Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A violência obstétrica na perspectiva dos profissionais de enfermagem: uma revisão de literatura
Lara Lelis Dias, Pedro Paulo do Prado Junior, Mara Rubia Maciel Cardoso do Prado, Ísis Milani de Sousa Teixeira, Patricia Colli Francisco, Rosana da Silva Pereira Paiva

Última alteração: 2022-02-06

Resumo


Apresentação: Até meados do século XIX, parir era um evento íntimo e domiciliar, em que a mulher era acompanhada por parteiras e outras mulheres da família, enquanto o parto ocorria em sua total fisiologia e naturalidade. A partir do século XX, iniciou-se a institucionalização dos nascimentos, isto é, os partos passaram a ser realizados em hospitais, conduzidos por profissionais e com o uso de tecnologias. O objetivo desse processo era dispor de recursos técnicos e pessoais para fornecer assistência segura às situações de alto risco, a fim de diminuir índices de morte materna e neonatal. No entanto, as intervenções hospitalares se tornaram rotineiras nas instituições, sendo utilizadas em grande parte das parturientes, de forma mecanizada e, na maioria das vezes, sem reais indicações clínicas, tornando parir um evento violento e patológico. Diante disso, essas ações geraram o reconhecimento do termo violência obstétrica (VO), definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida". Nesse sentido, a assistência ao parto, no Brasil, passou a ser regida por políticas públicas, criadas pelo Ministério da Saúde, como o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, em 2002, e a Rede Cegonha, em 2011, em busca de garantir às mulheres uma assistência integral e segura durante o ciclo gravídico-puerperal. Além disso, a OMS incentiva a participação do enfermeiro, especialmente através da enfermagem obstétrica, durante o pré-natal, parto e puerpério, por ser o profissional de maior contato e criação de vínculo com as mulheres e por possuir uma prática não apenas baseada na intervenção, mas pautada na assistência individualizada e humanizada. Vale ressaltar que o enfermeiro é habilitado para assistir à gestante, parturiente e puérpera, acompanhar a evolução do trabalho de parto e execução do parto sem distocia, bem como realizar o pré-natal de baixo risco, de acordo com sua Lei do exercício profissional (Lei nº 7.498/96). Posto isso, ao considerar a capacidade da enfermagem de aumentar a qualidade da assistência dos serviços obstétricos e diminuir os índices de violência, se faz necessário o reconhecimento das percepções desses profissionais sobre a temática, a fim de identificar potencialidades e possíveis lacunas. Desenvolvimento: estudo de revisão integrativa da literatura, realizado em janeiro de 2022. A revisão se deu por meio de seis passos: elaboração da pergunta norteadora, busca na literatura, coleta de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação da revisão. A partir da questão norteadora “quais as percepções dos enfermeiros em relação à violência obstétrica?” foi realizada a busca nas bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Cochrane Library, PubMed e Portal de Periódicos da CAPES, através dos descritores “Enfermagem”, “Violência Obstétrica”, “Brasil”, “Equipe de Enfermagem” e “Saúde Materno-Infantil”, combinados pelo operador booleano “AND”, em inglês, português e espanhol, publicados nos últimos 5 anos (2016-2021). Foram encontrados 14 artigos, entre eles, 09 (BVS) e 05 (CAPES). A partir da leitura dos títulos e resumos, 07 estudos foram excluídos por não responderem à pergunta norteadora e 02 por duplicidade nas bases de dados. A amostra final foi composta por 05 artigos, publicados em 2018 (1), 2019 (2) e 2020 (2), indexados nas plataformas LILACS (1), IBECS (1) e BDENF (1), acessadas através da BVS, e CAPES (2). Os estudos foram submetidos à leitura cronológica e extração de informações, por meio de instrumento, com dados sobre autoria, ano e revista de publicação, amostra, objetivos, métodos, resultados, conclusões, possíveis vieses e lacunas para futuras pesquisas. Seguida da extração de informações, foi realizada a análise crítica dos estudos e discussão dos resultados, apresentados por essa revisão. Resultados: a literatura científica evidencia que, ao serem questionados em relação à definição e caracterização da VO, os profissionais reconhecem e exemplificam ações violentas, como manobra de Kristeller, episiotomia, infusão de ocitocina para acelerar o trabalho de parto, realização de cesariana sem indicação, negar direito ao acompanhante, toques vaginais excessivos, tricotomia, impedir alimentação e hidratação, restrição ao leito, negar alívio da dor e utilizar termos intimidatórios e constrangedores. No entanto, alguns profissionais compreendem que a VO se apresenta de diversas formas, mas não reconhecem determinadas práticas como violações, ou seja, tendem a acreditar que procedimentos de rotina não são violência, devido à cultura de sua prática nas instituições, apesar das evidências científicas atuais contraindicarem grande parte delas, justificando seu uso em situações de emergência ou como forma de ajudar a parturiente. Além disso, existem vieses por parte de alguns profissionais sobre a definição de VO, ao a associarem somente com situações de alta gravidade ou a confundirem com outros tipos de violência, como a doméstica. No que tange aos fatores de risco à VO, são citados a falta de conhecimento da parturiente, uma vez que as mulheres que reconhecem a VO são aquelas que tiveram contato com o tema durante o pré-natal, discriminação socioeconômica, de raça, gênero e etnia, em que pobres, negras e de baixa escolaridade sofrem mais violência quando comparadas à mulheres brancas e de classe média, escassez de capacitação profissional em VO, formação baseada em práticas rotineiras e repetitivas, más condições de trabalho e sobrecarga, resultando na dificuldade do profissional em refletir sobre sua prática, limitando seu ritmo de trabalho à precariedade. Considerações finais: é possível concluir que, apesar de parte dos profissionais reconhecerem e exemplificarem atos que configuram VO, esse conhecimento se apresenta frágil e superficial, pelo fato que somente a capacidade de identificar a VO e seus fatores de risco não impede a utilização das intervenções na assistência, pela sua cultura enraizada nos serviços obstétricos, evidenciando a carência de autonomia dos profissionais em modificarem suas práticas, baseando-se no cuidado baseado em evidências. Sendo assim, é evidente a necessidade de ações preventivas à VO, como mudanças nas grades curriculares, capacitação profissional, espaços de discussão destinados às gestantes, políticas públicas, protocolos assistenciais, ferramentas validadas para medir violências, sistemas de notificação e medidas legislativas para punição dos responsáveis. Essas medidas serão potenciais na atuação do enfermeiro, esse que, com participação frequente no pré-natal, parto e pós-parto, é capaz de aumentar a qualidade da assistência obstétrica, enquanto membro da equipe multidisciplinar, isso porque o conhecimento de enfermagem influencia a ação de outros profissionais. Ademais, atualmente o ciberativismo, através do uso das tecnologias de informação, também se configura como uma forma das mulheres vítimas de VO se mobilizarem, facilitando a promoção da saúde, o empoderamento feminino e a participação política. Por fim, ressalta-se, nesse trabalho, a probabilidade de vieses, em relação ao quantitativo de artigos analisados. No entanto, a capacidade de síntese, revisão, determinação de conceitos e identificação de lacunas, das revisões integrativas, justificam a importância de seu desenvolvimento, a fim de direcionar a prática clínica em prol do cuidado baseado em evidências. Ademais, salienta-se a demanda por outros estudos sobre a temática, que busquem atingir maior número de profissionais e expandir a identificação dos fatores associados à VO.