Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Trocas de Saberes: diálogo entre Parteiras Tradicionais e trabalhadores da saúde no Amazonas
Júlio Cesar Schweickardt, Raquel del Socorro Jarquín Rivas, Marilia de Jesus da Silva e Sousa, Ana Elizabeth Sousa Reis

Última alteração: 2022-01-26

Resumo


O partejar é um termo que remete as práticas e saberes tradicionais para dar apoio e suporte físico e emocional para as mulheres gestantes durante o parto e no pós-parto. Estes saberes são transmitidos de geração em geração através da oralidade, da prática, do acompanhamento e de um conjunto de cuidados com a gestantes. As Parteiras Tradicionais e em alguns casos os parteiros, são pessoas que realizam partos domiciliares por meio de uma prática desenvolvida na relação estabelecida com as gestantes e as parturientes. O Atendimento das parteiras ocorre durante a gestação e na hora do parto dando suporte físico, emocional e muitas vezes estrutural.

No Estado do Amazonas, as parteiras fazem atendimentos em comunidades ribeirinhas e rurais, e, na maioria vezes, sem o apoio financeiro do Estado ou Municípios. Em alguns casos, percorrem longas distâncias para realizar um parto ou fazer o acompanhamento das gestantes, tendo que pegar rabeta, lanchas ou realizar caminhadas de duas a três horas. Estas mulheres deixam suas famílias, seus afazeres e responsabilidades do dia a dia, para atender as gestantes. Ao chegar na residência da parturiente, a parteira também precisa ficar dias até a criança nascer.

É neste sentido que o Projeto: “Redes Vivas e Práticas Populares de Saúde: Conhecimento Tradicional das Parteiras e a Educação Permanente em Saúde para o Fortalecimento da Rede de Atenção a Saúde da Mulher no Estado do Amazonas”, tem como objetivo a valorização, o reconhecimento e a qualificação das parteiras por meio da pesquisa e da intervenção. Do mesmo modo que busca fazer a articulação entre as parteiras e as equipes de saúde, promovendo uma rede de apoio que se sustenta pela solidariedade.

Uma das ações deste projeto, constitui-se na realização das oficinas de troca saberes que ocorre num processo que envolve a articulação entre gestores municipais e de Distritos Sanitários Especiais de Saúde Indígena (DSEI) e as parteiras que atuam no território. As Oficinas se constituem numa estratégia de educação permanente em saúde para a qualificação dos profissionais de saúde e das parteiras, pois todos aprendem na condição de que os diferentes saberes são potentes e transformam a realidade dos locais. Desse modo, as oficinas são espaços de trocas e de aprendizagem, além de articulação entre as parteiras e com os trabalhadores da saúde. Sabemos que é no território que acontece da micropolítica, produzindo as negociações que geram o cuidado em saúde.

Nas oficinas são elaborados os Mapas do Cuidado que ajudam a compreender o fluxo e os caminhos das práticas das parteiras no território. Desse modo, há uma produção de uma cartografia social que apresenta o cuidado em ato, isto é, como acontece no cotidiano e não como deveria de acontecer pelas redes oficiais de atenção. Os mapas são importantes porque mostram os obstáculos, os acessos, as redes e as barreiras de atenção. Assim, uma barreira pode estar no transporte sanitário, ou na porta do hospital, ou nos protocolos da gestão, ou mesmo na própria equipe de saúde. Entendemos também, através dos mapas, as características do território, que na maior parte das vezes, é feito pelas águas, num verdadeiro território líquido. Com a cartografia é possível identificar e discutir as situações vivenciadas e toda rede de amparo/apoio que integra o trabalho das parteiras. O fluxo mostra também os agentes e atores importantes para tornar esse fluxo eficiente, como os agentes comunitários de saúde (ACS), técnicos em enfermagem, enfermeira, motorista da ambulancha, o atendimento hospitalar, no caso dos partos que precisam ser realizados nas sedes dos municípios.

As parteiras podem se tornar importante aliadas das equipes de saúde, principalmente no que se refere à adesão ao pré-natal por parte das gestantes. É muito comum na prática das parteiras o encaminhamento das gestantes para fazerem os exames necessários para a segurança da gestante e bebês. Em alguns relatos as parteiras dizem que infelizmente, quando uma gestante não está fazendo o pré-natal, se negam a fazer o parto.

As oficinas são momentos de confluências de saberes e trocas intensas, acontecendo num ambiente de encontros e reencontros, que é muito aguardado pelas parteiras. Para que seja possível a participação dos três dias nas oficinas, as parteiras  necessitam deixar o seu trabalho na roça, o cuidado com os filhos e família, mas que reconhecem a oportunidade do encontro: “Quando soubemos que ia ter uma oficina de parteiras eu deixei tudo, meu marido, filhos, netos, tudo para poder participar”; “Eu nem pensei duas vezes quando o agente de saúde foi na comunidade e me falou do encontro”; “Fiquei muito feliz de ser convidada, pois a gente não tem nada disso por aqui”.

Por fim, as oficinas acontecem como um dispositivo ético-político que tem a função de valorizar as parteiras e suas práticas, contribuir com a sua articulação e organização, promover o diálogo com a gestão e os trabalhadores da saúde, identificar as demandas para um cuidado de qualidade, promoção da saúde das parteiras. As oficinas se tornam momentos de diálogo que ultrapassam a dimensão de “curso” ou de formação para ser um momento de potencialização de saberes que foram silenciados com o processo de colonização promovida pelo saber biomédico. Assim, entendemos que há uma produção de um conhecimento pertinente, solidário e libertário em e com as parteiras tradicionais na Amazônia.