Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A voz dos invisíveis: relato de experiência de uma pré-conferência de saúde em um presídio
Beatriz Santana Caçador, laylla veridiana castória silva, Fabiana Nascimento Lopes, Amanda de Paula Nogueira, Ana Carolina dos Santos Paiva, Leticia Gonçalves Caldeira, Lucas Borges Gomes Ferreira Pinto, Matheus Augusto Soares de Resende

Última alteração: 2022-01-27

Resumo


Apresentação: O Sistema Único de Saúde (SUS) propõe uma transformação estrutural na forma de pensar e de organizar os serviços de saúde bem como na configuração da própria dinâmica da sociedade. No que tange as mudanças na forma de pensar sobre saúde, os princípios do SUS constituem uma reviravolta ética para produzir cuidado, por ser sustentando pela integralidade, universalidade de acesso e equidade. No que diz respeito as mudanças organizativas, além da descentralização e hierarquização, as diretrizes do SUS estabelecem uma gestão democrática do sistema incluindo a participação social como uma das instâncias deliberativas das políticas de saúde. Assim, a população tem voz e pode participar ativamente das definições acerca das políticas de saúde no país. Para viabilizar essa participação, são realizadas as Conferências Nacionais, Estaduais e Municipais de Saúde, que ocorrem de quatro em quatro anos em todo território nacional. Visando o fortalecimento da participação social e, tendo como perspectiva a integração ensino-serviço, no ano de 2019, realizou-se em parceria entre município e uma Universidade Pública a 11ª Conferência Municipal de Saúde em um município do interior de Minas Gerais. Destaca-se a inserção das pessoas privadas de liberdade neste cenário. Sabe-se que a população carcerária constitui-se como um conjunto da sociedade marginalizado e inviabilizado que, além de vivenciar um cotidiano marcado por insalubridade e violências, também possui barreiras de acesso aos serviços de saúde. Importa destacar que a privação de liberdade não significa privação de direitos fundamentais. Assim, defender a saúde como direito de todos traz como desafio garantir que o SUS em sua totalidade seja realidade também para as pessoas privadas de liberdade. Objetivo: relatar a experiência de realização da pré-conferência de saúde em um presídio no interior de Minas Gerais. Descrição da experiência: As oficinas das pré-conferência de saúde do município seguiram o mesmo formato, estruturadas mediante abordagem construtivista pautadas em metodologias ativas que incentivassem a participação das pessoas na construção de proposições. No presídio, com o apoio irrestrito da diretoria, manteve-se o mesmo desenho metodológico. Participaram 23 pessoas privadas de liberdade. Os sorteadas foram conduzidos pelos agentes penitenciários para um terraço amplo o qual possuía uma grade na entrada, sendo possível manter padrões de segurança, ao mesmo tempo em que puderam permanecer sem algemas, viabilizando uma participação ativa. Uma docente do curso de enfermagem da universidade em parceria, três estudantes de medicina e dois de enfermagem participaram como facilitadores da atividade. A oficina teve duração de duas horas e foi dividida em quatro momentos: no primeiro realizou-se uma apresentação de todos os participantes, com confecção de crachás de identificação e a dinâmica da “História do Nome” cujo objetivo foi promover maior integração e quebrar o gelo inicial comum nas atividades grupais. No segundo momento realizou-se uma tempestade de ideias e as pessoas privadas de liberdade foram instigadas a pensar sobre “O que é o SUS para você?” e escrever uma palavra que definisse “o que significa o SUS em sua vida?”. No terceiro momento abordou-se sobre o que é o SUS, pautando-se como referência e ponto de partida as falas das pessoas privadas de liberdade. Em seguida, no quarto e último momento, dividiu-se os participantes em três grupos de modo aleatório e cada grupo recebeu uma cartolina e canetas piloto. Cada grupos correspondia a um dos eixos da conferência, a saber: eixo 1- saúde como direito; eixo 2- consolidação dos princípios do SUS e eixo 3- financiamento do SUS. Neste momento, os participantes tiveram 20 minutos para conversar e escrever na cartolina o que poderia ser feito para melhorar o SUS dentro da realidade carcerária vivenciada e 20 minutos para discussão. Devido a situação de privação de liberdade dos participantes, não elegeu-se delegados, mas suas demandas foram inseridas no relatório final. Em relação aos recursos materiais utilizados, foram necessárias três cartolinas, nove canetas piloto, vinte e nove crachás feitos com folha ofício e colados com fita crepe.  Resultados: Inicialmente os participantes estavam tímidos e pouco comunicativos. No momento da atividade dos grupos foi nítida a mudança de comportamento, sendo possível perceber a participação ativa nos debates e na defesa de ideias. Percebeu-se, também, que a maioria dos participantes possuíam uma percepção limitada do SUS reconhecendo-o apenas como consulta médica e atribuindo-lhe pouca confiança na prestação de serviços. Os mesmos ficaram surpresos e admirados no momento em que foi feita abordagem sobre o SUS e o esclarecimento sobre a amplitude das ações que envolvem as vigilâncias ambiental e sanitária, controle de zoonoses, controle da qualidade do ar, água, solo, a perspectiva de promoção da saúde, prevenção de agravos e o entendimento da saúde de modo ampliado. Por meio da abordagem rápida sobre a história do SUS e sua importância para o fortalecimento da democracia no Brasil, percebeu-se que chamou atenção a questão da saúde como direito inclusive para eles. Na oportunidade realizou-se uma breve abordagem sobre a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP) e sobre a possibilidade legal de haver equipes de saúde da família dentro das unidades prisionais, abrangendo diferentes profissionais, mediante articulação com o município. Ainda, devido à ausência de médicos e enfermeiros no presídio, as pessoas privadas de liberdade apresentaram várias necessidades de saúde de natureza clínica, na medida em que foram ganhando confiança e liberdade de interagir com os grupos de facilitadores. Em relação às demandas apresentadas pelos grupos de trabalho de acordo com os eixos propostos, destacou-se: a fiscalização contínua da vigilância sanitária, a fim de melhorias na infraestrutura para rever a superlotação e o atendimento nos presídios (presença de urubus na caixa d’água, comida estragada, presença de insetos transmissores de doenças como baratas); realização de exames de saúde em todos que entrarem no presídio, para evitar a propagação de doenças infecciosas e garantir maior assistência em saúde humanizada, como melhores condições de alimentação para portadores de doenças específicas como diabetes; realização de campanhas de saúde que abarquem palestras e cartazes nos presídios; ampliação da fiscalização dentro dos presídios no que se refere a distribuição de medicamentos, condições de higiene e sanitárias; melhorarias do acesso às necessidades de saúde das pessoas privadas de liberdade com garantia do direito à saúde mediante presença de médico e enfermeiro em horário integral no presídio. Conclusões: As proposições desenvolvidas pelos privados de liberdade foram discutidas na 11ª Conferência Municipal de Saúde com a sociedade, gestores, profissionais de saúde e estudantes, dando visibilidade ao cotidiano no cárcere e suas necessidades. Tais proposições foram incorporadas no Relatório Final conferência legitimando a realidade das pessoas privadas de liberdade como uma questão que importa à toda sociedade. A atividade possibilitou um momento autêntico de educação em saúde que ampliou os horizontes dos privados de liberdade sobre a grandeza do SUS. Por fim, possibilitou, também, a ampliação da consciência sobre os próprios direitos e deu voz a essa população historicamente silenciada e invisibilizada. A participação social no SUS é um exercício que precisa cada vez mais ser oportunizado para todo cidadão, garantindo a gestão democrática do sistema.