Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-02-24
Resumo
1 APRESENTAÇÃO
A equipe da Residência Multiprofissional em Saúde da Família com Ênfase na População do Campo – Universidade de Pernambuco (RMSFC/UPE), desenvolve seu processo de trabalho acadêmico-profissional pautado na Educação Popular em Saúde. Ocorrendo no período de março de 2020 a março de 2022, junto as Equipes de Saúde da Família das Unidades de Serra Velha e Gonçalves Ferreira (eSF/USF), ambas localizadas no Território de Gestão Sustentável Rural 03 de Caruaru – PE. O grupo de onze profissionais de núcleos distintos, sendo três da eSF e oito do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (eNASF-Ab), atua dentre outras micro áreas, na Comunidade Quilombola Rural Serra Verde no território de Serra Velha.
Serra Verde se constitui como uma comunidade singular com problemas sociais e sanitários semelhantes aos de outras comunidades quilombolas e camponesas do Brasil e de Caruaru, que analisados através da Determinação Social da Saúde, a vulnerabilização social, interseccionada pelo racismo estrutural que incide na garantia de direitos sociais desta comunidade. Um exemplo disso é o processo de certificação junto a Fundação Cultural Palmares (FCP), iniciado em 2016 com tramitação até a presente data. Além disso são observadas barreiras no acesso à saúde, como a localização geográfica no limite do município, a 12 Km da USF e 15 Km do centro da cidade, desativação do ponto de apoio da USF na comunidade e ausência de Agente Comunitário de Saúde. Além da escassez no acesso à água, espaços de lazer, cultura, prática esportiva, educação formal, índices alarmantes de adoecimento mental, cardiovascular e metabólico, osteomioarticular e a presença hegemônica de trabalho com confecção têxtil sem a observância de direitos trabalhistas na maioria dos casos.
Neste contexto o presente trabalho tem por objetivo relatar a experiência de construção da Campanha de Imunização Prioritária da COVID-19 junto à Comunidade Quilombola Rural Serra Verde, Caruaru – PE. Para a análise deste cenário, um conceito importante é o de necropolítica. Abordado por Achille Mbemde, como os mecanismos de controle e poder do estado na determinação de dinâmicas sociais e políticas que condicionam a morte e a vida, principalmente de grupos populacionais historicamente vulnerabilizados. Ao longo da história, as comunidades negras têm seus direitos sociais e condições de saúde precarizados, isso pode impactar diretamente na capacidade de enfrentamento de problemas de saúde como a pandemia de COVID-19.
2 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
A partir de uma mobilização nacional liderada pelo movimento quilombola, a ADPF 742/2021 (Supremo Tribunal Federal), determinou a inserção das comunidades quilombolas nos grupos prioritários da vacinação. Contudo, era necessário um mapeamento sem precedentes, a fim de identificar estas comunidades, incluindo aquelas alto declaradas sem certificação pela FCP. Como garantir o direito à saúde de comunidades tradicionais que se quer são mapeadas?
A pandemia de COVID-19 escancara problemas estruturais como o racismo e uma política governamental insuficiente para as necessidades sociais e sanitárias das comunidades quilombolas rurais. Como na campanha de imunização da COVID-19, onde a população quilombola não foi inserida nos grupos prioritários, a exemplo dos povos indígenas originários. Mesmo com a divulgação pela Coordenação Nacional de Articulação Quilombola (CONAQ) de dados que comprovavam uma taxa de mortalidade pelo vírus de cerca de 5% a mais do que a população total do Brasil.
Neste cenário, junto as suas lideranças de Serra Verde, a equipe da RMSFC/UPE, reuniu primeiramente os documentos de identificação quilombola da comunidade e as orientações para a campanha em lives no YouTube, documentos da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra), CONAQ, Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco e a ADPF 742/STF. Após isso, reuniões foram realizadas junto as Coordenações de Atenção Básica e Imunização da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), USF e lideranças nacionais da CONAQ.
Após isso, outros passos foram tomados: 01) atualização e cadastramento domiciliar dos moradores da comunidade; 02) sensibilização, convocação e esclarecimentos acerca da imunização e efeitos adversos. Através da confecção e distribuição de cartazes, panfletos, vídeo e áudios em grupos de WhatsApp da comunidade e com carro de som de comunitários; 03) organização logística, de ambiência acolhedora e estrutura básica de garantia da imunização e da segurança sanitária no ponto de apoio/USF na comunidade; 04) execução da vacinação na primeira e segunda dose, junto a eSF, orientações de cuidados pós vacina e convocação de mobilização comunitária para a busca por melhorias na saúde da comunidade; 05) monitoramento e orientações de manejo dos efeitos adversos.
3 IMPACTOS DA EXPERIÊNCIA
Ao longo da pandemia de COVID-19 não foram registrados casos graves e óbitos pela doença na comunidade, tiveram seus dados atualizados e cadastrados 450 usuários, recebendo a primeira e segunda doses do imunizante da AstraZeneca/Oxford/Fiocruz 277 usuários de maio a agosto de 2021, sendo que alguns moradores optaram por se vacinar ou já haviam se vacinado anteriormente na cidade. Com a campanha, os contatos entre as lideranças da comunidade com a CONAQ, SMS, USF e com o grupo de capoeira da comunidade foram intensificados. Além de um aprofundamento no debate da identidade quilombola na comunidade, eSF/NASF-Ab e SMS.
A organização da comunidade em torno das pautas de melhorias sociais e sanitárias também foi potencializada, lideranças da comunidade junto a RMSCF/UPE, capitanearam reuniões com comunitários, membros da Associação Quilombola dos Produtores e Criadores Rurais de Serra Verde, grupo de capoeira da comunidade e eSF. Sendo que primeiramente foi discutida a situação de saúde da comunidade, produzido o Mapa Falado e o FOFA (Fortalezas, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças), ferramentas do Diagnóstico Rural Participativo. No segundo momento, a pedido da comunidade, foi construída a linha do tempo histórica com um debate para o fortalecimento da associação, discussão sobre as mudanças na aposentadoria de agricultores e inserção da comunidade no Programa de Aquisição de Alimentos. Nos outros encontros com o avanço dos debates, foi construído coletivamente, a comemoração do aniversário de 20 anos da associação, com presença do Grupo de Capoeira da comunidade, Mazuca e Trio de Forrozeiros, com maculelê, samba de roda, homenagem aos mais idosos da comunidade e apresentação teatral com a história da capoeira. Por fim, foi realizado no dia da consciência negra, o Cinema do Campo com exibição e debates de curtas metragens acerca da negritude, além de oficina de penteados afro com trancistas da comunidade e oficina de esculturas de barro, eternizando nas peças, a memória e história cotidiana da comunidade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a campanha de imunização e seus desdobramentos, é possível verificar os impactos de trabalhos de Educação Popular em Saúde executados junto a comunidades historicamente vulnerabilizadas, a exemplo dos quilombos do campo. Desvelando a importância da mobilização e organização comunitária em torno da busca pela garantia do direito à saúde, tanto a nível nacional quanto local. Proporcionando reflexões em torno das complexidades em saúde, demonstrando que a garantia de um direito, como o da imunização, tem em si, a potência de inaugurar efeitos sob questões profundas da comunidade, mobilizando um debate em torno da identidade quilombola e busca por direitos sociais e melhor qualidade de vida.