Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A SABEDORIA POPULAR DA MULHER AMAZÔNICA COMO FERRAMENTA NO ACESSO À SAÚDE
Juliana Pereira de Araújo, Rita de Cássia Fraga Machado

Última alteração: 2022-01-30

Resumo


Apresentação: As mulheres, ao longo da história, cultivaram jardins com plantas medicinais, auxiliando pessoas com práticas que envolvem os usos das plantas e alimentos. Passados de mãe para filha, os conhecimentos tradicionais de cura para inúmeros males, são encontrados em meio as plantas. A presente pesquisa teve como objetivo identificar vivências que ressaltem a sabedoria popular da mulher amazônica como ferramenta no acesso à saúde. A pesquisa se justifica diante da importância do resgate dessas tradições e da ressignificação do papel da mulher no contexto da sabedoria popular, bem como pela fitoterapia fazer parte da Política Nacional de Práticas integrativas e complementares no SUS. Desenvolvimento: A metodologia adotada para a pesquisa foi a revisão de literatura. Foram pesquisados estudos sobre o tema com os seguintes descritores: “sabedoria popular”, “mulher” e “Amazônia”. Resultados: A sabedoria popular é um conceito que abrange a sabedoria de um povo, construída a partir de experiências vivenciadas ao longo do tempo, e transmitida de forma oral, de uma geração para outra, e também nos contatos sociais entre membros de uma mesma geração. Os povos indígenas, de fato, são conhecidos popularmente por seus conhecimentos fitoterápicos, abordando ervas medicinais no cuidado com diversas doenças, em tradições milenares transmitidas oralmente por diversas gerações. É importante ressaltar que o Brasil tem a Política Nacional de Práticas integrativas e complementares no SUS, que prevê o uso de um conjunto de práticas terapêuticas, entre elas a Fitoterapia. O autocuidado vem com atenção às crianças desde o nascimento e se remete a toda a família. No entendimento da medicina tradicional, a doença não é tratada unicamente com o medicamento, de modo que rezas, benzimentos e outros rituais fazem parte do tratamento. Assim, é constituído um complexo processo de trocas simbólicas, promovendo uma relação de solidariedade e favorecendo o contato social. Historicamente, cabe à mulher o cuidado com o lar e o contato diário com a comunidade. Por essa configuração histórica, as mulheres e a comunidade trabalham com o coletivo e quase tudo é realizado com a união daqueles que ali habitam, há reciprocidade, elas são detentoras do conhecimento da floresta e os saberes herdados com o cultivo das plantas medicinais e dos alimentos, geram evolução para comunidade visando saúde da sua população, saberes e prática com base no seu conhecimento, e educação popular. Essas mulheres são protagonistas pois compartilham saberes e são o alicerce para cuidar e alimentar de forma caseira e eficaz sua comunidade promovendo saúde, segurança alimentar e qualidade de vida. As mulheres são as responsáveis pelo cuidado com a natureza, não só por meio de plantas medicinais, mas por alimentos cujo a produção é feita de forma tradicional e com base sustentável conservando a diversidade biológica. Nas culturas indígenas amazônicas, há a figura do pajé, responsável pelos ritos religiosos e de cura das aldeias. A atuação do pajé se baseia em crenças e práticas de xamanismo, surgindo não só nas culturas indígenas, mas também africanas e de outras regiões do mundo. Na Amazônia, em específico, é comum que a figura do pajé seja exercida por homens, embora haja relatos de localidades em que mulheres as exercem. Na região da Amazônia, a pajelança, como é conhecida a atuação xamanística indígena, é uma prática social comum, mesclando saberes indígenas com saberes africanos e católicos, mesclados em ritos variáveis. Trata-se da pajelança cabocla, que se baseia no poder curativo de plantas, como também em experiências místicas de transe e contato com entidades do mundo espiritual. Na Amazônia, existem tanto locais em que a pajelança feminina é rara e é tabu, como também locais em que ela é muito comum, sendo uma região tão extensa e com grande diversidade cultural. De fato, em certos lugares, as pajés mulheres são vistas como mais poderosas que os pajés homens. Também há locais em que as mulheres, embora não sejam pajés, atuam como benzedeiras, curandeiras e parteiras, neste último caso, uma função exclusiva das mulheres. A grande diferença entre curandeiras e pajés está no fato das primeiras mesclarem seus saberes com a cultura cristã e não entrarem em transe no momento de sua atuação, enquanto as pajés entram em transe e realizam rituais mais elaborados. Um ponto que deve ser ressaltado é que a mulher muitas vezes é relegada a uma posição inferior na sociedade, o que prejudica suas interações e reduz o seu campo de atuação e de utilização de seus saberes. Mesmo nas sociedades amazônicas, isso é observado em muitos casos, demandando uma discussão e ressignificação da posição da mulher na sociedade, promovendo a sua emancipação. Assim, as mulheres enfrentam uma série de estigmas e preconceitos nesse ambiente, traçando histórias de luta e resistência a fim de colocarem em prática seus saberes. Discute-se, deste modo, o conceito de decolonialidade, questionando o pensamento eurocêntrico que molda as sociedades ocidentais, e afeta as tradições amazônicas, sobretudo a atuação da mulher. Em cenários de sincretismo, como observados na pajelança cabocla, os valores europeus se impõem com grande força, tanto pela organização social quanto pela religião cristã. A discussão deve abarcar tanto a posição da mulher na sociedade ocidental capitalista, como também o seu papel na religião cristã e nas religiões amazônicas, inclusive como xamãs. A luta das mulheres pelo reconhecimento de seus direitos e por uma atuação mais respeitada e livre, evocando seus saberes, converte-se até mesmo em uma questão jurídica na região amazônica. A sabedoria popular da mulher da região amazônica não se limita a conhecimentos fitoterápicos, mas também envolve a trama cultural de várias localidades e a concepção de mundo. Deste modo, é um elemento da sabedoria popular feminina que é importante no próprio desenvolvimento das mulheres e de sua concepção de mundo, bem como de seu lugar em sua sociedade. É um elemento cultural de grande potencial para o trabalho da arte e para a educação, sendo bastante relevante no folclore do Amazonas. Considerações finais: A pesquisa mostrou que embora os conhecimentos populares amazônicos tenham grande aceitação na sociedade e também fomento por parte da saúde pública, como terapias para serem utilizadas em conjunto com a medicina tradicional, essas mulheres sofrem repreensão e restrições em muitos lugares, punidas por terem aprendido sobre a cura e os encantos. Não obstante, muitas delas insistem em suas atividades, já que a sabedoria popular é fundamental na construção do indivíduo e em sua concepção de mundo, e elas persistem em suas crenças e convicções, oferecendo o que de melhor possuem para a sociedade. Existem, contudo, locais em que elas são reverenciadas, consideradas mais poderosas e eminentes que os pajés masculinos.

 

Palavras-chave: Sabedoria popular. Culturas indígenas. Amazônia. Mulher amazônica. Saúde.