Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
16ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE: POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E PRODUÇÃO DE VIDA DAS PESSOAS
Tatiane da Rosa Vasconcelos, Alcindo Antônio Ferla

Última alteração: 2022-01-19

Resumo


A articulação da atenção à saúde mental com os sistemas de saúde tem variações históricas e sociais relevantes. Durante um largo período da história dos sistemas de saúde contemporâneos, essa articulação se deu, sobretudo, pela existência de serviços hospitalares especializados, os manicômios, e pelo desenvolvimento da psiquiatria, como a “ciência” especializada do diagnóstico e tratamento dos “eventos” relativos à doença mental. Ao longo da história, tem havido mudanças na gramática das doenças e da saúde, sobretudo em relação à abrangência do que se atribui como responsabilidade assistencial aos sistemas e serviços de saúde e às práticas profissionais que se desenvolvem no seu interior. E a saúde mental tem lugar central nessa transformação, inclusive com a liderança no movimento de reformas conceituais e do aparato assistencial. Na história das sociedades, a loucura nem sempre foi considerada como um problema de saúde mental passível de um diagnóstico, ela estava associada ao contexto social e cultural de cada época e, até o nascimento da psiquiatria, era um fenômeno que pertencia ao mundo das artes, das conexões com a transcendência e da circulação urbana. A partir do final da idade média, com o nascimento dos hospitais médicos, as razões do internamento foram diversas, porém não estavam atribuídas à preocupação com a cura e nem tinham o sentido predominantemente médico, mas de superação de conflitos no cotidiano das cidades e dos grupos. As conferências e os conselhos de saúde, no âmbito do SUS, conectam-se com essa ideia de que a participação social, seja das pessoas no espaço terapêutico ou seja no âmbito das políticas e das organizações, é necessária para a afirmação da cidadania, da condição da saúde como direito e da incidência sobre as politicas e organizações do Sistema Único de Saúde. O tema da saúde mental tem uma evolução substantiva nas últimas conferências de saúde brasileiras, inicialmente com inspiração nos movimentos de reformas de saúde de outros países, sobretudo na italiana, e posteriormente com base numa acumulação singular brasileira, associada às produções dos movimentos sociais no campo da saúde mental. A recuperação histórica da articulação da saúde mental no conjunto das ações de atenção no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) não esgota a análise da prospecção sobre o que se pode esperar do cuidado às pessoas em sofrimento mental. Como construção histórica e social, essa articulação está em movimento. Nos últimos anos, mudanças importantes no cenário brasileiro e mundial apontam reflexos sobre a saúde mental das pessoas e coletividades e sobre a organização dos sistemas de saúde no acolhimento e cuidado. Sendo assim, e compreendendo a função constitucional e legal atribuída às conferências de saúde como dispositivos de análise esta pesquisa objetivou compreender as orientações que as etapas da 16ª Conferência Nacional de Saúde emanaram à formulação das políticas sobre a Saúde Mental e as interfaces com a produção de vida para as pessoas que vivem no Brasil para os próximos anos. A metodologia utilizada para o desenvolvimento e apresentação da proposta do estudo foi a análise documental com abordagem qualitativa. A pesquisa que embasa o manuscrito utilizou-se dos relatórios finais das etapas municipal, estadual e nacional da 16ª Conferência Nacional de Saúde e o conhecimento produzido na análise terá relevância no acompanhamento das ações no período de 2020 a 2024, além de dialogar com as práticas cotidianas no interior dos serviços de saúde e representar um registro histórico. O direito ao acesso às ações e serviços de saúde, que eram restritos àqueles atendidos na rede privada ou que eram segurados à previdência social, passou a ser um direito de todas as pessoas com a instituição do princípio da universalidade. A partir da conquista ao direito da saúde assegurado na Constituição Federal de 1988, o princípio da universalidade do acesso constitui-se como um dos mais importantes, pois ao afirmar que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garante a saúde para todas as pessoas sem distinção. Compreende-se que o acesso ao SUS e aos serviços que estão à disposição da sociedade são fruto de lutas e reformas em que os usuários estiverem presentes na reivindicação de melhorias voltadas à saúde. E o processo democrático consolida-se com base nisso onde as pessoas exercem a cidadania e manifestam sua voz e posição frente às suas necessidades. A visibilidade da inserção do tema da saúde mental no escopo prioritário das políticas de saúde nas três etapas da Conferência apresenta diferenças relevantes. Foi possível evidenciar nas etapas estadual e nacional que a saúde mental aparece como forma de reafirmar os princípios e diretrizes da Reforma Psiquiátrica, sem retrocessos, seguindo a lógica do cuidado em liberdade com o intuito de fortalecer os dispositivos territoriais substitutivos que são os CAPS. Essa é uma necessidade de luta diária devido aos retrocessos que tem acontecido e que ainda estão por vir, visto que a saúde mental precisa ser reafirmada pelo SUS enquanto política que possibilita novos modos de produzir saúde e modos de ser, que vai ao encontro dos princípios do SUS ao considerar as pessoas em sua integralidade e não seu diagnóstico. Tendo em vista que o marco da Reforma Psiquiátrica decorreu da concepção de um novo modo de produzir saúde mental e cuidar fora dos manicômios a partir da substituição por serviços comunitários, ou seja, promover o cuidado em liberdade, é preciso que o manicômio “mental” também seja desconstruído dentro de cada um. A pesquisa mostrou que a participação de todos se faz necessária quando se trata de defender o SUS, a saúde como direito e principalmente de exercer a democracia nos tempos atuais em que vivemos constantes ameaças em relação ao desmonte do SUS. O tema precisa estar presente nos debates e nos relatórios das conferências de saúde municipal, estadual e nacional. É através dos lugares de fala e possibilidades de ocupar espaços de participação que é possível fazer a diferença no acesso, garantia e fortalecimento da saúde mental no SUS e na sociedade, para que os relatórios sejam um dispositivo de resistência e persistência aos modos de produzir vida.