Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS COMO FERRAMENTA PARA COMPREENSÃO DOS CAMINHOS TRILHADOS POR PESSOAS QUE VIVEM COM HIV/AIDS
Talita Miranda Pitanga Barbosa Cardoso, Ana Beatriz Barros Ferreira da Silva, Rocío Andrea Cornejo Quintana, Caroline Raíza Dourado Lima, Magno Conceição das Mercês, Silvana Lima Guimarães França, Marcia Cristina Graça Marinho, Marcio Costa de Souza

Última alteração: 2022-02-24

Resumo


INTRODUÇÃO


O tema dos itinerários terapêuticos (IT) vem sendo utilizado como constructo teórico-metodológico em investigações sobre doenças, sofrimentos e aflições em pessoas em experiência de adoecimento. Ele tem se mostrado importante ferramenta para a avaliação da integralidade e resolubilidade da rede de atenção à saúde, ou seja, evidenciam os tensionamentos resultantes da experiência do adoecimento e a busca pelo cuidado por usuários e suas famílias.

O estudo sobre IT concede uma forma para compreender todo o processo de adoecimento de uma pessoa, desde o aparecimento dos primeiros sinais/sintomas, em seu diagnóstico, até a maneira pela qual a doença é interpretada pelo enfermo e seus familiares, e sobre como lidam com tal situação.

Desta forma, a hegemonia do modelo biomédico, ainda tão focado na patologia, edifica barreiras para o exercício dos princípios do SUS. Tal paradoxo presente no sistema público de saúde consegue afetar de forma negativa e direta toda a trajetória do cuidado dos usuários por impossibilitar a compreensão de questões subjetivas e psicológicas que acompanham qualquer doença.

Por esse motivo, o território do pluralismo terapêutico, ou seja, conjunto de cuidados e crenças sobre o corpo e a alma, a saúde e a doença, a partir da inserção em um sistema cultural se descortina como um modelo imanente de avaliação dos caminhos do cuidado. Nesse contexto, Kleinman propõe diferentes subsistemas terapêuticos classificados como profissional, folk e popular de acordo com as diferentes interpretações da doença e as diferentes práticas terapêuticas disponíveis e adotadas por cada indivíduo.

Assim, este estudo tem como objetivo descrever os fatores que interferem nos itinerários terapêuticos percorridos por pessoas que vivem com HIV/AIDS e a consequente resolubilidade de suas necessidades pela rede de atenção à saúde.


METODOLOGIA

Este estudo trata-se de uma revisão de literatura, com período de coleta realizado entre julho e dezembro de 2021. A pesquisa abrange artigos científicos publicados em revistas indexadas com os mais diversos delineamentos, publicados nos últimos 10 anos, nos idiomas português e inglês.

As buscas dos artigos foram realizadas nas bases de dados eletrônicas: Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), PubMed e SciELO (Scientific Electronic Library Online). Foram utilizadas as palavras-chave: Itinerários terapêuticos; Assistência ao Paciente; HIV, e suas respectivas traduções em inglês (acrescidas dos operadores booleanos “AND” e “OR”), escolhidas mediante consulta prévia aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). O rastreamento foi realizado por meio das palavras encontradas nos títulos, assuntos e resumos dos artigos.

Alguns filtros disponíveis nas bases de dados foram adicionados para delimitação da pesquisa - textos completos; intervalo de ano de publicação: últimos 10 anos. Os artigos coletados foram selecionados por rastreio dos títulos (primeira etapa), resumos (segunda etapa) e leitura integral (terceira etapa). Posteriormente, foi realizada uma leitura exploratória dos estudos selecionados e, em seguida, leitura seletiva e analítica. O diagrama de fluxo PRISMA foi usado para identificação e seleção dos artigos.

