Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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“NA TRILHA DA CABOCLA”: OS CAMINHOS DA FISIOTERAPIA NO CUIDADO INTEGRAL À SAÚDE DO QUILOMBO RURAL LAGOA DE MARIA CLEMÊNCIA – BA
Mateus dos Santos Brito, Lorena Albuquerque de Melo, Itamar Lages

Última alteração: 2022-02-02

Resumo


1 APRESENTAÇÃO

A Comunidade Quilombola Rural Lagoa de Maria Clemência, Vitória da Conquista – BA, tem sua origem atravessada pela história, cultura e resistência dos povos negros e indígenas do Brasil. Segundo relato das pessoas mais idosas da comunidade, Maria Clemência, foi uma mulher indígena da “pele vermelha - cabocla”, que entre os séculos XVIII e XIX, fundou a comunidade em torno de uma lagoa no agreste catingueiro do estado da Bahia. Apenas em 2006 a Fundação Cultural Palmares certificou a comunidade enquanto quilombola, a literatura científica aponta que estes processos tendem a proporcionar as comunidades avanços na garantia de direitos sociais, como o direito a saúde. Contudo, mesmo após o registro, algumas características desvelam um processo de vulnerabilização social em progresso no contexto estudado. Analisando a situação de saúde da comunidade à luz da Determinação Social em Saúde, é possível perceber a influência do racismo estrutural em uma perspectiva interseccionada.

Barreiras no acesso à saúde são percebidas através da localização geográfica da comunidade, que fica no limite do município, distante 17 Km da Unidade de Saúde da Família (USF) e 25 Km do centro da cidade, além de sua ampla extensão territorial de 32 Km², abarcando ao todo 9 povoados: Lagoa de Maria Clemência, Oiteiro, Poço de Aninha, Muritiba, Manoel Antônio, Baixão, Caldeirão, Riacho de Teófilo e Tábua. É observada a ausência no território do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e a desativação dos 02 pontos de apoio da USF na comunidade, além da escassez no acesso à água, espaços de lazer, cultura, prática esportiva, educação formal, além de índices alarmantes de adoecimento mental, osteomioarticular, cardiovascular e metabólico. O caminho trilhado nesta experiência, parte do processo de trabalho acadêmico-profissional no estágio estratégico de um fisioterapeuta na Residência Multiprofissional em Saúde da Família com Ênfase na População do Campo – Universidade de Pernambuco (RMSFC/UPE), de janeiro a fevereiro de 2021, tendo por objetivo relatar a experiência do trabalho fisioterapêutico no cuidado à saúde funcional junto à Comunidade Quilombola Rural Lagoa de Maria Clemência, Vitória da Conquista – BA.

2 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

O plano de trabalho construído em conjunto com a Associação de Agricultores Familiares das Comunidades Remanescentes de Quilombos de Oiteiro e Região, foi dividido em quatro frentes: 01) Territorialização em Saúde: com o apoio de lideranças, os 9 povoados foram visitados com o objetivo de conhecer seus equipamentos sociais, espaços de uso comunitário, lideranças, Agentes Comunitárias de Saúde, pontos de apoio, USF e moradores que necessitam de cuidados em saúde. Também foram visitadas as pessoas mais idosas e lideranças religiosas de matriz africana, que conjuntamente compartilharam as histórias e estórias de sua comunidade e de seu povo.

02) Articulação Intrasetorial e Intersetorial: após a territorialização, algumas reuniões foram realizadas junto a USF, Coordenação de Atenção Básica e apoiadora institucional da Secretaria Municipal de Saúde, Conselhos Municipais de Saúde e de Igualdade Racial, Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores, professores extensionistas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia com projetos de saúde na comunidade e representantes do Centro Municipal Multiprofissional de Reabilitação Funcional. Com o objetivo de promover e fortalecer iniciativas de saúde e melhorias sociais para a comunidade, além da continuidade do cuidado e encaminhamentos para a outros níveis de atenção de algumas situações de saúde acompanhadas.

