Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Saúde como invenção: o cuidado como obra de arte
Jeanine Pacheco Moreira Barbosa, Luziane de Assis Ruela Siqueira, Maria Angélica Carvalho Andrade

Última alteração: 2022-01-26

Resumo


APRESENTAÇÃO

Trata-se de um relato que se inscreve na experiência compartilhada por três pesquisadoras-docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) nas áreas da Saúde Coletiva e Psicologia Institucional, com o objetivo de pensar o processo saúde-adoecimento-cuidado a partir do paradigma ético-estético-político de Deleuze e Guattari, onde a arte é responsável por criar afetos, a ciência pela criação de funções, a filosofia por criar conceitos e a política, dimensão de luta, inseparável das demais, pela prática de gestão de conflitos. Pensando na arte do encontro e dos afetos que deixam marcas, produzimos pesquisas que carregam a potência de criar uma nova corporeidade para um existência inédita com o objetivo de problematizar as práticas de cuidado desde uma ótica que busca fissurar a lógica neoliberal da subjetividade privatizada em saúde, ressaltando a diferença como estratégia política.


DESENVOLVIMENTO/METODOLOGIA

Pautamo-nos em experiências com a pesquisa qualitativa de caráter pós-estruturalista buscando ir além do reconhecimento das representações estabelecidas pelos sujeitos no campo de pesquisa e dos consensos instituídos, para então propor o acompanhamento processual do cotidiano das práticas, criando um campo de problematização que instaura tensão entre representação e expressão, o que faculta novos modos de subjetivação. Para Deleuze e Guattari arte, filosofia e ciência são igualmente importantes e a vida deve ser entendida como obra de arte. A partir desse paradigma, desde 2018 temos ampliado a parceria entre os programas de Saúde Coletiva e Psicologia Institucional. Assim produzimos, inventamos, criamos formas de intervenção que buscam potencializar vidas através da contação de histórias, da arte/música como dispositivo que aciona memórias, imagens e afetos, produzindo um cuidado a partir dessa ética, portanto, uma ética do cuidado. Criação de formas de intervenção que tocam os corpos, na dimensão dessa retomada das memórias, imagens, afetos - marcas. A quem direcionamos essas formas? Ou melhor: com quem criamos essas formas de intervenção impregnadas de marcas, que fissuram os paradigmas de uma cientificidade asséptica e neutra? Com mulheres, com corpos historicamente invisibilizados e vulnerabilizados, como os ditos infames, com alunas/os, na formação de futuros profissionais de saúde, na pesquisa e na escrita sensível de artigos científicos no âmbito da Saúde Coletiva, rompendo com o monopólio do saber cientificista, ao mesmo tempo em que buscamos uma aproximação com as ciências sociais e humanas numa perspectiva que transborda o “campo disciplinar”, a fim de ampliar o olhar sobre os determinantes de saúde. Inspirados por Larrosa, analisamos os sentidos que ganham densidade nas práticas de saúde a partir do par experiência/sentido. A experiência é o que dá sentido ao saber, gerando marcas, estados inéditos, que nos levam a produzir novos modos de sentir/pensar/agir em saúde, assim, construímos a dimensão do cuidado pautado na arte do encontro. Essa é a dimensão estética/inventiva que buscamos resgatar por meio da pesquisa que utiliza dispositivos artísticos, os mais variados.  Portanto a dimensão artística que nos interessa na saúde não é a arte como técnica utilitária ou contemplativa, mas a sua dimensão estética que não deve ser confundida como uma atividade restrita aos artistas, mas que é inerente a todo ato de criação, que busca compreender a vida e seus processos como criativos e instituintes de NOVOS modos de vida ou seja, tudo que possa de alguma forma contribuir, ainda que sutilmente, para os processos de subjetivação em vias de singularização, principalmente para dar passagem à criatividade subjetiva das minorias oprimidas. Nossas experiências expressam o diálogo interdisciplinar, destacando-se as áreas de Saúde Coletiva e Psicologia Institucional, formando uma multiplicidade de intervenções possíveis na pesquisa e na formação. Dentre as experiências tecidas em nossos diálogos, destacamos a utilização da contação de histórias junto a profissionais que lidam com mulheres em situação de violência, o uso da música e de imagens artísticas na formação em psicologia, visto como uma forma potente de experienciar memórias, afetos e subjetividades/diferenças, o teatro nas aulas de medicina e a produção de pesquisas de mestrado e doutorado, que se pautam na dimensão inventiva de caminhos metodológicos que privilegiam os olhares estéticos, abrindo passagem às narrativas dos sujeitos outrora subalternizados e historicamente deslegitimados em suas trajetórias de vida. Antes de tudo, o que nos move é produzir reflexões críticas que favoreçam as análises das implicações sócio-histórico políticas pelo coletivo a respeito do cuidado em saúde, que façam emergir as subjetividades, que não são sinônimo de individualidade, mas que dão visibilidade às singularidades que se apresentam como linhas de forças que atravessam o campo da produção de cuidado fazendo de cada encontro, um encontro único, portanto, potente, em saúde.


RESULTADOS/IMPACTOS

As experiências narradas sinalizam a aposta na dimensão da ética do cuidado, pautada na produção de modos inventivos de atuação, de práticas de saúde, entendendo saúde de forma mais ampliada, não no binarismo saúde/doença, mas na ampliação dos corpos e dos afetos, em um regime de afetabilidade desses corpos. Em nossas experiências na formação e nas pesquisas nos deparamos com narrativas que se tornam experiências compartilhadas de marcas e corpos, o que possibilita o cuidar a partir da dimensão do cuidado de si, produzido na arte de encontro e na construção de um espaço comum. Compreendemos que não é possível obter resultados diferentes se permanecermos repetindo práticas homogeneizantes, que perpetuam os individualismos e as subjetividades privatizadas, que, desde a modernidade, reiteradamente perpetuam a exacerbação do eu, em detrimento do coletivo. Compreendemos ainda que há a premente demanda de questionar e desconstruir o lugar do especialista, seja o profissional-especialista ou o pesquisador-especialista, ambos detentores do saber, pois a manutenção deste lugar impossibilita a produção do cuidado como experiência, tecida portanto no encontro entre os sujeitos e os grupos, onde as múltiplas narrativas podem ser ouvidas, acolhidas, legitimadas, produzindo um cuidado em ato. Apostamos na construção do sensível, baseada na experiência, na arte do encontro, na educação do olhar e na escuta sensível/instituinte para favorecer a construção de uma ética do cuidado onde a diferença é condição intrínseca à igualdade, ao mesmo tempo em que se constitui estratégia política para a superação do neoliberalismo na saúde, conduzindo a práticas mais democráticas e inclusivas de agenciamento para a produção do cuidado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na contramão da produção do conhecimento científico deslocado dos corpos, signo de uma ciência pautada na neutralidade, apontamos caminhos para a produção de conhecimentos impregnados de marcas, afetos e vida, portanto, pautados na experiência e na escuta sensível/instituinte, que não se contenta com regimes de verdade acerca dos sujeitos, compreendidos em sua historicidade e dimensão sócio-política. Nestes caminhos, a formação e a pesquisa se tornam inseparáveis da vida, abarcando-a em toda sua dimensão. Assim, pensar o cuidado a partir do paradigma ético-estético-político, nos demanda agir como pesquisadoras-docentes-artesãs, que cotidianamente tecem narrativas/pesquisas e formação como as mais belas obras de arte.