Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Cartografia Social: Uma abordagem na Atenção Primária às Populações Indígenas de contexto urbano
Luiz Carlos Ferreira Penha, Mayra Costa Rosa Farias de Lima, Noeli das Neves Toledo, Rodrigo Tobias de Sousa Lima

Última alteração: 2022-02-14

Resumo


Introdução

A cartografia se constituiu como um instrumento de conhecimento técnico por muitos anos. No entanto, a antropologia tem utilizado mapas, seja como representação geográfica, seja como forma de ilustrar e contextualizar as descrições etnográficas, além de acompanhar as narrativas etnográficas que também são representações e criações de imagens e imaginários do outro. Assim surgiu, a cartografia social, como meio técnico, que busca registrar relatos e as representações sócio espaciais no processo de auto mapeamento, além de identificar situações de conflitos na forma de uso do território pelas comunidades tradicionais.

O Projeto Manaós buscou abordar temáticas da atenção primária do Sistema Único de Saúde- SUS. A partir dos Mapas Sociais se buscou correlacionar a confecção dos mapas com o território de saúde e abordar a interação de cada mobilizador indígena no contexto do território.

Objetivo Geral

Relatar a experiência vivenciada durante o curso de qualificação sobre técnicas de abordagem na atenção primária em saúde, com ênfase na cartografia social desenvolvidas pelos mobilizadores indígenas do projeto Manaós.

Desenvolvimento

Com intuito de desenvolver uma ação em parceria com a gestão pública, organizações indígenas e instituições de pesquisa para produção de informações, organização de dados e entendimento do acesso a rede de assistência a saúde dos indígenas residentes no Bairro Parque das Tribos.

A partir de uma chamada pública foram selecionados 14 indígenas (05 Ticuna, 03 Baré, 02 Kanamari, 01 Mura, 01 Baniwa, 01 Sateré-Mawe e 01 Carapanã). Assim, iniciou-se o curso de Atualização, denominado: Abordagem na Atenção Primária com olhas às Populações Indígenas Residentes em Área Urbana.

Adotando todas as normas de segurança preconizadas para evitar a transmissão da Covid-19, o curso foi ofertado na modalidade presencial, no auditório da Escola de Enfermagem da UFAM, teve com carga horária de 25 horas.

Os conteúdos abordados foram: O Sistema Único de Saúde, com ênfase sobre o processo participação e atuação dos Agentes Comunitários de Saúde e de Endemias, bem como o contexto histórico da Política Sanitária do Osvaldo Cruz; Conceitos básicos sobre Povos Indígenas e a contextualização em área urbana, com destaque no impacto da Pandemia pela Covid-19 em povos indígenas, especialmente os que vivem no Amazonas.

O curso também contemplou a participação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira-COIAB. Essa participação do movimento indígena se demonstrou importante e flexibilizou os alunos a se manifestar e compartilhar experiências da comunidade perante a Covid-19. Foram relatadas ações de manutenção de isolamento social, acesso a vacina contra a Covid-19, organização de voluntários para trabalhar na Unidade de Pronto Atendimento – UPA, montada pelos próprios indígenas no Parque das Tribos. As principais atividades desenvolvidas pelos voluntários foram testagem de Covid-19, distribuição de material educativo/prevenção e orientação à indígenas que evoluíam a quadro severo da doença. Outro ponto importante relatado foi a participação deles como interpretes junto a equipe de saúde.

Durante o decorrer do curso foi solicitado aos participantes que confeccionassem o mapa do Bairro Parque das Tribos. Tendo em vista, que todos são residentes do bairro, cada um teve a liberdade de ilustrar a sua visão do bairro e o contato no território.

Os mapas confeccionados e apresentados ilustraram também a diversidade cultural do bairro. O território possui diversos povos indígenas residentes oriundos da região dos Rios Solimões, Negro e Madeira, as principais etnias são Tikuna, Tukano, Baré, Dessano, Munduruku, Witoto, Sateré Mawé, entre outros povos. Outra situação ilustrada foi a diversidade religiosa, dentre as principais foram relatadas o catolicismo, evangélico e também a Umbanda. Os indígenas relataram que todas são respeitadas e são frequentadas pelos próprios indígenas, no entanto, a religiosidade étnica existente da cultura indígena também é forte entre os residentes, e existem momentos especiais para que ocorra suas celebrações culturais. Nesse contexto indígena, todos os participantes ilustraram o centro de convivência do bairro, chamada de “Maloca”. A Maloca é a referência do Parque das Tribos, nesse local é realizado reuniões, encontros, confraternizações e momentos culturais com os moradores do bairro. Esse espaço, segundo os participantes, representa a luta dos indígenas para continuar seus momentos de lazer e cultura indígena, e depois de muito esforço coletivo foi conquistado esse centro, hoje utilizado pelos indígenas do bairro.

Com relação ao tema saúde, os participantes apontaram que no momento não existe uma referência física para atendimento à população local. No momento, a equipe de saúde, recentemente montada pela secretaria de saúde, utiliza a Maloca como referência. Foi relatado também que a comunidade tem se reunido com representantes do governo, com objetivo de ter uma Unidade Básica de Saúde no bairro. Apesar de não ter uma estrutura física de saúde, os participantes relataram que o bairro possui agentes comunitários de saúde – ACS e uma equipe itinerante que tem dado esse suporte no bairro. Por outro lado, os alunos apresentaram a medicina tradicional como a principal estratégia de prevenção a saúde no bairro. Muitos apontaram que o território possui benzedores, pajés, moradores que cultivam ervas medicinais e também parteiras. Demonstrou-se, portanto, que a medicina indígena ainda prevalece fortemente no bairro, sendo trago de suas regiões de origem. Se tratando de parteiras, durante o curso foi relatado pela aluna que a mesma tinha realizado um parto humanizado no dia anterior. A mesma relatou que tem aprendido ao longo do tempo com sua mãe que é parteira no Parque das tribos. A aluna relatou ainda que é o segundo parto dela já realizado no bairro.

Para finalizar, os alunos debateram a importância de construir um mapa, relataram que não tinham imaginado o quanto conhecem de seu bairro, e ilustrando isso no mapa, tornou-se mais compreensivo debater as atividades existente no bairro, tendo como foco qualquer tema, seja na educação, saúde, esporte, lazer e cultura, dependendo do seu objetivo central.

Por fim, foi debatido a importância do mapa no ambiente de trabalho da atenção primária, tendo o território como foco e representando todos os elementos possíveis de compor o mapa, seja ele um elemento físico, cultural, social, saúde, educação, possíveis situações críticas.

Considerações Finais

A Cartografia Social utilizada como metodologia proporcionou um debate aprofundado sobre a composição do bairro, onde envolveu temas importantes para construção do território do bairro. Temas como religião, ambiente social, lazer, cultura, educação, assistência a saúde e saúde indígena (medicina tradicional) foram fortemente explanados pelos alunos a partir da confecção de seus mapas, fortalecendo assim o conhecimento e compreensão da formação sociocultural do bairro.

O projeto Manaós, prevê ainda coletas de dados, essa atividade de campo, tem os mapas sociais como base e a partir do curso realizado, espera-se que os alunos que possuem seus conhecimentos cultural e língua nativa, possam somar e ter êxito durante a atividade de visita domiciliar no bairro.

Por fim, essas atividades têm se demonstrado importante na ampliação de conhecimento aos participantes, quanto o seu papel social e político dentro do território, podendo atuar e contribuir no fortalecimento da comunidade, buscando contribuir na construção da rede de atenção e cuidado entre os diferentes grupos étnicos, especialmente aqueles que vivem em contexto urbanos.