03) Educação Popular em Saúde: com a inserção na realidade cotidiana da comunidade e incorporadas necessidades de saúde, a exemplo da campanha de combate a COVID-19. Foram confeccionados materiais de educação e comunicação social em saúde, distribuídos nos grupos de WhatsApp da comunidade na forma de panfleto, vídeos e cartazes com identidade visual e linguagem popular, a exemplo da xilogravura. Contendo medidas de proteção sanitária, conscientização acerca da necessidade e direito a vacinação e promoção da saúde e qualidade de vida. Também foi construída a troca de saberes no cuidado a saúde, incluindo o uso de plantas medicinais e das Práticas Integrativas e Complementares (auriculoterapia e ventosaterapia).

04) Atenção à Saúde: a partir da constatação de demanda reprimida, atendimentos fisioterapêuticos domiciliares foram realizados, afim de promover a saúde funcional, realizar orientações e educação em saúde, principalmente relacionados a reabilitação funcional pós cirurgias ortopédicas e cardiovasculares, manejo de disfunções crônicas (a exemplo da Hipertensão Arterial Sistêmica, Diabetes Mellitus, Dislipidemia, Câncer, Cardiopatias, adoecimento mental etc), e promoção da qualidade de vida. Em todas as situações de saúde acompanhadas, foram realizadas a avaliação cinético funcional com base na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), estratificação de risco e vulnerabilidade, orientações no cuidado em saúde e acompanhamento de sinais e taxas como Pressão Arterial Sistêmica (PAS), Frequência Cardíaca (FC) e Respiratória (FR), Saturação (SPO²), Ausculta Respiratória e Glicemia em alguns situações acompanhadas.

3 IMPACTOS DA EXPERIÊNCIA

Desdobramento das ações da frente 01: criação de vínculo e inserção territorial culminando na participação de momentos de celebração comunitária e religiosa de matriz africana, além da consolidação de um relatório das experiências e das necessidades em saúde da comunidade; Frente 02: foi realizada a 1° Feira de Saúde Quilombola, junto às lideranças, estudantes de medicina e educação física, fisioterapeuta, psicóloga, técnica de enfermagem e pedagoga da comunidade. Na ocasião foram ofertados serviços como verificação de PAS, FC, FR, SPO², glicemia e antropometria, orientações em saúde e espaços de educação em saúde, com palestras sobre HAS, exercício físico, saúde das pessoas idosas, COVID-19 e a importância da organização comunitária. Além disso foram feitas homenagens a atores importantes para a saúde da comunidade e realizada a eleição da associação quilombola. Após isso foi criado um grupo no WhatsApp para articulação de iniciativas de saúde em prol da comunidade, chamado “Juntos Pela Saúde”. Foi aberta também a discussão e trâmite para a criação de dois Grupos de Trabalho, um no Conselho Municipal de Saúde e Comissão de Saúde da Câmara, para subsidiar a implementação da Política Municipal de Atenção Integral à Saúde da População Negra.

Desdobramento das ações da frente 03: adesão e engajamento das lideranças da comunidade na busca pela garantia da atenção à saúde, vacinação quilombola e ações de proteção contra a COVID-19, ocorrendo após dois meses a aplicação das primeiras doses dos imunizantes na comunidade. Não foram registrados casos graves ou óbitos da doença na comunidade; Frente 04: foram observados avanços nas situações de saúde acompanhadas, como a diminuição da dor (Escala Visual Analógica), maior funcionalidade na execução das Atividades Instrumentais e de Vida Diária por pessoas com deficiências, adesão a hábitos como caminhada, valorização dos saberes populares na saúde (uso de plantas em chás, tinturas, pomadas etc.), adaptações ergonométricas no trabalho com agricultura e nos domicílios com foco na prevenção de disfunções e quedas de pessoas idosas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa constata contribuições na promoção da saúde funcional e integral com a inserção do fisioterapeuta nesta realidade. Além de destacar contribuições da educação popular em saúde e articulação intra e intersetorial, na efetividade do processo de trabalho fisioterapêutico com foco na atenção equânime à saúde de comunidades quilombolas. Proporcionando a incorporação das especificidades destas populações no cuidado à saúde e estimulando a autonomia na busca conjunta pelo direito à saúde.