Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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ORÇAMENTO PÚBLICO E O RETROCESSO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Lara Lopes, Rayssa Souza, Glaucia Maria Araújo Ribeiro

Última alteração: 2022-01-28

Resumo


Apresentação: no decorrer da história nacional a saúde teve diversas conotações sociopolíticas que foram essenciais e decisivas para traçar as estratégias de reivindicação de direitos consagrados pelos cidadãos atualmente. Até se solidificar enquanto garantia na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 em seu artigo 196 como direito de todos e dever do Estado, a saúde foi instrumento de diversas transformações políticas no Brasil ao longo do tempo, embora sua dimensão e repercussão social seja relativamente recente no que diz respeito assunto típico de Estado tendo por titularidade todos os cidadãos. No período imperial e durante a República Velha, a saúde se exibia como uma real benesse do Estado, demasiadamente caracterizada por relações patrimonialistas de poder que a marcavam como um favor do Estado à comunidade. A partir do período Vargas até a fase de redemocratização na década de 80 do século passado, alguns episódios concorreram para a alteração na percepção de saúde como favor. Quer dizer, as mudanças que ocorreram na relação entre Estado e concidadãos remodelaram a real concepção de saúde. Durante esse período, nota-se um aumento significativo na mercantilização da saúde, de modo que o seu acesso estava atrelado, de forma inexorável, à capacidade econômica do sujeito arcar com o pagamento de planos de saúde privados, de um lado, ou à sua condição formal de trabalhador, de outro, na medida em que a saúde tinha feição como um serviço ou como um benefício trabalhista. Nesse contexto os programas sociais estabelecidos por políticas públicas governamentais estiveram, portanto, grandemente agregadas a uma política econômica excludente no âmbito da saúde, que facilitou o incremento da desigualdade de acesso aos serviços públicos de saúde. No bojo dessa construção minoritária e excludente de saúde, surge, contrariamente, no Brasil, a partir da década de 70 do século passado, o movimento da Reforma Sanitária. Este movimento social teve como atores sociais sanitaristas, intelectuais e classe estudantil que, no decorrer do tempo, conquistaram espaços acadêmicos e políticos que desembocaram no fortalecimento do movimento reformista. O cerne da reivindicação tinha por base a universalização da saúde, cujo atores reformistas preconizavam que as ações públicas em saúde deveriam ser criadas não só pelo Estado, mas também em conjunto com espaços públicos de participação da sociedade. Sob o lema de defesa da saúde como um direito de todos, a bandeira da participação foi uma das principais pautas do movimento, sendo necessário a participação rotineira da comunidade na definição das políticas públicas de saúde, já que seria o cidadão o partícipe do cotidiano das instituições de saúde e, portanto, sabedor de forma mais íntima de suas mazelas e avanços. Desta forma, a percepção social da saúde passa a ser vista como um direito de cidadania estabelecendo um novo rumo na história das políticas públicas sociais do Brasil. Desenvolvimento: Com a promulgação da CRFB/88 e as reivindicações intensas advindas de uma pluralidade de intelectuais, políticos e sociedade em geral, a saúde foi alçada à categoria de direito social fundamental, cujo ditame constitucional era centrado na prestação positiva do Estado no sentido de efetivá-la abrangendo todos os cidadãos. A saúde universal e integral foi seguida de seu regramento normativo possibilitando o incremento de princípios, regras e diretrizes que seriam aperfeiçoados nos anos vindouros, cujo feito mais significativo foi a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) preconizando, em seu artigo 196, a saúde como um “direito de todos e dever do Estado”, e assim consagrando o caráter igualitário, universal e integral deste direito.  A Lei N° 8.080/1990 regulamenta o Sistema Único de Saúde e proporciona as bases da saúde brasileira. Cuida-se de um sistema de saúde unificado no âmbito do poder público, com o objetivo de preservar a heterogeneidade do sistema federativo, respeitando a autonomia da federação, a iniciar não só pela participação da União, mas também a inclusão dos estados e municípios nesse sistema de saúde. O efeito dessa junção dos entes federativos é conhecido como descentralização das responsabilidades, atribuições e recursos para estados e municípios, sem prejuízo da regulamentação e financiamento do SUS. Importante destacar que o art. 55 do Ato das Disposições Constitucionais e Transitórias (ADCT) da CRFB/88 estabeleceu um percentual (no mínimo) de trinta por cento (30%) de aplicação ao setor da saúde do orçamento da seguridade social, cujo objetivo era vincular parte da receita das contribuições sociais de estados e municípios, com base neste percentual, conforme aconteceu com a educação. As normas posteriores, em especial a Emenda Constitucional (EC) N° 29/2000, regulamentada em 2012 por meio da Lei Complementar (LC), N° 141 e Decreto N° 7.827, previram a vinculação das receitas de estados e municípios em 12% e 15%, nas ações e serviços públicos de saúde, respectivamente, mas interrompeu com a vinculação da receita, fixando somente o seu acréscimo à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, essa emenda quebrou o princípio de financiamento solidário da seguridade e dificultou acréscimos superiores à variação do PIB, transformando o que deveria ser piso em teto para o aporte de recursos federais para a saúde. Com a publicação em 2016 da Emenda Constitucional 95 (EC95), conhecida como a “emenda da morte” (PEC 241/2016 na Câmara dos deputados e PEC 55/2016 no senado federal), a emenda impactou de forma negativa os gastos da União com a saúde, que perdeu aproximadamente R$ 30 bilhões em 2021, mesmo estando em período de pandemia da coronavírus, ao retirar o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), mantendo congelado tais investimentos até o ano de 2036. O prejuízo ao SUS (até 2020), chegou em R$ 22,48 bilhões, e para as próximas duas décadas, os valores são estimados em R$ 400 bilhões a menos nos cofres públicos da saúde (Estudo apresentado na Comissão de Orçamento e Financiamento - COFIN). Considerações Finais: o SUS se consagra atualmente como uma política de saúde de sucesso e de referência para outros países, o direito à saúde assegurado na CRFB/88 colocou o Brasil em um nível elevado. É inegável os avanços conquistados através do SUS, além disso garante acesso a saúde até mesmo aos que se encontram em localidades mais distantes.  No entanto, o desfinanciamento é um cenário presente desde a aprovação da EC 95/2016 o que evidencia o desmonte do SUS. Esta emenda fere a CRFB/88 quando “penaliza” injustamente a população brasileira, que está sendo afetada de forma negativa com os cortes de investimentos em saúde. Por isso, é intrigante imaginar que o país que adota em sua constituição a saúde como um direito pretende retornar ao passado e tratar a saúde como um produto, um mercado, além disso a privatização é um prejuízo ao preceito constitucional da saúde pública nacional.