Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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“Coletivo Sumaúma”: Comunidade de Aprendizagem tecendo redes para a descolonização da formação e cuidado na saúde.
Carla Pontes de Albuquerque, Ana Beatriz Guelber Magrani, Elisa Perillo Velloso Barbosa, Lucas Figueiredo de França, Lucas Paulo Lourenço de Almeida, Milena Ramos Silva Mendes, Milene Ataíde Teixeira, Paula Vera Cruz de Paiva

Última alteração: 2022-01-28

Resumo


Sumaúma, árvore majestosa amazônica e andina. Testemunha de ABYA AYLA e nela Pindorama. Tempos anteriores à invasão e atroz colonização europeia. Seu tronco percutido pelos habitantes da floresta comunicam novas e ancestrais mensagens. Em 2020, pedimos licença para batizar como o seu nome nosso coletivo, na intenção de aprendermos suas lições de resistência e reexistência, nesta época tão difícil de pan/sindemia. Invocamos a força de suas raízes entranhadas e desbravadoras, que por baixo da superfície, alimentam e apoiam outras árvores em momentos de fragilidade. Celebramos o seu respirar, nascente de rios voadores, fluxos de umidade para que a desertificação não tome de vez as cidades acimentadas e os campos avassalados por latifúndios, monoculturas, pastos, queimadas e venenos agrícolas. Queremos aprender com Sumaúma a sua existência rizomática.

Nosso coletivo, com uma década de existência, reúne integrantes de projetos de ensino, pesquisa, extensão, Programa de Educação Tutorial (PET)/Incubadora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO , dentre outros. Iniciado há 10 anos, no Instituto de Saúde Coletiva/ISC, reúne em torno de 20 participantes, no caso dos estudantes, há os que permanecem mesmo após a saída do projeto ou mesmo tendo concluído a graduação. Aos poucos vem fortalecendo o desenho de uma Comunidade de Aprendizagem (C.A.) estando inserido em rede internacional de C.A. com tutoria do Prof José Pacheco (fundador da Escola da Ponte/Portugal). Se vincula também a outros coletivos na trajetória da descolonização da formação e cuidado na saúde, como os grupos Encante (educação sensível e emancipatória) e Encontro de Saberes (aprender com os conhecimentos populares e tradicionais, apoiado pelo Prof José Jorge de Carvalho da Universidade de Brasília/UNB (https://encontrodesaberes.tumblr.com/); Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST), Casa das Pretas (interseccionalidade raça, gênero e classe https://www.instagram.com/casadaspretas/?hl=en), Rede do "Observatório de Política, Cuidado e Saúde"; movimentos de "Permacultura, Ecologia social, Ecopolítica e Cuidado ambiental" (https://redepermacultura.ufsc.br); Rede Raízes do Rio de Janeiro / RJ (Intercurturalidade crítica na saúde, com a participação de mestres tradicionais e cuidadores populares; pesquisadores, docentes, estudantes e profissionais de saúde), Fórum Povos da Rede Unida, Comissão Estadual de Direitos Indígenas do RJ, GT de Educação Popular da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, dentre outros.

Este relato intenciona o compartilhamento de experiências do Coletivo Sumaúma, a partir das vivências de seus participantes na problematização da hegemonia do modelo biomédico, formatado na modernidade e atrelado ao colonialismo e performances do Capitalismo. Aponta a insuficiência deste no cuidado e educação na saúde, diante das complexidades contemporâneas, diversidades culturais e desigualdades extremas agravadas e que tiveram maior visibilidade na emergência epidemiológica do COVID.

Elege como dispositivos ferramentas vivenciais cartográficas, perspectivas construcionistas da educação popular freiriana, processos coletivos reflexivos e implicados da educação permanente e a criatividade expressiva referenciada no educação sensível.

