Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Pesquisa-intervenção Centro de Convivência Virtual: potencialidades e desafios da promoção da saúde com arte-cultura em tempos de isolamento social
Ariadna Patricia Estevez Alvarez, Neli Maria de Castro Almeida, Claudia Osorio, Claudia da Rocha Vieira, Isabella Cunha Alves, Isabela Lopes Ferreira

Última alteração: 2022-01-31

Resumo


O objetivo deste trabalho é compartilhar os resultados de uma pesquisa-intervenção do projeto Centro de Convivência Virtual: promoção de saúde e redes de afeto em tempos de pandemia, realizado com apoio do Programa Inova Fiocruz/ Covid-19. Os Centros de Convivência e Cultura (CECOs) são pontos da Rede de Atenção Psicossocial na Atenção Básica, que favorecem ações intersetoriais, agenciando arte, cultura e trabalho na ocupação dos espaços públicos, criando encontros, convivência e sociabilidades. O Centro de Convivência Virtual se constitui como uma ferramenta do SUS que reúne os seguintes CECOS e coletivos: Núcleo Convivências - IFRJ - Campus Realengo; Coletivo Convivências - UFRJ; Centro de Convivência Projad - UFRJ; Centro de Convivência e Cultura de Niterói; Centro de Convivência e Cultura Paula Cerqueira - Carmo; Centro de Convivência e Cultura de Macaé;Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho; Centro de Convivência e Cultura Fazendo Arte; Centro de Convivência Polo Experimental - Museu Bispo do Rosário.

O CECOs Virtual visa a redução dos danos do isolamento social, através da Agenda ConViver, uma programação semanal flexível de intervenções artístico-culturais criadas com participação dos usuários, equipes dos Centros de Convivência e Cultura do Estado do Rio de Janeiro, além de estudantes e professores. Os CECOs e coletivos universitários, articulados em rede no Fórum de CECOs do RJ, realizaram, durante 18 meses (junho 2020-dezembro 2021), um total de 28 tipos diferentes de atividades-intervenções, tais como:  capoeira, tai chi chuan, atividades musicais, dança do ventre, rodas de conversa, dança sênior, programas de rádio, contação de histórias, poesias, circo, cine debate, terapia comunitária integrativa, violão, relaxamento, entre outras. A questão principal da pesquisa foi investigar desafios e potencialidades da convivência virtual na promoção da saúde e no fortalecimento das redes de afeto por meio da arte-cultura com o público participante, partindo da hipótese de que a virtualidade não é intrinsecamente uma barreira para trocas afetivas.

Como método da pesquisa que avaliou os efeitos das intervenções oferecidas pela Agenda ConViver usamos grupos focais online.  Foram realizados 4 grupos com os seguintes públicos: oficineiros responsáveis pelas atividades-intervenções (13 participantes); gestores dos CECOs (12 participantes); pessoas usuárias-conviventes (12 participantes); equipe de comunicação do projeto (3 participantes). O total dos 40 participantes da pesquisa debateram nos grupos focais, pelo aplicativo g-meets, os seguintes temas: 1) os motivadores para o engajamento no projeto; 2) a experiência de trabalho no CECO Virtual; 3)saúde, acesso, afetos ; 4) percepções no que se refere às políticas públicas para os CECOs.

Como resultado, destaca-se que  cerca de 80% do público participante era composto por mulheres, e estima-se que cerca de 40% já conhecia e/ou frequentava um dos CECOs, com vínculo anterior à pandemia. Estima-se que 60% da participação foi de pessoas novas, que souberam das atividades do CECOs Virtual no contexto da pandemia por convite de amigos ou por divulgação em redes sociais. O principal motivo de engajamento foi perceber a arte-cultura como promotora de saúde, além do desejo de sair do isolamento e conviver em meio a tantos desafios impostos pela pandemia.Na experiência de trabalho do CECO Virtual, se tornou perceptível que o trabalho real era constantemente recriado a partir do trabalho prescrito. Como se sabe, as inúmeras instabilidades que decorrem da internet são desafiadoras e convocam a equipe a lidar com isso. Há, algumas vezes, demandas da vida pessoal que se chocam com os afazeres do meio virtual, interferindo consequentemente no trabalho a ser realizado. As oficinas souberam driblar essas adversidades: os oficineiros ampliaram o poder de ação em meio ao trabalho real e sobre eles mesmos.Em diversas oficinas, tendo destaque as de práticas corporais instituíram um novo modo de funcionamento. Muitas das vezes, o oficineiro não podia ver o corpo do outro, devido a câmera fechada, ou apenas via através de um pequeno quadrado na sala do google meets. Isso modificou a forma como a atividade era passada e a relação entre conviventes e oficineiros. Por exemplo, na dança do ventre a profissional responsável organizou o encontro de uma hora pelo meets em 4 momentos: 1) conscientização corporal, preparando o segmento a ser explorado no dia, por exemplo: quadril e pernas ou cabeça e tronco; 2) estudo de movimentos codificados (movimentos próprios da dança do ventre) relacionados a parte trabalhada; 3) exploração coreográfica; e 4) alongamento e conversa. Em conjunto com o coletivo, foram criados novos modos de fazer, possibilitando a criação de novos modos de subjetivação. Neste inovador espaço virtual, peças de teatro foram criadas, coreografias, festas juninas, celebrações foram inventadas com os moradores de residências terapêuticas, jovens, idosos, todos conviventes se valendo da alegria gerada do bom encontro como principal matéria-prima.

Isso nos sinaliza a criação de um novo território para o trabalho dos CECOS. Território entendido como lugar da vida pulsante, de conflitos, interesses, projetos e sonhos. A Agenda ConViver transformou a presença dos CECOs nos territórios, instituindo a ocupação de um novo território: o território virtual. Este foi percebido em alguns casos como um limitador  como um usuário que disse que antes, tínhamos de fato o Centro de Convivência e aqui é um celular de convivência, então, perde espaço e em outros casos foi reconhecido como um potencializador, pois o virtual potencializou a qualidade, a quantidade e a intensidade dos vínculos entre conviventes e equipes.

Com a convivência virtual foi criada uma rede-CECOs, que possibilitou encontros, trocas, diálogos entre as diferentes equipes dos CECOs do RJ, entre os CECOs e outros serviços/setores,  e entre conviventes de cidades diversas. Em relação ao acesso, para os usuários que já tinham acesso à internet a intervenção contribuiu na garantia do direito à saúde pública promovendo emancipação, acolhimento e  sociabilidade mesmo que de forma virtual. Contudo, dadas as desigualdades sociais em nosso país, e o grave problema da inclusão digital, reconhecemos que não foi possível garantir a universalidade do acesso a esta ferramenta do SUS. Consideramos ainda que o CECO Virtual desempenhou um importante papel na resistência ao desmonte das políticas públicas de saúde mental ao oferecer a estrutura tecnológica para criação da Frente Ampliada de Saúde Mental (FASM), movimento determinante para barrar o “revogaço” das portarias e legislações antimanicomiais em dezembro de 2020. Mesmo depois do fim da vigência oficial do projeto, a Agenda ConViver segue atuando como cenário de práticas para profissionais em formação como estudantes de psicologia, terapia ocupacional, fisioterapia, serviço social, dança, se configurando para além de uma intervenção artístico-cultural como um espaço de fortalecimento das redes formativas da educação pública e interprofissional.