Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
“Não sei vocês, mas eu não tinha essa visão”: A residência multiprofissional em saúde como espaço de (re)invenção do cuidado em saúde mental na fisioterapia.
Matheus Madson Lima Avelino, João Mário Pessoa Júnior

Última alteração: 2022-01-28

Resumo


APRESENTAÇÃO

No Brasil, a Atenção Psicossocial e sua interface com as práticas de cuidado em saúde mental no território enfrenta desafios ligados as investidas neoliberais nas políticas públicas nacionais e o desmonte atual no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) com os retrocessos no setor saúde da atual gestão do governo federal.

Nos últimos anos, observa-se o apagamento das equipes multiprofissionais na Atenção Básica (AB) com reflexos na condução da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que vivencia o enfraquecimento do processo de reforma psiquiátrica. Evidencia-se o retorno de práticas manicomiais de outrora marcado pelo incentivo ao eletrochoque, a expansão das comunidades terapêuticas, cortes no financiamento dos serviços substitutivos, entre outras investidas contrárias aos ideais reformistas.

Neste cenário político, ideológico e cultural adverso, as residências multiprofissionais em saúde têm papel importante enquanto espaço de resistência no contexto do SUS, através do reforço ao trabalho interprofissional e o fortalecimento do processo de reorientação do modelo assistencial e de formação em saúde. Busca-se não apenas qualificar profissionais de saúde, mas ressignificar a produção do cuidado em saúde entre os serviços consoante aos princípios do movimento sanitário e de reforma psiquiátrica.

Partindo-se da complexa e necessária aproximação entre Saúde Mental e Saúde da Família, o presente trabalho demarca o relevante papel das residências multiprofissionais em saúde no SUS, quer seja na mudança de paradigma na formação e qualificação profissional, ou mesma na reinvenção de práticas de cuidado em saúde no território. Entende-se a necessidade cada vez de se refletir e debater as experiências exitosas dos profissionais junto as residências na perspectiva do trabalho interprofissional em saúde voltados a gestão e cuidado em saúde mental na AB.

Assim, o trabalho tem como objetivo compreender como a residência multiprofissional opera na construção das práticas de cuidado em saúde mental na atenção básica e na ressignificação das práticas entre profissionais de fisioterapia.

MÉTODO DO ESTUDO

Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa.

Os interlocutores foram sete fisioterapeutas residentes do programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica/Saúde da Família de Comunidade (RMABSFC), em parceria com a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), município de Mossoró/RN. O Programa engloba seis categorias profissionais, sendo elas: fisioterapia, enfermagem, odontologia, psicologia, nutrição e serviço social, que desenvolvem suas atividades diversificadas em unidades básicas de saúde locais.

A produção de dados se deu no ano de 2019, através de grupo focal com roteiro pré-estruturado e do Círculo de Cultura que teve como pergunta geradora “Como o fisioterapeuta da atenção básica pode contribuir para o cuidado em saúde mental nos territórios”? Os encontros foram registrados em áudios, estes foram transcritos e submetidos a análise de conteúdo temática de Bardin.

Em respeito aos preceitos éticos da pesquisa com seres humanos, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UERN sob parecer de número 16218819.4.0000.5294. Anteriormente ao encontro os participantes foram esclarecidos sobre os procedimentos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como um termo de autorização de gravação de áudio.

RESULTADOS

Mediante análise categorial temáticas das narrativas, emergiram dois núcleos de sentidos principais: o trabalho interprofissional na coprodução de aprendizagens e a residência multiprofissional como lugar de expressão das criatividades.

Observou-se que sujeitos vivenciam na residência multiprofissional em saúde um processo de formação inovador junto aos serviços no SUS, marcado por encontros com outras categorias profissionais, além das trocas e compartilhamentos de aprendizados em torno das práticas e tomadas de decisão no cotidiano. No campo da atenção psicossocial, tais encontros fortalecem a perspectiva do apoio matricial, com o desenvolvimento de tecnologias de cuidado, gestão e educação em saúde mental, voltados ao exercício da autonomia das pessoas com transtornos mentais e suas famílias.

Nas residências não se aprende só sobre o outro, mas se aprende com o outro um novo jeito de cuidar das pessoas. É nesse sentido que os fisioterapeutas expõem o desafio de cruzar as fronteiras da formação em fisioterapia e colocam a residência como central na superação desse desafio, ampliando os horizontes de sua atuação, onde relatam o despertar para saúde mental no cotidiano.

Historicamente a fisioterapia é uma categoria profissional que tem sua prática fundamentada no processo de reabilitação humana, sendo sua atuação na AB algo ainda em construção, onde o principal desafio é superar a visão tecnocrata de cuidado, evidenciado pelos relatos de fisioterapeutas que comumente associam as dificuldades de atuação na AB atreladas às tecnologias duras, pouca disponibilidade de insumos e equipamentos de fisioterapia.

No campo da saúde mental as experiências em fisioterapia também são mais frequentemente relatadas em serviços especializados de saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), hospitais psiquiátricos e ambulatórios. No entanto, ressalta-se a tendência destas experiências reproduzirem o paradigma tradicional, buscando investigar os efeitos neurofisiológicos da atividade física no controle de sintomas de transtornos mentais.

Entende-se que a abordagem tradicional tenha sua importância no desenvolvimento de intervenções na fisioterapia, entretanto, reforça-se a importância destas ações estarem associadas a perspectiva intersubjetiva de cuidado em saúde mental que contemple o corpo e seus processos de significações. Nesse sentido, expressa-se a necessidade de se investir em novas tecnologias de cuidado em saúde mental que apontem para o vínculo com os usuários, a escuta sensível dos indivíduos, bem como o papel das relações familiares e comunitárias no processo terapêutico.

Os residentes narram suas experiências em grupos de cuidado interprofissional em saúde mental, em especial com a psicologia, na composição de espaços conjuntos, sejam em grupos destinados à escuta dos usuários, ou de para práticas corporais, onde ambas categorias se colocavam como facilitadores destes processos.

Entende-se a residência multiprofissional em saúde como lugar de criação de novos modelos de cuidado, de ousadia e (re) invenção. Os participantes ainda destacam o potencial das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde no contexto das intervenções de cuidado individual e coletivo em saúde mental na atenção básica, por contemplarem aspectos emocionais e espirituais das pessoas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As residências multiprofissionais em saúde, sob a óticas dos fisioterapeutas residentes, constituem importantes espaços de (re)invenção do cuidado em saúde mental por favorecerem um ambiente de trabalho colaborativo e transformador das práticas e de formação em saúde no serviço, além de potencializar o processo de produção de cuidado entre as diversas categorias, através de arranjos interprofissionais. Assim, reconhece-se que as residências apontam para um deslocamento no olhar sobre as formações em saúde e em fisioterapia, sendo, portanto, importante lugar de produção de experiências que fortalecem o SUS, a reforma sanitária e psiquiátrica.