Nos últimos dois anos, ainda que de forma remota, foi possível participar de atividades na construção do cuidado recíproco junto a comunidades vulnerabilizadas (indígenas, quilombolas, urbanos periféricos e rurais). Foram organizados e realizados eventos remotos, destacam se entre esses, a Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária 2021 (JURA UNIRIO que problematizou temas como segurança alimentar; política agrária brasileira; saúde comunitária, geração de renda cooperada, agrofloresta, plantas medicinais e ações solidárias durante a pandemia de COVID 19); I Encontro Raízes RJ (https://raizes2021.sinteseeventos.com.br) que reuniu mais de 1000 participantes em mesas e oficinas sobre cuidados recíprocos nos territórios tradicionais e populares) e vários encontros transmitidos e divulgados no canal youtube (https://www.youtube.com/channel/UCLd4eVj-1WoGin905LfryIw) e no instagram - Sumaúma Saúde (https://www.instagram.com/p/CXzLdFkJygJ/). Aconteceram também publicações em periódicos científicos ("Lição da pandemia: aprender com outras epistemologias o cuidado coletivo com reciprocidade" - https://seer.ufu.br/index.php/reveducpop/article/view/56010/29442 e Educação Popular e decolonialidade: resistências, reexistências e potências para um cuidado inclusivo na saúde e projetos  coletivos para o "Bem viver" - https://www.scielo.br/j/icse/a/bvJY4synWZhTp7YyGXSbT7m/?lang=pt) e contribuições na editoração e redação de boletins com circulação reconhecida na área de saúde coletiva (https://www.abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2021/03/Boletim-2-2021-1.pdf).

Estas vivências, principalmente junto aos grupamentos populacionais nas suas diversidades têm oportunizado problematizações para os estudantes diante o modelo pedagógico a que estão submetidos (hegemonicamente prescritivo e higienista), as relações assimétricas e autoritárias que se dão tanto no processo educativo como o assistencial que são reproduzidas acriticamente na formação, a leitura reducionista das situações que se apresentam nos cenários de prática / estágio, o refgime de verdade (racionalidade biomédica) aderido à biopolítica (controle dos corpos), a  ciência (normal) médica vista preponderantemente de forma apolítica e ahistórica e outras limitações invisibilizadas. A percepção da implicação das ciências modernas, que ainda permeiam as universidades contemporâneas, com perspectivas colonizadoras (européias e norte americanas), o apagamento de outras cosmologias e epistemologias e o respectivo interesse na apropriação e exploração de biomas e populações dos territórios ditos periféricos / atrasados, pode produzir deslocamentos à "práxis da comunidade universitária" e respectiva "cultura formativa".

No primeiro semestre de 2021, o Coletivo Sumaúma, junto a docentes e estudantes de outras instituições formativas públicas do RJ e profissionais de saúde (Coordenação de Equidade em Saúde para Populações Específicas da Secretaria Estadual de Saúde do RJ), iniciou a cartografia (remota devido à situação pandêmica), estabelecendo contato com mestres tradiconais e cuidadores populares para a construção do I Encontro Estadual Raízes RJ. No preparo para tal, os estudantes estiveram em rodas de conversas formativas no exercício de integrar conhecimentos antropológicos, políticos, históricos, ambientais / territoriais, na compreensão dinâmica dos processos que acionam a interculturalidade crítica. Foram enfrentadas dificuldades comunicacionas agravadas ainda mais com a pandemia. A utilização de ferramentas remotas no contato com as pessoas nos territórios tradicionais, que em maioria,  não dispunham dos recursos necessários, exigiu muita dedicação e criatividade da parte de todes. Apesar de todos os percalços, foi possível compor uma rede inicial de mestres/as tradicionais (reconhecidos pelas suas comunidades) e com eles/elas, organizar e realizar o evento que teve relevante expressão social

A ocupação de territórios de ensino nos cursos da saúde trilhando pontes destes com cursos de artes, ciências sociais, humanidades e outros (superando fragmentações encarceradas na modernidade) e a vitalização de componentes sensíveis da educação que foram sendo alijados no processo de objetivação das ditas ciências “normais” são alinhamentos essenciais à formação de um/uma cuidador/a.

Um fruto significativo tem sido ampliar porosidades nos muros universitários, no trazer o mundo da vida, a diversidades populacionais para dentro e levar a respectiva comunidade acadêmica para fora, fertilizando encontros de saberes. Nas travessias, em que acontece diálogo intercultural, é preciso enfrentar com muito zelo, as assimetrias comunicacionais na difícil arte de compor horizontalidades.

A tecelagem de comunidades de aprendizagem acolhe a rebeldia de deslocamentos/linhas de fugas perante um modelo formativo na saúde que já há muito se mostra inadequado para o cuidado na contemporaneidade. Esse processo formativo no coletivo que valoriza as singularidades de cada integrante, aberto ao que emerge nos encontros nos territórios, para além dos muros universitários, tem revelado um potente caminhar com suas rugosidades e deslizares (aprendizagens com Sumaúma).