Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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DA NECROPOLÍTICA À ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA: A CAMPANHA DE IMUNIZAÇÃO DA COVID-19 NA COMUNIDADE QUILOMBOLA RURAL SERRA VERDE – PE
Mateus dos Santos Brito, Alexsandro de Melo Laurindo, Jessyka Nayane Cavalcanti de Freitas, Luiza Carla de Melo, Priscylla Alves Nascimento Freitas, Maria do Socorro Brito Gomes, Maria do Carmo Cavalcante de Oliveira, Itamar Lages

Última alteração: 2022-02-24

Resumo


1 APRESENTAÇÃO

A equipe da Residência Multiprofissional em Saúde da Família com Ênfase na População do Campo – Universidade de Pernambuco (RMSFC/UPE), desenvolve seu processo de trabalho acadêmico-profissional pautado na Educação Popular em Saúde. Ocorrendo no período de março de 2020 a março de 2022, junto as Equipes de Saúde da Família das Unidades de Serra Velha e Gonçalves Ferreira (eSF/USF), ambas localizadas no Território de Gestão Sustentável Rural 03 de Caruaru – PE. O grupo de onze profissionais de núcleos distintos, sendo três da eSF e oito do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (eNASF-Ab), atua dentre outras micro áreas, na Comunidade Quilombola Rural Serra Verde no território de Serra Velha.

Serra Verde se constitui como uma comunidade singular com problemas sociais e sanitários semelhantes aos de outras comunidades quilombolas e camponesas do Brasil e de Caruaru, que analisados através da Determinação Social da Saúde, a vulnerabilização social, interseccionada pelo racismo estrutural que incide na garantia de direitos sociais desta comunidade. Um exemplo disso é o processo de certificação junto a Fundação Cultural Palmares (FCP), iniciado em 2016 com tramitação até a presente data. Além disso são observadas barreiras no acesso à saúde, como a localização geográfica no limite do município, a 12 Km da USF e 15 Km do centro da cidade, desativação do ponto de apoio da USF na comunidade e ausência de Agente Comunitário de Saúde. Além da escassez no acesso à água, espaços de lazer, cultura, prática esportiva, educação formal, índices alarmantes de adoecimento mental, cardiovascular e metabólico, osteomioarticular e a presença hegemônica de trabalho com confecção têxtil sem a observância de direitos trabalhistas na maioria dos casos.

Neste contexto o presente trabalho tem por objetivo relatar a experiência de construção da Campanha de Imunização Prioritária da COVID-19 junto à Comunidade Quilombola Rural Serra Verde, Caruaru – PE. Para a análise deste cenário, um conceito importante é o de necropolítica. Abordado por Achille Mbemde, como os mecanismos de controle e poder do estado na determinação de dinâmicas sociais e políticas que condicionam a morte e a vida, principalmente de grupos populacionais historicamente vulnerabilizados. Ao longo da história, as comunidades negras têm seus direitos sociais e condições de saúde precarizados, isso pode impactar diretamente na capacidade de enfrentamento de problemas de saúde como a pandemia de COVID-19.

2 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

A partir de uma mobilização nacional liderada pelo movimento quilombola, a ADPF 742/2021 (Supremo Tribunal Federal), determinou a inserção das comunidades quilombolas nos grupos prioritários da vacinação. Contudo, era necessário um mapeamento sem precedentes, a fim de identificar estas comunidades, incluindo aquelas alto declaradas sem certificação pela FCP. Como garantir o direito à saúde de comunidades tradicionais que se quer são mapeadas?

A pandemia de COVID-19 escancara problemas estruturais como o racismo e uma política governamental insuficiente para as necessidades sociais e sanitárias das comunidades quilombolas rurais. Como na campanha de imunização da COVID-19, onde a população quilombola não foi inserida nos grupos prioritários, a exemplo dos povos indígenas originários. Mesmo com a divulgação pela Coordenação Nacional de Articulação Quilombola (CONAQ) de dados que comprovavam uma taxa de mortalidade pelo vírus de cerca de 5% a mais do que a população total do Brasil.