O processo de seleção e extração de dados dos artigos, assim como a identificação dos aspectos metodológicos foi realizado por dois revisores independentes. Quando ocorria algum desacordo entre eles, os revisores liam novamente o artigo na íntegra para reavaliação. Se a divergência persistisse, um terceiro revisor poderia decidir quais estudos deveriam ser selecionados, entretanto, não houve necessidade.


RESULTADOS


Os caminhos adotados, muitas vezes tortuosos, podem envolver tanto o medo do diagnóstico quanto a real dificuldade de acesso. Alguns indivíduos, mesmo se sentindo em uma situação de exposição ao HIV/AIDS, protelam buscar o serviço de saúde para realização da testagem. Outros buscam apenas quando já estão com sintomas que indicam mudança em seu estado de saúde. E outros quando tem relações sexuais com pessoa sabidamente vivendo com HIV ou por desconfiança do parceiro estar infectado.

Quanto à busca do local para testagem, a Atenção Primária à Saúde como ordenadora do cuidado e do acesso à rede não tem sido local inicial de busca das pessoas para testagem na maioria das vezes, o que demonstra que a população constrói suas estratégias para resolver suas necessidades a partir de suas percepções de como o modelo de atenção em vigência é insuficiente e quais as trajetórias que podem potencializar o acesso a terapêuticas que julga importantes para seu cuidado, acionando o que chamamos de “rede viva”, ou seja, acessos de modo informal construídos através de relações interpessoais.

Assim, a adoção de outras estratégias de cuidado não necessariamente ligadas às racionalidades médicas tem se apresentado. A religião/crença, por exemplo, tem evidenciado importância nos processos de interpretação e tratamento de doenças e cura nesse espaço social, principalmente de forma concomitante ao cuidado biomédico tradicional.

Do ponto de vista das relações desenvolvidas com os profissionais de saúde durante o IT, sentimentos de medo, vergonha e culpa ocorrem em encontros entre usuários e profissionais de saúde, o que revela o quanto a falta de diálogo e acolhimento pode interferir negativamente no processo de cuidado.

A continuidade da terapêutica da TARV é um fenômeno complexo que contempla aspectos relacionados ao ser vivente, ao seu tratamento, e nas questões socioeconômicas envolvidas e nos processos imanentes de saúde-doença-cuidado. A falta de apoio emocional e financeira das famílias, a não aceitação do problema de saúde, os efeitos adversos dos antirretrovirais, a quantidade de comprimidos ingeridos diariamente, a periodicidade das consultas, o estigma da doença, o medo da morte e depressão foram fatores que interferiram de forma robusta na adesão à TARV. Além disso, a falta de proposta sistematizada para acolher as PVHA que tem dificuldade de continuidade do tratamento e prevenção ao abandono também foi um fator apontado por usuários de serviços de saúde como algo que afasta o ser vivente do seu cuidar.

Na população de adultos jovens as especificidades que interferem na adesão são ainda mais peculiares. A vivência da adolescência/juventude pode fragilizar a adesão devido a imaturidade, impulsividade e desejo de viverem intensamente algumas emoções. Para alguns jovens, viver com HIV na juventude implica em limitações, preocupação com o sigilo, e  precisa enfrentar grandes desafios e conviver com incertezas constantes relacionadas à enfermidade.

Importante ressaltar que, fatores ligados à gestão dos serviços também interferem nos IT como agendas lotadas, falta de tempo, estrutura deficiente com número reduzido de consultórios, pouco espaço, ventilação inadequada, número de profissionais insuficiente, elementos interligados que denotam uma deficiência importante no planejamento das ações e nos serviços para a atenção das PVHA.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Diante do exposto, percebe-se o quanto os itinerários terapêuticos sofrem intervenções diretas por fatores ligados às fragilidades apresentadas na RAS e suas articulações, além  de questões imanentes aos processos subjetivos de cada ser. Essas tessituras precisam estar imbricadas num mesmo propósito para se alcançar a resolubilidade das necessidades de saúde das pessoas num espaço de tempo demandado para cada situação.