorreram às situações de violência, quais foram as conexões possíveis naqueles momentos. Diante disso, constatamos que todas as entrevistadas possuíam uma rede de existência empobrecida, com mínimos vínculos, o que em alguns casos, colaborou para a dependência emocional em relação ao agressor. Assim, a potência do Grupo como uma possiblidade de aumento da rede de apoio.

Ao falarem a respeito das situações de violência vivenciadas, notamos os impactos dessas na potência de vida dessas mulheres para estabelecer novas relações, pois devido a terem vivido relacionamentos abusivos, terminaram estabelecendo dependência emocional e muitas se isolaram de seus familiares e amigos. Assim, participando do Grupo, elas aumentam os vínculos entre si, com a assistente social que coordena o grupo e com a estagiária de Serviço Social. Também estimulamos reflexões e discussões acerca dos diversos tipos de violência. Em decorrência disso, algumas mulheres conseguem romper com o ciclo da violência, outras conseguem retornar ao mercado de trabalho, e outras passam a se valorizar mais e a acreditar em seu potencial. Consideramos os determinantes sociais relacionados as vidas destas mulheres, e assim os levamos em conta, no planejamento de seus projetos terapêuticos singulares.

Percebemos que geralmente as equipes de saúde mental focam nos sintomas e nas queixas de adoecimento psíquico, não existindo talvez uma visão do indivíduo como um todo, inserido em contextos distintos, tendo suas redes de existência, enfim seu modo de andar a vida. Desse modo, destacamos que os profissionais de saúde na Atenção Primária à Saúde devem considerar na produção do cuidado em saúde, o contexto social e cultural no qual as mulheres vítimas de violência vivem e/ou trabalham.

Nossa proposta de trabalho, a partir da atuação como assistente social no ASM fazendo a porta de entrada da equipe de saúde mental de adultos e idosos, foi enxergar o que a princípio não estava aparente nos relatos das mulheres vítimas de violência de gênero. Isso é, considerar as expressões da questão social presentes na vida destas mulheres, pois o sofrimento psíquico também é resultado do contexto familiar no qual elas foram criadas, das suas atuais condições de moradia, situação de emprego e de suas relações sociais.

O acúmulo de emoções contidas na formação da subjetividade dessas mulheres durante a trajetória de suas vidas, são agudizadas pela dificuldade objetiva de subsistência, na qual acabam naturalizando os abusos sofridos. Muitas vezes, não acreditam que situações de abuso sejam grandes problemas, já que a barbárie social na qual estão inseridas, as tornam alheias a estas determinações de violência, ou seja, de desigualdade.

Enfim, o adoecimento psíquico delas está diretamente relacionado com a violência do que constitui ser mulher nesta sociedade tão atravessada pela cultura patriarcal.