Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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INSEGURANÇA ALIMENTAR E SAÚDE NO BRASIL NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19
Samara Santos Nascimento Torres, Dâmmarys Venância Freire Nascimento, Lara El Kadri Cerquetani, Juliana Vieira Saraiva, Camile Smith de Oliveira Brito, Paula Katherine Corrêa Nascimento, Ana Paula Ferreira dos Santos, Plínio José Cavalcante Monteiro

Última alteração: 2022-02-14

Resumo


APRESENTAÇÃO: A Lei de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº 11.346/2006), em seu artigo 2º, considera uma alimentação adequada como um direito humano fundamental, em consonância com os diretos garantias fundamentais protegidos pela Constituição Federal (CF/1988). Ademais, em seu artigo 3º, a Lei assevera que “a segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais”, baseado em práticas alimentares promotoras de saúde que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis, respeitando-se a diversidade cultural.

Desde fevereiro de 2010, a alimentação foi abarcada entre os direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal. No entanto, o direito humano à uma alimentação adequada está muito distante da realidade de muitos brasileiros, tendo sido fortemente impactado durante os últimos anos, em virtude da pandemia da COVID-19.

O aumento da insegurança alimentar e nutricional da população em um contexto pandêmico vem agravando outros determinantes sociais da saúde, diante da carência ou da ineficácia de políticas públicas que possam melhorar as condições de vida das pessoas, sobretudo de populações vulneráveis como as crianças, os idosos, os povos indígenas, os quilombolas, os negros e a comunidade LGBTQI+, notadamente nos países pobres, como o Brasil. Além disso, devemos considerar que existe uma relação direta entre insegurança alimentar e comprometimento do sistema imunológico, possibilitando a emergência de diversas patologias e o aumento no risco de complicações graves e da taxa de mortalidade pela infecção por SARS-Cov-2 (COVID-19).

Diante disso, o objetivo desta revisão é identificar os indicadores de insegurança alimentar e nutricional associados às condições de saúde dos brasileiros no contexto da pandemia por COVID-19.

DESENVOLVIMENTO: Os artigos foram acessados por meio da plataforma PubMed, utilizando os descritores “Food insecurity” e “Brazil". Os resultados de cada um dos termos foram cruzados entre si com o operador “AND”, restringindo a pesquisa aos artigos publicados entre janeiro de 2018 e janeiro de 2022 e que apresentavam ambos os descritores no título e no resumo, simultaneamente. Dos 140 artigos encontrados, foram selecionados 36 para a leitura dos resumos, 24 para a leitura integral e, por fim, 18 artigos para a composição do capítulo e revisão das referências.

RESULTADOS E/OU IMPACTOS: A temática da insegurança alimentar e nutricional é recorrente e bem conhecida no Brasil, pois repercute fortemente no cotidiano de seu povo em virtude da estrutura social e a da desigual e injusta distribuição de renda, o que limita o acesso amplo e contínuo a alimentos de qualidade em quantidade suficiente, acabando por comprometer as necessidades essenciais das famílias que se encontram em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica.

Em 2021, de acordo com o levantamento realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), cerca de metade da população brasileira (116,8 milhões de pessoas) convivia com algum grau de insegurança alimentar, maior índice desde 2004. Esta situação parece ter sido agravada como reflexo de um cenário pandêmico, cujas medidas de isolamento social e as restrições para funcionamento do comércio, somadas às condições de instabilidade política, econômica e desmontes de diversas políticas públicas, culminaram em uma situação de instabilidade socioeconômica e agravamento da pobreza. Ademais, o aumento no consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados, devido a sua maior durabilidade e disponibilidade, também refletiu negativamente na segurança alimentar e nutricional neste período.

Apesar da criação de programas sociais voltados para a diminuição do impacto econômico gerado pela crise, como Renda Básica Emergencial (União), Programa de Aquisição de Alimentos e Auxílio Financeiro Emergencial (Estados), programas de doação emergencial de alimentos (Estados e Municípios), entre outros, a insegurança alimentar ainda é uma realidade, sendo verificado seu crescimento durante o período da pandemia de COVID-19.

O Brasil é um país de dimensões continentais e de grande diversidade econômica e social, o que inclui diferenças significativas na acessibilidade aos programas sociais concedidos pelos Governos Federal e Estaduais. Cerca de 26% da população geral e 16% dos analfabetos ou com baixa escolaridade não conseguem usar adequadamente a internet; calcula-se que 46 milhões de brasileiros vivem sem conta bancária, não tem acesso à internet e nem Cadastro de Pessoa Física (CPF) ativo. Todas as situações se tornam empecilhos ao adequado acesso da população a diversos recursos públicos, fazendo com que não disponham de auxílio específico para que possam assegurar seu direito fundamental à alimentação.

Em uma análise semântica, a fome pode ser caracterizada de diversas formas, desde um sentimento de vazio no estômago, até a falta de acesso a alimentos de qualidade nutricional, porém, para além das definições de comunicação, a fome representa um importante aspecto biológico e um problema socioeconômico e cultural. Sabemos que diversas formas de interação social, como encontros e comemorações familiares, festas e eventos coletivos, ocorrem tendo a alimentação como centro das atenções, evidenciando seu importante papel no desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e social das pessoas. Um estudo recente, realizado no Reino Unido com mais de mil famílias que possuíam crianças pequenas, evidenciou que naquelas famílias em que estava presente um quadro de insegurança alimentar, verificava-se uma diminuição da sensibilidade materna em reconhecer as necessidades das crianças, impactando negativamente na afetividade e no cuidado. Outrossim, há uma correlação entre insegurança alimentar e transtornos mentais comuns, como depressão e ansiedade, elevando a morbidade e os impactos socioeconômicos dessa condição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Dessa forma, a presença da insegurança alimentar e nutricional em um cenário pandêmico, analisada sob a óptica de diferentes indicadores sociais, revela que há um quadro de crise sanitária e consequências decorrentes das medidas de distanciamento social aplicadas no Brasil, os quais resultaram em impactos econômicos profundos nas condições de empregabilidade e renda da população.

Assim, ao desnudar essa situação, urge a necessidade de ações que coloquem a vida e a dignidade humana como prioridades nas decisões políticas e na elaboração e execução de políticas públicas, salvaguardando os direitos humanos fundamentais. E, no caso do direito humano à alimentação adequada, significa garantir que todas as pessoas, sobretudo as mais vulneráveis, tenham acesso a uma alimentação de qualidade.

Portanto, a realidade atual demonstra a necessidade de mais uma vez, como na maioria dos períodos de crise, trazer à tona o debate político-social a respeito da insegurança alimentar e nutricional, não apenas em relação ao acesso a alimentos diariamente em quantidade suficiente, mas considerando, de igual modo, a qualidade dos alimentos, com foco na diminuição do consumo de produtos de má qualidade e incentivo aos produtores locais, para que estes possam fornecer com maior segurança e mais facilidade seus produtos. Logo, é necessário considerar as condições em que os diversos grupos sociais se inserem, suas necessidades e particularidades, viabilizando medidas para que os auxílios governamentais sejam distribuídos de forma eficiente aos grupos em situações de vulnerabilidade, além do aprimoramento das políticas públicas, a fim de garantir o direito à alimentação de qualidade e, consequentemente, garantir a dignidade individual e maior desenvolvimento coletivo.