Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE E O SABER TRADICIONAL DO INDÍGENA BRASILEIRO.
Priscilla Farias Naiff, Lara Suellen Bezerra Lopes, Vanderlane Duarte, Ângela Xavier Monteiro, Giane Zupellari dos Santos-Mello, Glaucia Maria de Araujo Ribeiro, Shirley Maria de Araújo Passos, Tania França

Última alteração: 2022-02-14

Resumo


Apresentação: No Brasil, há 19 anos existe uma Política Nacional de Atenção à Saúde das Populações Indígenas (PNASPI), que faz parte da Política Nacional de Saúde e regulamenta a rede de atenção à saúde indígena de acordo com a portaria ministerial no 254 de 2002, focada no conceito de atenção diferenciada, sob uma perspectiva participativa e intercultural. As diretrizes da PNASPI compatibilizam as determinações das Leis Orgânicas da Saúde com as da Constituição Federal, que reconhecem direitos territoriais além de especificidades étnicas e culturais dos povos indígenas, o que inclui a medicina tradicional (MT) indígena. O presente estudo teve como objetivo conhecer as evidências em produção científica sobre o conhecimento tradicional em saúde dos povos indígenas do Brasil e sua relação com a política pública de saúde indígena no país. Método: Revisão integrativa, desenvolvida em cinco etapas: formulação do problema, levantamento de estudos, avaliação dos dados, análise dos dados e apresentação dos resultados. A primeira fase foi a definição do tema e da questão norteadora. Para a busca dos artigos foram utilizadas duas bases de dados: LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e a biblioteca virtual SciELO (Scientific Electronic Library Online). No levantamento dos estudos, foram utilizados os descritores Políticas públicas AND saúde indígena OR medicina tradicional indígena OR xamanismo nos idiomas espanhol, inglês e português, adaptados de acordo com cada uma das bases de dados. Foram incluídos estudos que responderam à questão norteadora, disponíveis nos meios eletrônicos nas referidas bases de dados, selecionados pelo título, resumo e leitura completa. As publicações repetidas entre as bases foram analisadas uma única vez. A busca dos textos foi realizada nos idiomas português, espanhol e inglês, abrangendo artigos publicados nos últimos cinco anos, de 2016 a 2021. A delimitação deste período se deu para verificar se houve relatos na literatura científica de alguma mudança relacionada a PNASPI e saberes tradicionais, que veio melhorar ou dificultar essa relação, em diferentes momentos políticos, nos últimos cinco anos, no território brasileiro. A busca e a seleção dos artigos incluídos por título e resumo na revisão foram realizadas por três revisoras de forma independente. Inicialmente foram identificados 283 artigos e removidas 27 duplicatas. Todos os títulos foram lidos e selecionados aqueles relacionados ao objetivo do estudo (n = 256). Após a seleção dos artigos pelo título, foram excluídos os estudos cujos resumos não abordassem o tema ou o objetivo proposto (n = 223). A partir desse método foram pré-selecionadas 33 publicações, que após pré-análise formou um banco de dados de oito artigos selecionados. Os artigos selecionados foram lidos na íntegra e, se enquadrando nos critérios de inclusão, foram incluídos definitivamente no estudo. As três revisoras realizaram uma segunda leitura para obtenção dos dados a serem utilizados na revisão integrativa. Os artigos incluídos foram tratados por meio do checklist do Statement for Reporting Systematic Reviews and Meta-Analyses of Studies (PRISMA) e deles extraídas as principais informações acerca dos artigos selecionados, tais como ano de publicação, referência, delineamento do estudo, nível de evidência e considerações. A análise e interpretação dos resultados foram baseadas na questão norteadora e no objetivo estabelecido. Resultados: Foram incluídos oito estudos que respondiam ao objetivo da pesquisa e atendiam aos critérios de inclusão. Na análise, um artigo foi publicado na língua inglesa e sete na portuguesa. Nenhum artigo na língua espanhola foi selecionado no período de 2016 a 2021. O estudo evidenciou que ainda existem alguns obstáculos para a efetivação de uma atenção diferenciada como um processo de interação construído de forma mútua e compartilhada, pela execução de novas práticas interculturais em saúde de acordo com as premissas fundantes da legislação nacional. A política de saúde direcionada aos povos indígenas, apesar de conter diretrizes que integrem o saber tradicional em saúde com a medicina científica no Sistema Único de Saúde, na prática, ainda está distante da realidade. A literatura encontrada aponta que, no geral, a operacionalização da política em saúde indígena não tem favorecido as ações em saúde integradas aos aspectos socioculturais e às necessidades das comunidades indígenas. Na verdade, o que se observa, são práticas ou ações contrárias aos princípios e pressupostos fundamentais da PNASPI. O indígena é muitas vezes visto pelos profissionais de saúde como um ser incapaz de cuidar de si e, portanto, o saber biomédico é utilizado de forma dominante. O conhecimento popular geralmente é rebaixado, ignorado e desprezado, o que constitui uma forma de violência simbólica com essa população. As práticas voltadas para a saúde dos povos indígenas constituem um desafio para profissional de saúde na medida que envolvem o reconhecimento da diversidade de cada povo e a garantia de acesso equitativo aos serviços com qualidade. Estes profissionais devem estar capacitados para intervir sobre os agravos mais frequentes e sensibilizados antropologicamente, considerando as diferenças sociais e culturais das etnias a serem atendidas na região. A proximidade com a realidade da saúde indígena aliada ao conhecimento científico pode favorecer a oferta de cuidados diferenciados à população indígena. É de extrema relevância examinar o preparo dos recursos humanos, tornando-lhes adequados a prestarem assistência em saúde e sanitária a esses povos, considerando os seus princípios e respeitando as suas medicinas tradicionais. Para alcançar esses anseios se faz necessário modificar, em todos os níveis do Brasil, a postura etnocêntrica e tecnológica frequentes dos profissionais atuantes na área da saúde. Considerações finais: Embora existam pesquisas abordando a temática do saber tradicional em saúde da população indígena brasileira relacionado à política de saúde pública para estas populações, a literatura ainda é extremamente escassa em pesquisas que melhor evidenciem essa relação. A medicina tradicional indígena representa um dos objetos pautados pelas políticas públicas e pelos povos indígenas na luta pela efetivação de seus direitos diferenciados. O país possui políticas públicas que utilizam a noção de tradicional para qualificar seus objetos, porém na prática isso ocorre de forma incipiente e pontual. Na maioria das vezes o que se observa nos relatos daqueles que vivenciam essas experiências são as ações do Estado que descontextualiza saberes, práticas e praticantes, tornando o saber tradicional fragmentado em seus princípios constitutivos e excluindo-o das políticas públicas. Apesar dos avanços do cuidado em saúde no Brasil, observados nos mais de 30 anos de Sistema Único de Saúde (SUS), pouco progresso se observou quanto à saúde dos povos indígenas. Estudos evidenciam as constantes dificuldades na implementação da atenção diferenciada, baseada no princípio da equidade, e efetiva participação indígena na elaboração, execução e avaliação do subsistema. É necessário e urgente, em especial na atenção básica, integrar ações de saúde pautadas pelo conhecimento científico às práticas populares, evidenciando e tornando cada vez mais clara a importância da equidade de acesso e da integralidade da assistência, legitimando os princípios do SUS. Espera-se que o princípio da equidade prevaleça e com ele o aperfeiçoamento do funcionamento do SUS, de maneira que se adapte às especificidades de saúde dessas comunidades culturalmente diferenciadas.