Neste cenário, junto as suas lideranças de Serra Verde, a equipe da RMSFC/UPE, reuniu primeiramente os documentos de identificação quilombola da comunidade e as orientações para a campanha em lives no YouTube, documentos da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra), CONAQ, Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco e a ADPF 742/STF. Após isso, reuniões foram realizadas junto as Coordenações de Atenção Básica e Imunização da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), USF e lideranças nacionais da CONAQ.

Após isso, outros passos foram tomados: 01) atualização e cadastramento domiciliar dos moradores da comunidade; 02) sensibilização, convocação e esclarecimentos acerca da imunização e efeitos adversos. Através da confecção e distribuição de cartazes, panfletos, vídeo e áudios em grupos de WhatsApp da comunidade e com carro de som de comunitários; 03) organização logística, de ambiência acolhedora e estrutura básica de garantia da imunização e da segurança sanitária no ponto de apoio/USF na comunidade; 04) execução da vacinação na primeira e segunda dose, junto a eSF, orientações de cuidados pós vacina e convocação de mobilização comunitária para a busca por melhorias na saúde da comunidade; 05) monitoramento e orientações de manejo dos efeitos adversos.

3 IMPACTOS DA EXPERIÊNCIA

Ao longo da pandemia de COVID-19 não foram registrados casos graves e óbitos pela doença na comunidade, tiveram seus dados atualizados e cadastrados 450 usuários, recebendo a primeira e segunda doses do imunizante da AstraZeneca/Oxford/Fiocruz 277 usuários de maio a agosto de 2021, sendo que alguns moradores optaram por se vacinar ou já haviam se vacinado anteriormente na cidade. Com a campanha, os contatos entre as lideranças da comunidade com a CONAQ, SMS, USF e com o grupo de capoeira da comunidade foram intensificados. Além de um aprofundamento no debate da identidade quilombola na comunidade, eSF/NASF-Ab e SMS.

A organização da comunidade em torno das pautas de melhorias sociais e sanitárias também foi potencializada, lideranças da comunidade junto a RMSCF/UPE, capitanearam reuniões com comunitários, membros da Associação Quilombola dos Produtores e Criadores Rurais de Serra Verde, grupo de capoeira da comunidade e eSF. Sendo que primeiramente foi discutida a situação de saúde da comunidade, produzido o Mapa Falado e o FOFA (Fortalezas, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças), ferramentas do Diagnóstico Rural Participativo. No segundo momento, a pedido da comunidade, foi construída a linha do tempo histórica com um debate para o fortalecimento da associação, discussão sobre as mudanças na aposentadoria de agricultores e inserção da comunidade no Programa de Aquisição de Alimentos. Nos outros encontros com o avanço dos debates, foi construído coletivamente, a comemoração do aniversário de 20 anos da associação, com presença do Grupo de Capoeira da comunidade, Mazuca e Trio de Forrozeiros, com maculelê, samba de roda, homenagem aos mais idosos da comunidade e apresentação teatral com a história da capoeira. Por fim, foi realizado no dia da consciência negra, o Cinema do Campo com exibição e debates de curtas metragens acerca da negritude, além de oficina de penteados afro com trancistas da comunidade e oficina de esculturas de barro, eternizando nas peças, a memória e história cotidiana da comunidade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a campanha de imunização e seus desdobramentos, é possível verificar os impactos de trabalhos de Educação Popular em Saúde executados junto a comunidades historicamente vulnerabilizadas, a exemplo dos quilombos do campo. Desvelando a importância da mobilização e organização comunitária em torno da busca pela garantia do direito à saúde, tanto a nível nacional quanto local. Proporcionando reflexões em torno das complexidades em saúde, demonstrando que a garantia de um direito, como o da imunização, tem em si, a potência de inaugurar efeitos sob questões profundas da comunidade, mobilizando um debate em torno da identidade quilombola e busca por direitos sociais e melhor qualidade de vida.