Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Ação Interprofissional na Atenção Primária em Saúde: experiência do Projeto Terapêutico Singular na formação de profissionais da área da saúde
SCHEILA MAI, Karla Porersch, Nelson Eduardo Estamado Rivero

Última alteração: 2022-03-02

Resumo


As práticas de formação interprofissional para trabalhar no SUS são, por si, uma proposta que resiste aos avanços do neoliberalismo e das estratégias de desmonte à produção de cuidado no nível de Atenção Primária à Saúde (APS). Em vista de uma formação mais integral com atuação interdisciplinar, a APS configura-se como um enriquecedor campo de prática para os alunos da graduação, o qual aproxima os acadêmicos das reais necessidades de saúde da população, proporciona o diálogo com as equipes de saúde, assi como possibilita a interação com os indivíduos, famílias e comunidades. Ainda, oportuniza o desenvolvimento de competências necessárias para atuação com maior autonomia e consciência crítica da APS na gestão do cuidado, no acompanhamento longitudinal e como ordenadora da rede de atenção à saúde.

Assim, esse trabalho tem como objetivo relatar a experiência interprofissional na formação de acadêmicas(os) baseada no compartilhamento e ação integrada em saúde utilizando-se do dispositivo Projeto Terapêutico Singular (PTS) na gestão do cuidado.  A Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e a Secretaria de Saúde do município de São Leopoldo- Rio Grande do Sul, mantêm desde 2014 uma ação interprofissional que se constitui como espaço de formação em saúde para acadêmicos de diferentes núcleos profissionais, sendo acadêmicos da Enfermagem através da atividade acadêmica Saúde Coletiva: ações de Intervenções, acadêmicos da Fisioterapia através do Estágio em Fisioterapia II e acadêmicos da Nutrição e Psicologia através do Programa de Atenção Ampliada à Saúde (PAAS). Esses acadêmicos, sob orientação de docentes da enfermagem, fisioterapia e psicologia prestam cuidado em saúde aos usuários através do acompanhamento domiciliar de casos de maior complexidade do território, juntamente com a equipe multiprofissional de uma unidade básica de saúde do município, composta por profissionais da medicina, enfermagem, odontologia, coordenação administrativa e higienização. Ao considerar o conceito ampliado em saúde, no que tange as determinações sociais de saúde, também permeiam ações em conjunto com as equipes intersetoriais como os profissionais do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e profissionais da educação. Em relação a produção do cuidado, seja individual e/ou coletivo, busca-se constituir intervenções dirigidas à proteção e promoção em saúde, prevenção de agravos e doenças, reabilitação, redução de danos e tratamentos com base na construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS) sendo um “conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, para um sujeito individual ou coletivo, resultado da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar”. Nesse sentido a construção do PTS ocorre de forma interdisciplinar com discentes, docentes, a equipe de saúde e os indivíduos/ famílias acompanhadas.

Ao afirmar, os princípios e diretrizes que sustentam o Sistema Único de Saúde(SUS), bem como os atributos da APS, a inserção das(os) acadêmicas(os) no cotidiano das pessoas provoca movimentos na população como sujeita de direitos e no fortalecimento da autonomia. Esses movimentos mobilizam a equipe, a rede de atenção à saúde, a rede intersetorial, os docentes orientadores, assim como a instituição de ensino que necessitam (re)pensar estratégias de maior resolutividade frente as demandas que surgem pela inserção do ensino na produção de cuidado de um determinado território.  Antes da inserção das alunas(os) no território, há aproximação e apropriação de uma base teórica conceitual aos princípios e diretrizes do SUS, assim como a Política Nacional de Humanização sobre a práxis na Atenção Primária à Saúde com destaque para o processo de acolhimento, interdisciplinaridade e Projeto Terapêutico Singular (PTS). No âmbito da saúde coletiva são trabalhados os conceitos de campo e núcleo de saberes e práticas segundo Gastão Wagner de Souza Campos, assim como o uso das Tecnologias em Saúde segundo Emerson Merhy. A metodologia geral de trabalho decorre semanalmente durante um semestre e tem os seguintes passos: a) formação conceitual compartilhada com as(os) acadêmicas(os) de enfermagem, fisioterapia, nutrição e psicologia; b) construção das equipes interdisciplinares (equipes de 3 a 4 acadêmicas/os); c) conhecimento da unidade de saúde (rotinas e equipe); d) conhecimento do território (dispositivos em saúde e da rede intersetorial); e) levantamento e distribuição dos casos de maior complexidade que demandam acompanhamento interdisciplinar(com equipe de saúde e profissionais de CRAS); f) construção do PTS, considerando o desenvolvimento das quatro etapas: diagnóstico situacional, definição de metas e objetivos, divisão de tarefas e responsabilidades e reavaliação do PTS; g) entrega e apresentação do PTS.

A construção do PTS, ao considerar as quatro etapas, decorre da seguinte forma: 1) diagnóstico situacional, nesta etapa há o (re)conhecimento e mapeamento do território, sob uma análise demográfica, epidemiológica, socioambiental, socioeconômica, socioeducacional, sociocultural para identificar os equipamentos e dispositivos de apoio e da rede assistencial intersetorial, ainda identificar as áreas de risco, fatores que influenciam no processo saúde e doença no território. É nessas primeiras semanas que se realiza o contato com a pessoa, família ou grupo para avaliação das necessidades, demandas, vulnerabilidades e potencialidades mais relevantes para pessoa (índice), sua família e comunidade sob a perspectiva de avaliação biopsicossocial. A partir dessa aproximação e reconhecimento se constrói a primeira entrega da análise situacional do território e da pessoa índice contendo as ferramentas familiares genograma e ecomapa.  2) definição de metas e objetivos, são propostas para as questões sobre as quais se pretende intervir - o que é possível (entre o ideal e o real); são pactuadas ações de intervenção junto com a pessoa índice, a família, ou para um coletivo. Nessa etapa se elabora metas de curto, médio e longo prazo; 3) divisão de tarefas e responsabilidades, ocorre a definição clara das tarefas de cada um, inclusive da pessoa índice, assim como definição de quem será o profissional de referência do caso. 4) reavaliação do PTS, momento em que se discute a evolução do caso, faz a revisão de prazos, expectativas, tarefas, objetivos, metas e resultados - e se necessário novas pactuações. Essa reavaliação sempre que possível é realizada junto a equipe de saúde e com a pessoa índice e/ou família. Vale ressaltar que os discentes devem realizar um entrega prévia de cada etapa do PTS para que os docentes orientadores no campo prático possam avaliar e retornar com feedbacks para etapa posterior.  Para além da avaliação do produto descritivo, durante todo o processo as abordagens, visitas domiciliares, intervenções, construção de rede de apoio, encaminhamentos e contatos institucionais são acompanhados em campo pelos docentes orientadores e discutidos semanalmente.

Inserir as(os) acadêmicas(os) nos territórios e formas de vida, comprometendo-os eticamente com a produção de saúde nas relações que empreende no cotidiano de trabalho de uma equipe de saúde é um desafio constante, entretanto considera-se que essas práticas interprofissionais durante a graduação produzem novos desafios e novas formas de aprender e ensinar, assim como promovem um espaço enriquecedor de construção crítica e reflexiva sobre a inserção dos futuros profissionais no contato direto com o indivíduo, família e comunidades, na possibilidade do diálogo, construção e compartilhamento de conhecimento dos diferentes núcleos do saber.