Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Participação Indígena no combate a Covid-19 no Distrito Sanitário Especial Indígena de Manaus (DSEI-MAO)
Kátia Maria Lima Menezes

Última alteração: 2022-01-31

Resumo


O trabalho que ora apresentamos é o resultado do estudo realizado sobre a atuação dos conselheiros locais de saúde na prevenção da Covid-19, no período de 2020 a 2021, no Distrito Sanitário Especial Indígena de Manaus (DSEI-MAO) um dos trinta e quatro Distritos, organizados no Brasil a partir da implantação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS), criado em 1999 pela Lei Arouca (Lei nº. 9.836). Trata-se de um estudo descritivo de base qualitativa, baseado nos depoimentos e relatórios das reuniões e capacitações de conselheiros, realizadas no segundo semestre de 2021. A capacitação realizada contemplou uma roda de conversa com relatos de experiências dos conselheiros sobre Covid-19. Os dados foram analisados através da técnica da análise do discurso. O objetivo deste estudo é analisar a participação dos conselheiros no contexto da pandemia, identificando a contribuição nas ações de prevenção a covid-19, considerando a capilaridade destes atores sociais, posto que, todas as aldeias possuem um conselheiro local. O DSEI-MAO constitui-se de uma extensa área geográfica dentro do Estado do Amazonas, abrangendo, atualmente, vinte e um (21) municípios do estado, incluindo Manaus, onde fica a sede do Distrito. A população atual do DSEI/MAO é de, aproximadamente, trinta mil indígenas, distribuídos em duzentas e cinquenta e quatro (254) aldeias, pertencentes a quinze diferentes etnias. O Distrito possui um Conselho Distrital com a composição de 60 conselheiros (50% indígenas e 50% não indígenas) e 25 conselhos locais, compostos, somente, por indígenas aldeados, somando 236 conselheiros locais. O Brasil registrou até o dia 28.01.2022, a marca de 1.260 indígenas mortos em decorrência da covid-19. Sem políticas públicas de enfrentamento ao coronavírus pensadas, especialmente, para a população indígena o país registrou, nesse mesmo período, 64.359 casos de contaminação e 162 povos atingidos (ISA, 2022). Nesse contexto as ações de combate a pandemia e incentivo a vacinação precisam ser incrementadas, para tanto, os conselheiros de saúde são sujeitos importantes, considerando a capilaridade destes atores sociais que estão presentes em todas as aldeias. Os resultados deste estudo confirmam a atuação contundente dos conselheiros a nível local na prevenção da doença. Os relatos apontam a articulação dos conselheiros com as demais lideranças indígenas e com os gestores da saúde para o planejamento das ações de prevenção e isolamento social das aldeias. Dentre essas ações destaca-se a atuação ativa na organização de “barreiras sanitárias” que visavam impedir o fluxo de pessoas entre a aldeia e a cidade. Com o isolamento das aldeias foram identificados moradores que ficaram responsáveis pela saída autorizada e realização da compra de mantimentos para os demais, alguns relatos apontam que os conselheiros assumiram essa tarefa em algumas localidades; os conselheiros também ajudaram na saída dos indígenas com sintomas graves para o atendimento de urgência e emergência nos municípios de referências, fazendo contato com a equipe de saúde do respectivo Polo base e com os gestores do DSEI; Também atuaram nas ações de assistência a população, através da participação na distribuição de cestas básicas, máscaras e álcool gel, juntamente com a diretoria do Conselho Distrital. As orientações para a população sobre as medidas de prevenção e isolamento ficaram a cargo dos agentes indígenas (AIS) e conselheiros locais de saúde, considerando, que as equipes de saúde, nos primeiros meses da pandemia, não entraram em área, o que aumentou o protagonismo desses atores sociais. Identificamos nos relatos o protagonismo dos conselheiros nas campanhas de vacinação do DSEI-MAO, onde eles relataram as dificuldades encontradas em virtude da difusão de “fake News” que estão gerando a desinformação nas aldeias. Segundo eles, alguns indígenas ficaram com medo de tomar a vacina (receio de virar jacaré, de mudar de sexo, de contrair o HIV e até de morrer), depois de terem acesso a notícias falsas sobre supostos efeitos causados pelos imunizantes. A participação e colaboração de organizações governamentais (FUNAI, CIMI, FIOCRUZ) e organizações indígenas também são descritas como fundamental na conformação de um processo extremamente participativo que envolveu os diversos setores solidários a causa indígena e mobilizou lideranças e conseguiu inserir na discussão outros indígenas aldeados que passaram a se interessar pela discussão da saúde, diante da emergência da pandemia.  relataram, ainda, algumas dificuldades para desempenhar as atividades relatadas, tais como a escassez de combustível, a falta de equipamentos de proteção (botas, capa de chuva, luvas, máscaras), e falta de credenciais de identificação para otimizar as atividades de apoio a prevenção ao Covid-19; a falta de testes para o diagnóstico da Covid-19, segundo os conselheiros dificultou o diagnóstico da doença e o isolamento dos casos positivos, fato ocorrido em todo o país; A utilização das plantas medicinais para preparação de “remédios caseiros” suscitou o debate em torno do tema da necessidade urgente de resgate da Medicina Tradicional, inclusive com  Na verdade as atividades relativas ao controle social do DSEI-MAO foram sempre realizadas com limitações orçamentárias. Os Conselhos locais funcionam sem uma infraestrutura adequada, não possuem espaço físico, suporte administrativo para o desenvolvimento das atividades. As atas e documentos ficam sob a guarda da presidente do conselho. Os conselheiros também reivindicam a realização de mais cursos de capacitação, considerando que existe uma rotatividade entre os membros dos conselhos, principalmente nos conselhos locais. A SESAI, embora oficialmente reconheça à importância da participação indígena na política de saúde, não aprova, no orçamento anual, um aporte financeiro que contemple de forma eficaz as atividades de controle social. No entanto, reconhecemos que a possibilidade de participação indígena na política de saúde não é a garantia automática da efetiva ampliação dos serviços de saúde e de solução de todos os problemas desta área, no entanto, se constitui em elemento fundamental para a interferência da comunidade na formulação de políticas, orientando os gestores quanto às melhores medidas a serem adotadas e que atendam interesses dos indígenas. A ampliação dos direitos ocorrerá ou não no bojo deste processo de organização e luta como resultado da correlação de forças que se estabelece entre os atores sociais e seus interesses, também replicada no interior dos conselhos. Neste sentido este estudo ressalta a relevância do papel dos conselheiros locais nas questões pertinentes a saúde da população indígena, confirmada pelo protagonismo nas ações de prevenção e combate a pandemia da Covid-19, que tem representado um enorme desafio para a saúde pública e requerido o esforço de todos.